O teletrabalho coletivamente negociado.

Executivo trabalhando em home office

A Reforma Trabalhista introduzida a partir da Lei nº 13.467/17 alcançou as regras de direito material e de direito processual contidas na CLT. Muitas foram as alterações implementadas, várias delas ensejando polêmicas que ainda estão a inquietar os operadores do direito. A doutrina construída a partir daí é diversificada e a jurisprudência ainda está em formação. 

                        Inserida nesse contexto ainda em construção, a pandemia do coronavírus (causadora da doença Covid-19) surpreendeu a todos, trazendo novos e muitos impactos na sociedade, na economia e no direito.

                        A partir daí, um dos temas que mais passou a ocupar a ordem do dia no mundo do trabalho foi, sem dúvida, o teletrabalho, em que a prestação de serviços ocorre “preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo” (art. 75-B da CLT).

                        O instituto em questão possui um regramento legal extremamente tímido, sendo que na CLT há apenas sete dispositivos que tratam, de forma específica, a seu respeito (artigos 62, III, 75-A a 75-E e 611-A, VIII).

                        Considerando, prioritariamente, as disposições do artigo 611-A da CLT, que estabelece a prevalência da negociação coletiva sobre a lei, especialmente o seu inciso VIII, o qual aborda o teletrabalho, é possível identificar que o espaço de atuação dos entes sindicais revela-se ampliado, o que é vital para uma boa e adequada regulamentação. Por certo, a regra contida no parágrafo único do art. 611-B, discrepante das melhores interpretações sobre o alcance das negociações coletivas, há de ser deixada de lado, para que a participação em comento seja eficaz e resguarde a saúde dos teletrabalhadores.

                        Não há dúvidas de que o teletrabalho é modalidade de labor que permanecerá sendo utilizada, ainda mais no contexto em que o número de mortes pela Covid-19 soma cerca de 375 mil pessoas[1], mostrando-se essenciais  o distanciamento físico e as políticas de isolamento.

                        E, diante da escassez legislativa (e, ainda, relembre-se da já caducada MP nº 927/20), ajustes individuais e, sobretudo, coletivos, passam a cumprir a função de complementar e explicitar as normas regentes, de forma a assegurar maior segurança às relações entre empregados e empregadores.  Neste sentido, recentes notícias revelam que a pandemia da Covid-19 fomentou consideravelmente as negociações coletivas.[2]

                        O número de especificidades a serem trazidas em normas coletivas é enorme, por isso passa-se, sem qualquer pretensão exaustiva, a sugerir alguns assuntos a serem nelas inseridos.

a) Atividades laborais a serem desempenhadas

                         O trabalhador que atuava de forma presencial e que foi posto no teletrabalho deve, por óbvio, exercer as mesmas atividades que antes desempenhava. Qualquer alteração laboral que exija maior capacitação do tele-empregado pode, a depender, representar pedidos de diferenças salariais em âmbito judicial.

                        Releva-se essencial, pois, que uma cláusula normativa fixe a identidade de tarefas presenciais e telepresenciais, com vistas a prevenir eventuais ações judiciais.

b) Local de prestação do teletrabalho

                        No teletrabalho, em tese, pouco importa para o empregador onde o empregado esteja prestando seus serviços. No entanto, essa definição mostra-se importante naquelas situações em que o empregador solicita o comparecimento do empregado às dependências patronais (realização de reunião, de eventos, etc.).

                        Em tais casos, quem arcará com os custos do deslocamento do empregado entre a sua residência, por exemplo, e a sede da empregadora? E se o empregado residir em outro Estado ou, ainda, em outro país?

                        Tais questionamentos evidenciam a importância da definição ora proposta, o que pode ser perfeitamente manejado via normas coletivas.

c) Despesas com infraestruturas e equipamentos necessários ao telelabor

                        É bem verdade que o artigo 75-D da CLT relega a contrato individual escrito as “disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, (…)”. Por outro lado, o dispositivo não veda a realização de tais ajustes via acordo ou convenção coletivas.  

                        Basta rememorar que o Banco Bradesco, em um dos primeiros ACTs sobre a temática em exame[3], fixou cláusula a respeito da ajuda de custo ao teletrabalhador, em caso de não fornecimento de cadeira apropriada ao trabalho:    

CLÁUSULA 4ª– DA AJUDA DE CUSTO. O banco concederá uma ajuda de custo em dinheiro, mediante pagamento direto ou reembolso, no valor mínimo de R$ 1.080,00 (um mil e oitenta reais) pago de uma única vez, no primeiro ano, no prazo de até 60 dias a contar da formalização do teletrabalho, se não conceder em comodato a cadeira e, no valor de R$ 960,00 (novecentos e sessenta reais) no ano subsequente, que poderá ser pago de uma só vez ou parcelado em até 12 (doze) vezes, a critério do banco.

Parágrafo primeiro – Caso conceda em comodato a cadeira, a ajuda de custo será no valor de R$ 960,00 (novecentos e sessenta reais), no primeiro ano e no subsequente, que poderá ser pago de uma só vez ou parcelado em até 12 (doze) vezes, a critério do banco.

Parágrafo segundo – A ajuda de custo prevista no caput e no parágrafo primeiro não integrará a remuneração do empregado.

Parágrafo terceiro – A ajuda de custo prevista nesta Cláusula será devida exclusivamente para o empregado em regime de teletrabalho em mais de 50% (cinquenta por cento) da duração do trabalho mensal.

Parágrafo quarto – A cadeira para utilização no exercício das atividades deverá ter as características recomendadas pela NR17, independentemente da responsabilidade pela aquisição. O empregado é responsável pela sua guarda, conservação e, no caso de concessão em comodato, devolução.

                        Considerando que o ônus do empreendimento é do empregador (princípio da alteridade – artigo 2º da CLT), a medida acima sugerida tem o condão de imprimir segurança e clareza às partes da relação de trabalho.

d) Desconexão e privacidade                          

                   Partindo do pressuposto de que ao teletrabalhador não é destinado o Capítulo celetista que trata a respeito da duração do trabalho, em face do que dispõe o art. 62, III, do mesmo normativo, surge a sensação (falaciosa, adianta-se) de que o teletrabalhador pode trabalhar quando e onde quiser, além de não se ter nenhum “limite” à jornada do empregado que se ativa nessa modalidade laboral.

                        A desconexão, nos dias destinados aos repousos e feriados, é medida que se impõe – e não há qualquer restrição a tal respeito. Mesmo durante a jornada, aliás, devem ser respeitados os intervalos legais, além daqueles  interjornadas e, sobretudo,  como medida de saúde e segurança, deve ser observado um limite saudável quanto à duração da jornada.

                        Do mesmo modo, o respeito à privacidade do teletrabalhador deve ser garantido. Tornaram-se habituais as incontáveis reuniões por videoconferência, em que se expõem as intimidades dos lares (em caso de home office, por exemplo) dos empregados – seja fisicamente, seja em razão da “organização” familiar de cada um.

                        A depender do grau de “invasão” da intimidade, surge a possibilidade de pleitos indenizatórios por danos morais.

                        A par, então, dessas inovações na forma de prestar o serviço, a criatividade dos entes coletivos pode ser utilizada para bem definir regras de convivência mais humanas, além de conferir importante carga de segurança jurídica às relações individuais de trabalho.

e) Saúde e segurança no trabalho

                        A implementação açodada do teletrabalho desafiou o mundo do trabalho e, por certo, acarretou mudanças significativas na sua forma de execução. Para além de questões físicas, o labor ocorrido longe das dependências do empregador pode provocar doenças mentais.

                        No contexto telelaboral ganham destaque os ajustes às regras ergonômicas, a fim de que os empregados não sejam atingidos com dores nas costas, mãos, braços e ombros, por exemplo.

                        Igualmente, a saúde mental também deve ser priorizada. O labor solitário tem acarretado a síndrome de Burnout e a depressão em muitos trabalhadores, as quais podem ser atribuídas ao isolamento do profissional da convivência com os colegas nas relações de trabalho e emprego, como por exemplo.[4]

                        Por certo que o texto do artigo 75-E da CLT impôs ao empregador  o dever de “instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”.

                        Estudos mais robustos e, acima de tudo, que levem em conta as peculiaridades das categorias profissionais, podem ter um impacto de altíssima relevância na manutenção do bem-estar físico e psíquico dos teletrabalhadores – e este papel de vanguarda compete aos entes sindicais.

                        Embora embrionárias e sucintas, as sugestões acima têm a pretensão de evidenciar o quão importante deve ser a atuação sindical em matéria de teletrabalho. São os sindicatos, as confederações e as federações que mais entendem das singularidades de cada categoria representada.                          E a insuficiência legislativa sobre o labor a distância torna os instrumentos normativos (ACT e CCT) grandes aliados dessa modalidade de labor que não retroagirá, evidenciando o protagonismo e a criatividade do sistema sindical como um todo.

Para ler outros artigos dos mesmos autores sobre Assédio moral por competência e o teletrabalho na pandemia ou Fiscalização do ambiente laboral do teletrabalhador clique nos links.


[1]https://covid.saude.gov.br/. Acesso em 21 abr 2021.

[2] Levantamento do Dieese mostra que a pandemia da covid-19 fez sindicatos de empresas e de trabalhadores sentarem à mesa para negociar regras para o teletrabalho. Dos 20.038 acordos ou convenções coletivas firmados em 2020, 2.738 (13,7%) trataram do assunto. Um salto em comparação ao ano anterior. Em 2019, o home office estava previsto em 284 negociações (1,2%), segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Disponível em https://lopescastelo.adv.br/regras-para-home-office-estao-em-13-dos-acordos-coletivos-firmados-em-2020- acesso em 21 abr 2021.

[3] https://spbancarios.com.br/sites/default/files/arquivo_destaque/act_teletrabalho_bradesco.docx.pdf

[4]http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20191204163935.pdf

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