A Portaria n. 620 do MTP tem vida curta

Portão trancado com corrente e cadeado.
Photo by Masaaki Komori on Unsplash

O Ministério do Trabalho e Previdência publicou na última segunda-feira (01/11) a Portaria n. 620, que proíbe seja adotado como critério para contratação de empregados ou manutenção de contratos de trabalho, a carteira de vacinação do candidato ou empregado.

Tipifica estas condutas como discriminatórias, passíveis de indenização por danos morais, além de determinar a reintegração do empregado que for dispensado por resistir a vacinação.

Num primeiro momento, é necessário deixar claro que Portarias não podem criar regras, direitos, mas tão somente regulamentar direitos preexistentes. Trata-se de um ato administrativo, que deve conter, por exemplo, instruções acerca da aplicação de leis ou regulamentos, recomendações de caráter geral, mas nunca criar ou restringir direitos, o que deve ser feito através de Lei.

Neste aspecto, a Portaria n. 620 do MTP padece de vício de inconstitucionalidade formal, porque arvorou-se sobre competência exclusiva da União, através de suas casas legislativas, conforme previsão muito clara do artigo 22, I, da Constituição Federal.

Ainda que assim não se entendesse, apenas para fomentar o debate, a Portaria nos parece também, materialmente inconstitucional. Ao trazer em seus “considerandos” uma série de direitos e garantias individuais a serem protegidos, esqueceu deliberadamente de tantos outros, como o direito dos trabalhadores “a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7. XXII da CF); direito a proteção ao meio ambiente, incluído o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII e 225 da CF) .

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar as ADI’s 6586 e 6587, fixou tese de repercussão geral, e portanto, vinculante a todos os órgão do Judiciário, que a obrigatoriedade da vacina não ofende direitos e garantias individuais, porque tais direitos devem ser sopesados com direitos sociais de toda a coletividade, especialmente no que diz respeito as medidas de combate à pandemia causada pela COVID-19. Na tese firmada pelo Supremo, resta claro que ninguém pode ser vacinado a força, mas a recusa em se vacinar pode trazer algumas limitações ou restrições àquele que se recusar ((A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes). Destaquei.

É dever do empregador proporcionar a seus empregados um meio ambiente do trabalho sadio, hígido, de maneira com que, além de outras medidas não excludentes, a vacina tem se mostrado a mais eficaz no combate a essa terrível doença. E, se o empregado comprovar que adquiriu COVID no ambiente de trabalho, o que é uma prova difícil, mas possível, esta doença será considerada doença do trabalho, com todas as conseqüências – e custos – dela decorrentes.

Então, face a esta responsabilidade, parece-me perfeitamente lícita a exigência estabelecida no sentido de obrigatoriedade dos empregados estarem vacinados. O empregador não pode obrigar o empregado a se vacinar, mas pode exigir que para trabalhar na sua empresa, esteja vacinado. Esta decisão cabe ao empregado, e é justamente o que o Supremo decidiu acerca das restrições possíveis pela decisão de não se vacinar.

Neste sentido, e não poderia ser de outra forma, algumas decisões já foram prolatadas e confirmadas em grau de recurso, validando a aplicação de justa causa a empregados que, sem justo motivo, recusam-se a tomar a vacina.

Corroborando o que ora se está a defender, alguns Tribunais Regionais, e recentemente o Tribunal Superior do Trabalho, resolveram que, para adentrar em suas sedes, o cidadão deve apresentar o passaporte de vacinação, o que dá uma grande pista de qual caminho será por eles seguido ao analisar tais situações. Já se imagina a situação do trabalhador demitido porque se recusa a tomar a vacina, ter que ajuizar ação trabalhista e não poder entrar no fórum para a sua audiência…

Somando-se a isto tudo, no início deste ano de 2021, o Ministério Público do Trabalho editou um Guia Técnico sobre a vacinação da COVID-19, que traz substancioso estudo acerca desta temática, com conclusão final de ser possível a aplicação de justa causa aos trabalhadores que, sem justo motivo, recusarem-se a vacinação.

Por tudo o que se disse, além de causar enorme transtorno e insegurança jurídica, ser  formalmente inconstitucional, a Portaria n. 620 do MTP é inconstitucional também, sob o aspecto material, não devendo produzir quaisquer efeitos.

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