O compliance como forma de mitigação de riscos e de redução dos custos de transação

Executiva trabalhando em seu Imac
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RESUMO: O presente artigo se destina à discussão e análise do compliance como forma de mitigação dos riscos da atividade empresarial e redução dos custos de transação da empresa, analisando, para tanto, o conceito de empresa existente na legislação trabalhista, além de teorias econômicas de empresa para estabelecer os limites da empresa no cenário atual e o alcance de suas responsabilidades, em especial no âmbito trabalhista.

PALAVRAS-CHAVE: Compliance. Empresa. Custos de transação. Riscos. Mitigação.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. O CONCEITO DE EMPRESA CONSTANTE DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO 3. TEORIAS ECONÔMICAS DE EMPRESA PARA ALÉM DA VISÃO CELETISTA 4. DA RESPONSABILIDADE TRABALHISTA 5. O COMPLIANCE COMO FORMA DE MITIGAÇÃO DE RISCOS E REDUÇÃO DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO 7. CONCLUSÃO

1. INTRODUÇÃO

Este artigo busca criar um debate sobre a maneira com o que o compliance pode servir para a mitigação de riscos – especialmente os de âmbito trabalhista – inerentes a atividade empresarial e, dessa maneira, reduzir os custos de transação da empresa, revertendo-se em melhores resultados à organização.

Para tanto, inicialmente será apresentado o conceito de empresa constante da Consolidação das Leis de Trabalho desde 1943, buscando esclarecer, ainda que brevemente, as razões e inspirações para a adoção da noção de empresa presente no artigo 2º do referido diploma legal.

Em seguida, será feita uma análise de teorias econômicas da empresa provenientes de outras áreas do conhecimento que não o direito para fins de delimitar a extensão do conceito de empresa, em uma realidade que já não mais comporta a rigidez conceitual celetista, em especial quando tratamos dos denominados ambientes de trabalhados “fissurados”.

Nesse sentido, serão abordadas as teorias econômicas dos i) custos de transação, de Ronaldo Coase, ii) do nexo de contratos, iii) dos direitos de propriedade, iv) do risco empresarial e a v) teoria da empresa de Asquini, sendo que esta se divide, ainda, em quatro perfis: o subjetivo, o objetivo, o funcional e o corporativo.

Em seguida, será tratada a responsabilidade trabalhista com vistas às teorias econômicas apresentadas, para, ao fim, tendo sido delineados os limites da empresa, apresentar a forma com o que o compliance pode contribuir para a mitigação de tais riscos e, também, para a redução dos custos de transação da empresa.

2. O CONCEITO DE EMPRESA CONSTANTE DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 2º[1], define como empregador a empresa que assume os riscos da atividade econômica, admite e assalaria os empregados, e que dirige a prestação pessoal dos serviços. Estão conceituadas, portanto, as definições de empregador e de empresa na visão celetista.

É dizer, é empregador a empresa. E a empresa, por seu turno, é quem organiza os fatore de produção – capital (risco, salário) e trabalho (gestão da prestação pessoal dos serviços).

Esta visão de empresa, presente na legislação desde a consolidação das leis trabalhistas – e jamais modificada – foi profundamente inspirada por todo o contexto mundial vivido naquela época, em especial pela Carta del Lavoro, documento originado do fascismo de Mussolini na Itália.

Nesse sentido, diferentemente do entendimento atual, o trabalho era visto não como um direito, mas sim como um dever social. O produto do trabalho era do Estado e, nas palavras da própria Carta del Lavoro[2], os objetivos da produção são “o bem-estar dos indivíduos e o desenvolvimento do poder nacional[3]”. As empresas, por sua vez, eram tidas como meros instrumentos a serem utilizados em prol do interesse maior da nação.

Dessa forma, no sentir de Eduardo Pragmácio Filho[4], a noção econômica de empresa adotada pela CLT é tanto rudimentar, quanto finalística:

É finalística porque condiciona a empresa como instrumento (útil e eficaz) para atender, em colaboração com as demais forças produtivas, ao interesse maior da nação. É rudimentar, pois entende a empresa apenas como organização de fatores de produção (capital e trabalho), dirigida (ou chefiada) pelo empresário empregador, dada a responsabilidade (riscos) que assume.

Ademais disso, a própria forma de organização da atividade empresarial típica à época influenciou sobremaneira as noções de trabalho até hoje presentes na CLT. A clássica empresa fordista, hierarquizada, verticalizada, com clara definição de quem é o empregador e quem são seus subordinados, com vínculos por tempo indeterminado e com um único contrato de trabalho, permanece como sendo o modelo de negócios idealizado pelas leis consolidadas.

No entanto, hoje percebemos diferentes formas de organização dos meios de produção e de trabalho, de modo que aquela estrutura preconizada pela CLT já não mais necessariamente reflete a atividade empresarial contemporânea, sendo pertinente uma análise em conjunto com diferentes áreas do conhecimento, para fins de maior compreensão do fenômeno “empresa” e, consequentemente, a delineação do alcance de suas responsabilidades.

Para tanto, abordar-se-á diferentes, porém complementares, teorias econômicas acerca da empresa, para, posteriormente, buscar a delimitação da responsabilidade e, por fim, buscar a mitigação dos riscos e redução dos custos de transação inerentes à atividade empresarial.

3. TEORIAS ECONÔMICAS DE EMPRESA PARA ALÉM DA VISÃO CELETISTA

Como visto no tópico anterior, a noção de empresa trazida pela CLT é fundamentada em ideais não mais condizentes com a realidade presente, seja quanto ao papel exercido em relação ao Estado, seja quanto as próprias formas de organização do trabalho e da atividade empresarial.

No entanto, a partir de um diálogo com outras áreas de conhecimento, é possível ampliar os horizontes para além do já ultrapassado ponto de vista celetista. Para tanto, focaremos nas teorias econômicas dos i) custos de transação de Ronald Coase, ii) do nexo de contratos, iii) dos direitos de propriedade, iv) do risco empresarial e a v) teoria da empresa de Asquini.

Nesse sentido, temos, em suma, que a teoria dos custos de transação apresentada por Ronald Coase em 1937 trouxe a ideia de que existem custos inerentes aos negócios realizados diretamente no mercado em geral, de modo que a empresa surge como ferramenta para reduzir os custos e as incertezas de uma transação, a partir de poder conferido a uma das partes sobre os termos do negócio, para organizá-lo[5].

É dizer, em razão do conhecimento que uma das partes tem acerca do negócio (como por exemplo, com quem negociar, de determinar os termos e conduzir a negociação, de redigir um contrato e garantir o seu cumprimento), a empresa percebe um acréscimo na previsibilidade e segurança em relação aos seus negócios, reduzindo, consequentemente, os seus custos de transação.

E são justamente estes custos de transação que determinam os limites da empresa. Ou seja, ou eles estão inseridos na empresa, administrados por uma autoridade e, consequentemente, menores; ou são regidos pelo mercado, sujeitos às variações de preço, oferta e demanda, e, consequentemente, maiores.

Embora revolucionária à sua época, a teoria dos custos de transação apresentava falhas, as quais buscaram ser suprimidas por teorias posteriores que, no entanto, tinham como ponto de partida a própria tese coaseana, como é o caso da teoria do nexo ou feixe de contratos.

Esta teoria, por sua vez, entende a empresa como pertencente a uma sequência de contratos, podendo existir, por conseguinte, relações contratuais fora da empresa (mercado) ou dentro da empresa, entre seus stakeholders. A teoria do nexo de contratos difere da teoria coaseana, na medida em que esta entende haver relações contratuais apenas fora do âmbito da empresa, ou seja, no mercado, a despeito das relações internas, que estariam sujeitas a uma autoridade.

Contudo, bem se sabe que a autoridade dentro da empresa não é absoluta, a exemplo das relações de emprego, onde as condições estabelecidas pela autoridade, tais como salário e funções, estão sujeitas a aceitação do empregado. Ainda, a própria relação de governança com os demais stakeholders ou a responsabilidade perante a comunidade são formas de contratos existentes na empresa.

Assim, deste entendimento de empresa como um conjunto de contratos, passou-se a visualizá-las como instituições, distanciando-se da personalização, para passar a entendê-las como verdadeira ficção jurídica, de modo a existir uma forma padrão de sua constituição, qual seja a pessoa jurídica de responsabilidade limitada, mas, a partir daí, com infinitas possibilidades de estrutura e desenvolvimento, a depender de sua própria governança e das relações contratuais estabelecidas.

Nesse sentido, lecionam Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn[6]

Vistas como um conjunto de contratos, as firmas representam arranjos institucionais desenhados de modo a coordenar (governar) as transações que concretizam as promessas definidas em conjunto pelos agentes. Assim, são considerados arranjos contratuais aqueles internos às firmas que definem as relações entre agentes especializados na produção, bem como os arranjos externos às firmas que regulam as transações entre firmas independentes, podendo ser estendidos para as transações entre o Estado e o setor privado (regulação).

Por sua vez, Oliver Hart[7], adotando os teoremas de Coase e do nexo de contratos, porém observando a impossibilidade de formulação de contratos, especialmente aqueles de longo prazo, que abrangessem todas as circunstâncias futuras possíveis, apresentou a teoria dos direitos de propriedade.

Nesse sentido, entende Hart, por exemplo, que uma das partes poderia ficar à mercê da outra em razão de eventual necessidade de aumento ou redução extraordinária da produção de determinado produto que tenha sido objeto de um contrato entabulado entre as partes.

Isso porque a parte que detêm os ativos físicos necessários para a produção deste produto contratado teria o poder de cobrar valor superior ao inicialmente estabelecido para pôr em prática tal produção extraordinária, ou, ainda, exigir pagamento de multa pela necessidade de redução da produção.

Por outro lado, a parte contratante não teria o poder de ir à fábrica exigir o aumento ou a redução na produção. Teria, por sua vez, que se sujeitar às exigências da proprietária dos ativos físicos ou procurar no mercado um novo fornecedor, atraindo para si novos custos de transação.

De outra sorte, se a empresa contratante adquirisse a empresa proprietária dos ativos físicos, aquela passaria a ser a nova proprietária destes, tendo total fruição sobre os bens, podendo aumentar ou reduzir a produção conforme seu critério de necessidade.

Para Hart, portanto, os limites da empresa – e aqui já delineando também a sua responsabilidade – são justamente os limites dos direitos de propriedade sobre seus ativos físicos, ou, em última análise, sobre os seus ativos não humanos.

Como bem define Eduardo Pragmácio Filho:

Os limites (boundaries) da empresa como sendo os limites dos direitos de propriedade é uma noção importante para o direito do trabalho brasileiro, para dar os contornos da responsabilidade da empresa empregadora e, assim, poder rastreá-la. Onde houve o poder de dar acesso aos ativos não humanos há empresa e, ademais, responsabilidade.

Avançando ainda mais no elastecimento do conceito de empresa e de suas responsabilidades, surge a teoria do risco empresarial, cujo objetivo é posicionar a empresa como parte integrante de um todo maior, qual seja, a sociedade.

Destarte, tem-se que a atividade empresarial gera riscos de todas as naturezas e proporções, mas, conforme esclarece Rachel Sztajn[8], podem ser divididos em duas categorias: risco econômico e risco jurídico, sendo o primeiro relacionado ao próprio resultado financeiro da empresa e o segundo, mais amplo, relacionado à atividade empresarial, incluindo-se, aqui, responsabilidade civil, trabalhista ou ambiental, por exemplo.

Ainda em relação ao risco da atividade empresarial, sustenta Eduardo Pragmácio Filho[9]

A atividade empresarial gera riscos a terceiros. Aliás, a empresa absorve, controla e espalha riscos econômicos e sociais. E esses riscos e a forma como se imputa responsabilidade sobre eles condicionam a produção.

No entanto, é a própria empresa geradora de riscos quem tem mais condições de administrá-los, seja transferindo-os aos consumidores através do preço de seus produtos ou tratando-os por meio da prevenção e da mitigação, com uma atividade empresarial eficiente e organizada.

Portanto, em linha ao defendido por Eduardo Pragmácio Filho, as empresas avaliam os riscos e operacionalizam suas atividades levando-os em consideração, quer minimizando-os, quer protegendo-se por meio de seguros ou os transferindo aos consumidores.

Daí que, ante a possibilidade de sua precificação, o risco empresarial deve ser considerado em sua integralidade (econômico e jurídico) para mais adequada compreensão do alcance e limites da responsabilidade da empresa.

No tocante à responsabilidade trabalhista, defende Eduardo Pragmácio Filho:

O direito do trabalho, portanto, deve considerar essa noção de risco empresarial para repensar a responsabilidade trabalhista, sobretudo para estender uma responsabilidade organizacional até onde houver efetivamente o risco empresarial, até onde houver o poder de organização dos meios de produção.

 Por fim, a teoria da empresa de Asquini, de certo modo, engloba todas as teorias anteriormente expostas, na medida em que defende que uma empresa é um fenômeno multifacetado, poliédrico, detentor de diferentes perfis, os quais deverão receber o enfoque adequado conforme o aspecto econômico que estiver em questão.

A saber, os perfis aos quais se refere Asquini são: o subjetivo, o objetivo, o funcional e o corporativo, que serão brevemente explanados a seguir:

O perfil subjetivo é relacionado com a própria figura do empresário, que, em última análise, é quem toca a empresa, exercendo a atividade econômica de maneira organizada, com a finalidade de produzir e trocar bens ou serviços.

Para o direito do trabalho, o perfil subjetivo torna-se relevante uma vez que a legislação trabalhista brasileira apenas reconhece o caráter pessoal da prestação dos serviços em relação ao empregado. Assim, a partir deste perfil é possível identificar quem “será a contraparte do contrato de trabalho”[10], o que é especialmente relevante quanto ao “fenômeno da sucessão trabalhista, caracterizando-a como a sucessão, a troca de um titular (empresário) da empresa por outro”[11].

O perfil objetivo é atinente ao próprio patrimônio da empresa, desde o complexo de bens até o complexo de relações jurídicas. Aqui, entende-se por complexo de bens todo o conjunto organizado pelo empresário para o exercício da atividade empresarial, desde o estabelecimento comercial da empresa até os bens imateriais, como nome e marca.

Por sua vez, o complexo de relações jurídicas se assemelha à ideia do nexo de contratos anteriormente vista, posto que é levado em consideração a universalidade de relações existentes dentro e fora da empresa, como contratos de trabalho, de venda ou financiamentos bancários.

O perfil funcional traduz-se no núcleo duro da empresa[12], determinando o seu ramo de atuação, bem como a forma em que se dará o exercício profissional, organizado e planejado da atividade ao longo do tempo.

Finalmente, o perfil corporativo pode ser entendido com a institucionalização da empresa, ou seja, a organização de pessoas, dirigidas pelo empresário, em busca de um objetivo comum. Aqui há uma relação de interdependência entre o empresário e os trabalhadores, na medida em que aquele depende destes para a consecução dos objetivos empresariais e, em contrapartida, estes dependem daquele para terem uma atividade empresarial organizada, de modo a possibilitar a produção de bens e serviços.

4. DA RESPONSABILIDADE TRABALHISTA

Como visto, a definição de empresa pode ser muito mais complexa e ampla daquela constante da CLT, de modo que a imputação de responsabilidade – notadamente a responsabilidade trabalhista – tende a ganhar novos rumos com as mais diversas formas de organização dos meios de produção hoje existentes.

A compreensão mais ampla do conceito de empresa permite um melhor enquadramento da responsabilidade das organizações, para que, assim, possam atuar de forma a mitigar os riscos decorrentes da atividade empresarial, em especial na seara trabalhista, foco deste artigo.

Evidente, pois, que em uma relação de emprego típica, constituída por um contrato bilateral, no qual uma das partes gerencia a prestação pessoal dos serviços e assume os riscos do empreendimento, enquanto a outra fornece a sua mão de obra mediante contraprestação pecuniária, é de fácil, quase que imediata, identificação da figura do empregador, ou melhor, do responsável pelas obrigações trabalhistas.

A dificuldade, no entanto, está na identificação desta responsabilidade nos chamados ambientes de trabalho “fissurados”[13]. O que se observa, na prática, é, de um lado, o desconhecimento por parte do empresário acerca de sua responsabilidade em determinadas formas de organização do trabalho e, de outro, um excesso na imputação de responsabilidade pelo Poder Judiciário.

Um exemplo de ambiente de trabalho fissurado é a terceirização, que embora tenha previsão legal, com todos os requisitos para a sua validade positivados, ainda é motivo de seguidas condenações de empresas pela utilização equivocada deste instrumento.

No entanto, podemos citar, dentre outras, uma forma de organização dos meios de produção em que os alcances da responsabilidade não são claros, qual seja as cadeias de abastecimento, onde uma empresa principal transfere a sua produção para empresas menores, normalmente dedicadas exclusivamente à produção de produtos da empresa principal e localizadas em locais com baixa regulação ou fiscalização do ambiente de trabalho.

Neste caso, é possível vislumbrar a presença de todos os aspectos das teorias econômicas de empresa apresentadas neste artigo, senão vejamos: i) a teoria coaseana dos custos de transação é evidenciada na medida em que a empresa que tem o poder de controlar toda a cadeia transfere a produção para outras empresas em localidades com pouca ou nenhuma legislação trabalhista, reduzindo, assim, os custos decorrentes da atividade empresarial; ii) o nexo de contratos decorre de uma série de contratos firmados com a empresa principal para a formação da cadeia de abastecimento, desde a produção até a venda do produto final; iii) os direitos de propriedade podem ser equiparados ao poder que a empresa principal tem de controlar a produção das demais empresas, tendo em vista que, via de regra, estas possuem como cliente tão somente a empresa principal, em verdadeiro caso de mercado monopsônico[14]; iv) o risco empresarial é consequência da própria atividade empresarial. Contudo, este é exacerbado com a delegação da produção a terceiros, bem como com a transferência da produção para locais com legislação débil, o que pode representar grave risco reputacional, como o desrespeito às normas relacionadas à dignidade da pessoa humana, por exemplo; e, por fim, v) a teoria da empresa de Asquini está representada tanto pelo seu perfil objetivo, em especial em relação ao complexo de relações jurídicas, quanto pelo perfil funcional, que é a própria atividade da empresa. É dizer, para os consumidores (ou até mesmo para os empregados), o produto consumido é da empresa principal, e não daquela que efetivamente o produziu, pois esta o fez sob os estritos padrões e condições estabelecidos por aquela, de modo que não há como separar as atividades de uma às da outra.

Não há dúvidas, portanto, que sob o enfoque das diversas teorias econômicas de empresa apresentadas, não se pode desconsiderar a responsabilidade trabalhista, ou pelo menos o risco de sua imputação, para situações além das previstas na legislação laboral pátria.

Mesmo porque a Justiça do Trabalho não representa a única fonte de risco de implicação de tal responsabilização. Nessa lógica, o risco de dano à imagem da empresa por ofensas à dignidade do trabalhador em toda a cadeia produtiva tão ou mais relevante para o sucesso da atividade empresarial, sendo imperiosa uma preocupação absoluta com uma atuação preventiva, servindo o compliance como ferramenta para a mitigação destes riscos.

5. O COMPLIANCE COMO FORMA DE MITIGAÇÃO DE RISCOS E REDUÇÃO DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

Considerando o discorrido neste estudo acerca das teorias econômicas da empresa, bem como do alcance de sua responsabilidade, e consequentemente, dos riscos relacionados à atividade empresarial, faz-se necessária a adoção de medidas que visem reduzir a possibilidade de danos, sejam eles em decorrência de condenações judiciais, multas administrativas ou danos reputacionais.

Nesse sentido, as empresas empregadoras enfrentam riscos óbvios relacionados à sua atividade empresarial, como por exemplo o descumprimento de uma ou mais normas constantes de todo o arcabouço normativo trabalhista existente, que inclui a Constituição Federal, normas infraconstitucionais, convenções e acordos coletivos de trabalho, os próprios contratos de trabalho, além de normas internacionais.

Dessa forma, quando tratamos do âmbito trabalhista, o espectro de risco relacionado ao descumprimento da legislação ou normas trabalhistas é consideravelmente amplo. Assim, a adoção de um programa de compliance efetivo mostra-se fundamental para a saúde da organização.

No âmbito trabalhista, o compliance pode ser definido como um:

(…) modelo de gestão fulcrado na adoção de medidas para prevenir incidentes e até acidentes no ambiente laboral, por meio da aplicação de um Código de Conduta Ética interno, visando ao respeito às normas constitucionais e infraconstitucionais trabalhistas vigentes.[15]

A seu turno, Jaíne Gouveia Pereira França cita exemplos de medidas compliance com vistas à redução da exposição ao risco:

(…) para evitar a responsabilização das empresas no âmbito judicial é fundamental a adoção do programa de compliance, utilizando-se as técnicas de prévia avaliação de riscos; levantamento do quadro de funcionários; observação de quais normas trabalhistas a empresa deve seguir e posteriormente aplicando o código de conduta a ser seguido pelos funcionários; adequando às normas à prática dos trabalhadores; implantando um canal de denúncias; nomeando um responsável para resolver o conflito interno dos empregados e fiscalizando a adesão detodos às medidas determinadas pela empresa.[16]

Nesse sentido, em pesquisada realizada e apresentado por Armando Castelar, verifica-se que a maioria absoluta das empresas já foram partes em processos judiciais, sendo que o maior número se refere justamente a ações trabalhistas em que figuram como rés.[17]

No entanto, além dos riscos decorrentes da própria atividade, que podem ser mitigados pela atuação da empresa, existem os riscos que surgem da interação com terceiros, tal qual ocorre com a terceirização ou as cadeias de abastecimento.

Neste ponto, importante atentar-se, também, ao compliance contratual, ou seja, a regularidade da relação estabelecida por meios de contratos. Nesse interim, relembra-se a teoria do nexo de contratos, em que a empresa é parte integrante do conjunto de contratos pelo qual ela se relaciona com terceiros, empregados, acionistas, consumidores e comunidade, representando todas estas relações diferentes riscos à organização.

Ainda em relação ao compliance contratual, destaca-se aos contratos incompletos. Aqui, um código de conduta e uma cultura empresarial adequada, servirá como verdadeira diretriz para tratamento de um risco ou em evento que quando da celebração daquele contrato, era impossível a sua previsão.

Já em relação aos terceiros, para fins de mitigação dos riscos relacionados, importantíssima a realização do chamado due diligence, com o mapeamento dos riscos decorrentes daquela relação estabelecida com o terceiro. Por óbvio, não há como estabelecer de antemão quais serão os riscos envolvidos, pois isso dependerá da atividade econômica, tanto da empresa, quanto dos terceiros.

Relevante, nesta seara, a obtenção de informações básicas dos terceiros, tais como quem são os sócios, diretores e conselheiros; o capital social; a existência de processos judiciais, principalmente quando a matéria discutida pode representar um risco reputacional, a própria existência de um programa de compliance e de um código de conduta.[18]

Para aprofundar ainda mais a busca reputacional é possível a contratação de auditorias, pesquisas, questionários reputacionais, certificação e de banco de dados e até a utilização de ferramentas de busca na internet, para a localização de notícias que envolvam a empresa em situações como fraudes, violação dos direitos humanos, trabalho em condições análogas à escravidão[19], entre outros.

Todas essas medidas visam a redução da exposição ao risco de responsabilização pelo descumprimento de determinada norma trabalhista, mas também, em casos mais extremos, de um abalo na reputação da empresa que possa por em xeque a sua atividade.

Portanto, é de extrema importância que exista na organização a autorregulação de situações de risco potencial – em especial quando a legislação é silente em relação – para que, por meio do compliance, a empresa tenha e demonstre ao seus stakeholders uma conduta proativa na garantia dos direitos fundamentais trabalhistas e da pessoa humana.

  Não há dúvidas, pois, que com um programa de compliance devidamente implementado, com a realização de due diligence que de fato identifique e trate os riscos, a empresa ganhará em reputação, na habilidade de atrair e manter talentos, no conhecimento de sua cadeia de produção e fornecedores, em redução dos riscos operacionais, e significativa redução de litígios.

Assim, sendo os custos de transação relacionados busca, negociação e cumprimento do contrato, todos os ganhos acima citados – mas não exclusivamente – representam queda nos custos, na medida em que o risco e o custo de capital são reduzidos e a lealdade do consumidor é aprimorada, fazendo com que a empresa tenha que ir menos vezes ao mercado para realizar negócios.

7. CONCLUSÃO

Buscou-se com este artigo demonstrar a importância do compliance como instrumento de redução dos riscos da atividade empresarial, por meio de uma atuação voltada a identificação e tratamento dos riscos dentro do alcance da responsabilidade da empresa.

Nessa linha, restou evidente, por meios das teorias econômicas de empresa apresentadas, que a extensão dos riscos e, consequentemente, da responsabilidade não está adstrita à noção de empresa presente na CLT, principalmente quando estamos diante de um ambiente de trabalho fissurado.

Portanto, cabe às empresas adotarem uma conduta propositiva no sentido de garantir o fiel cumprimento de todo o arcabouço normativo trabalhista por elas próprias e por todas aquelas que se relacionarem, mitigando, dessa forma, os riscos inerentes à atividade empresarial e reduzindo os seus custos de transação.

REFERÊNCIAS

____. Lei n 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no5.452, de 1ode maio de 1943, e as Leis nos6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 14 jul. 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em 30/07/2021.

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[1] Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

[2] Carta del Lavoro. Gazzetta Ufficiale del Regno D’Italia. Disponível em: <https://www.gazzettaufficiale.it/eli/gu/1927/04/28/98/sg/pdf>. Acesso em: 01/08/2021.

[3] Do original: Il complesso dela produzione è unitario dal punto di vista nazionale; i suoi obiettivi sono unitari e si riassumono nel benessere dei singoli e nello sviluppo della potenzza nazionale.

[4] PRAGMÁCIO FILHO, Eduardo. Teoria da Empresa para o direito do trabalho brasileiro. São Paulo: LTr, 2018. Pág. 39.

[5] PRAGMÁCIO FILHO, Eduardo. Teoria da Empresa para o direito do trabalho brasileiro. São Paulo: LTr, 2018. Pág. 50.

[6] ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Economia dos contratos: a natureza contratual das firmas. In: Direito & economia: análise econômica do direito e das organizações. 6ª. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. Pág. 101.

[7] HART, Oliver. An Economist’s Perspective on the Theory of the Firm. Columbia Law Review, vol. 89, no. 7, 1989, pp. 1757–1774. Disponível em: www.jstor.org/stable/1122818. Acesso em: 04 de agosto de 2021.

[8] SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. Pág. 163.

[9] PRAGMÁCIO FILHO, Eduardo. Teoria da Empresa para o direito do trabalho brasileiro. São Paulo: LTr, 2018. Pág. 60.

[10] PRAGMÁCIO FILHO, Eduardo. Teoria da Empresa para o direito do trabalho brasileiro. São Paulo: LTr, 2018. Pág. 70.

[11] Ibidem.

[12] PRAGMÁCIO FILHO, Eduardo. Teoria da Empresa para o direito do trabalho brasileiro. São Paulo: LTr, 2018. Pág. 75.

[13] Eduardo Pragmácio Filho, citando David Weil e sua obra The fissured workplace descreve o ambiente de trabalho fissurado como sendo aquele em que “a relação clara, bilateral, bem definida de empregador e empregado está fissurada, rachada. As tarefas básicas de uma relação de emprego, como contratar, avaliar, remunerar, fiscalizar, dirigir, agora são resultado de múltiplas organizações.

[14] Estrutura de mercado caracterizada por haver um único comprador para o produto de vários vendedores. Dessa forma, os diversos vendedores ficam sujeito às condições de um único comprador, podendo ser visto como o polo oposto do monopólio. No caso das cadeias de abastecimento, como as empresas que produzem os produtos dependem exclusivamente de uma empresa principal, esta tem o poder de determinar preços, estabelecer metas e condições, além de exigir o aumento ou redução da produção.

[15] ZAINAGHI, Domingos Sávio. Aspectos gerais do compliance trabalhista. pág. 71. In: Martins, Sérgio Pinto, coordenador. Compliance no direito trabalhista. São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2020. – (Coleção compliance ; vol. 6).

[16] FRANÇA, Jaíne Gouveia Pereira; Ocompliance trabalhista comoferramenta para evitar ações judiciais.In: Revice–Revista de Ciências do Estado, Belo Horizonte, v.3, n.1, p. 147-169, jan./jul.2018.

[17] CASTELAR, Armando, org. Judiciário e economia no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. Pág. 45.

[18] CUNHA, Liana Irani Affonso. Interação com terceiros e due diligence. Pág. 301. In: NOHARA, Irene Patrícia e PEREIRA, Flávio Leão Bastos, coordenação. Governança, compliance e cidadania. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2019.

[19] Ibidem.

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