Justiça do Trabalho ou Justiça do Trabalhador? A nova ordem trabalhista.

Trabalhadores subindo a escada.
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O Que realmente está por trás da Inconstitucionalidade dos artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)?

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou a ADI (ação direta de inconstitucionalidade) n. 5766, e entendeu pela inconstitucionalidade dos arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Os artigos em comento, instituídos pela Lei 13.467/2017, determinavam o pagamento de honorários sucumbenciais e periciais pelo Reclamante, ainda que beneficiário da justiça gratuita.

Com a nova decisão, em sendo beneficiário da justiça gratuita, o reclamante não arcará com os honorários sucumbenciais ou periciais ainda que totalmente improcedente a demanda.

Data vênia, a decisão vai ao encontro da nova sistemática trabalhista deturbando completamente o projeto inicial e aprovado pelo Senado e Câmara dos Deputados. Na comissão formada para avaliação e aprovação da Reforma Trabalhista tem-se claramente que a inclusão do artigo 791-A pretendia:

“(…) inibir a propositura de demandas baseadas em direitos ou fatos inexistentes. Da redução do abuso do direito de litigar advirá a garantia de maior celeridade nos casos em que efetivamente a intervenção do Judiciário se faz necessária, além da imediata redução de custos vinculados à Justiça do Trabalho”.[1]

Assim, evidente que a inconstitucionalidade dos artigos em comento retoma um velho problema da Justiça do Trabalho: o número crescente de reclamações trabalhistas infundadas e com intuito e de enriquecer-se ilicitamente.

Importante acrescer que a Reforma Trabalhista teve como intuito também, modernizar as relações de trabalho, já que a CLT remonta ao ano de 1943, período cujo contexto histórico e econômico era completamente diferente do que temos atualmente.

No Brasil, as primeiras normas de proteção ao trabalhador surgiram a partir da última década do século XIX, pós escravidão. Destarte, a CLT veio para unificar e ampliar a legislação trabalhista à época, período que adivinha de exploração exacerbada da mão de obra, e com direitos escassos.

Quando da publicação da CLT, vivíamos no país a era do Estado Novo (1937-1945) instituído por Getúlio Vargas cuja característica marcante é a intervenção do Governo na Economia. Foi nesta época que houve a promulgação da Constituição “Polaca” (1937) que alargava os poderes do Presidente e enfraquecia os partidos políticos. Foi também neste período que Getúlio fortaleceu sua relação com os trabalhadores ao dar o tom populista ao seu Governo (Vargas criou a carteira de trabalho, oficializou a jornada de trabalho com 44 horas semanais, o salário mínimo do trabalhador, entre outros).

Atualmente, as relações de trabalho se modernizaram. Temos a Constituição do Brasil de 1988 que garante aos trabalhadores direitos mínimos que não podem ser suprimidos ou reduzidos, princípios que dignificam o homem e o colocam como protagonista do Direito Brasileiro: Dignidade da Pessoa Humana, Valorização do Trabalho.

Entretanto, os valores consagrados e conquistados pelo trabalhador não podem ser deturpados, tampouco utilizados como justificativas para ocasionar o abuso do direito. Não nos olvidamos da Ordem Econômica e Financeira fundada também na livre iniciativa, na preservação da empresa, propriedade privada, livre concorrência, e demais (artigo 170 da Constituição Federal).

Não há empresa sem trabalhadores, na mesma medida em que não há trabalhadores sem a empresa. A força do trabalho se equivale à força do capital, sem abusos.

O equilíbrio das relações empregado/empregador é fundamental para garantir que o país continue a crescer, receber investimentos e fomentar a criação de novos postos de trabalho. Economia e Política estão intimamente ligados ao Direito, que deve acompanhar a evolução da sociedade.

De toda sorte, apenas para esclarecer, não há como negar (e nem queremos) a hipossuficiência do trabalhador em relação ao empregador; entretanto, as condições de trabalho mudaram, as formas e relações empregatícias se modernizaram. Quem poderia imaginar que 78 anos depois da CLT os computadores fariam parte da nossa rotina inclusive extirpando e criando novas profissões?

Assim, a hipossuficiência não deve/pode ser examinada sob o mesmo aspecto que a CLT de 1943. Se antes quase não tínhamos direitos garantidos hoje temos um rol (não taxativo) que garante o mínimo existencial.

Como contrapartida, devemos nos ater também à Função Social da Empresa. Se o trabalhador não pode abusar dos direitos conquistados e consagrados na Constituição Federal, a empresa tem como obrigação garantir a Dignidade da Pessoa Humana.

Apenas a título exemplificativo, citamos o Magazine Luiza que recentemente criou o programa para contratação de trainee negros. O programa em verdade cria novas formas de processo seletivo com meio a garantir a diversidade no ambiente de trabalho, criando oportunidade para todos.

Segundo o Ministério Público do Trabalho o programa se justifica na medida em que visa coibir: i) a falta de oportunidades de acesso ao emprego; ii) a desigualdade de remuneração e a iii) dificuldade de ascensão profissional, quando se compara à situação de pessoas brancas.

“O que os empregadores não podem fazer é criar seleções em que haja reserva de vagas ou preferência a candidatos que não integram grupos historicamente vulneráveis”, disse a coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, procuradora Adriane Reis de Araújo[2].

Portanto, há no Estado Brasileiro uma nova ordem trabalhista pautada no maior equilíbrio entre o capital e a mão de obra. As relações trabalhistas não podem ser vistas unicamente sob o ponto de vista do Princípio Protetor. A Justiça do Trabalho não deve ser interpretada como a justiça do trabalhador. A função social da empresa e a importância da ordem econômica também ganham espaço neste novo contexto que merece acolhida.

Portanto, a decisão do STF, não é apenas mais uma decisão de inconstitucionalidade, podendo representar o início do fim de uma nova ordem trabalhista (ainda em construção).  


[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961

[2] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-09/mpt-conclui-que-trainee-para-negros-e-reparacao-historica

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