Entrevista com Dr. Ronald Sharp Jr., coautor do livro “Jurisprudência Administrativa da Fiscalização do Trabalho”

Imagem de uma câmera de monitoramento

Editora Mizuno: Qual é objetivo do livro e para quem ele é destinado?

 Dr. Ronald Sharp Júnior:

– Antes de mais nada, é um prazer dar esta entrevista e poder me comunicar com os leitores também por mais um canal. O livro é destinado a quem opera na defesa e a interposição de recursos administrativos oriundos de autos de infração lavrados pela Fiscalização do Trabalho. Abrange advogados, contadores, administradores de empresas, e também Órgãos Públicos e Instituições, como Procuradores do Trabalho, Magistrados trabalhistas, Advogados da União e Procuradores da Fazenda Nacional, que em suas atribuições e competências lidam com questões relacionadas às autuações fiscais trabalhistas.

É igualmente recomendado aos Auditores Fiscais do Trabalho, quer atuem ações fiscalizadoras, quer em análises dos processos no contencioso administrativo, principalmente diante da ausência de uma iniciativa oficial de organização sistematizada da jurisprudência administrativa.

Editora Mizuno: Quais as áreas do Direito em que a obra se enquadra?

Dr. Ronald Sharp Júnior:

– A matéria versada no livro é de Direito Administrativo Sancionador do Trabalho. Apresenta cunho transversal e que perpassa pelo Direito Administrativo, Direito do Trabalho, pelo Direito Processual. O pano de fundo são as questões de Direito do Trabalho, base a partir da qual emergem interessantes aspectos de Direito Administrativo, notadamente o Poder de Polícia e o processo administrativo de caráter punitivo.

Editora Mizuno: Quais os pontos mais importantes da obra?

Dr. Ronald Sharp Júnior:

– Sem dúvida, o ponto mais importante é a compreensão de que o processo administrativo do trabalho não tem natureza tributária nem a ele se aplicam princípios ou regras atinentes ao Direito Tributário. A obra trata, sob a forma de enunciados extraídos das decisões administrativas, das infrações apuradas e das penalidades impostas pelo Poder de Polícia Laboral. Veja-se que, conforme o artigo 3º do CTN, tributo é toda prestação pecuniária compulsória não decorrente do exercício do Poder de Polícia da Administração Pública.

Outro ponto de destaque é o lugar que o livro ocupa no preenchimento da enorme lacuna existente na regulamentação legal, já que a CLT dedica ao tema pouquíssimos artigos (626 a 642), os quais são complementados por extensa legislação infralegal, Notas Técnicas e precedentes administrativos, todos encontrados de maneira dispersa. A obra se propõe justamente lhes conferir organização e sistematização com base em tópicos.

Editora Mizuno: O que seu livro diferencia de outras obras do mercado com tema semelhante?

Dr. Ronald Sharp Júnior:

– Não existem obras semelhantes e daí o seu aspecto diferencial: organização estruturada em enunciados. Há livros que se propõem a abordar o processo administrativo do trabalho (eu mesmo sou coautor de um, lançado em 2007) sob o enfoque de curso ou manual ou mesmo com o objetivo de enfrentar pontos específicos. Mas livro Jurisprudência Administrativa da Fiscalização do Trabalho Organizada sob a Forma de Enunciados é único do gênero.

Editora Mizuno: Há alguns dias saíram as decisões judiciais que não flexibilizaram a obrigatoriedade de contratação de aprendizes pelas empresas em tempos de pandemia. Esse tema é amplamente debatido no livro. Poderia comentar um pouco esse contexto, por favor?

Dr. Ronald Sharp Júnior:

– O paradigma da inclusão social tem como princípios ou fundamentos: a celebração das diferenças, a preparação para o mercado de trabalho, o direito de aprender e de pertencer, a solidariedade humanitária, a igual importância das minorais, a cidadania com qualidade de vida, a autonomia, a independência, o empoderamento, a equiparação de oportunidades, o modelo social de busca pela emancipação.

De há muito já se construiu, no plano da doutrina, a ideia de eficácia horizontal dos direitos humanos, que exige a efetiva participação da sociedade na inclusão de todos. O que já foi, em tempos idos, obrigação apenas do Estado, exigível verticalmente, agora é dever do tecido social. Esta obrigação significa implementar o preparo técnico dos jovens para o mercado do trabalho, para dar cumprimento à importante política de ações afirmativas, que revela cumprimento das promessas constitucionais fundamentais.

As normas de ordem pública e de conteúdo indisponível pelas quais o Estado implementa políticas públicas de inclusão e combate às diferenças não comportam flexibilização, seja pela por dificuldades empresariais, seja pela autonomia de vontade coletiva (convenção coletiva ou acordo coletivo) e assumem verdadeiro protagonismo nestes períodos de agudização social que clamam pela responsabilidade social corporativa.

Editora Mizuno: Quais dificuldades foram impostas pela pandemia, no que tange às últimas decisões citadas no livro? Seria muito diferente em um contexto de normalidade?

Dr. Ronald Sharp Júnior:

– A Pandemia do Covid-19 impôs redução da atividade econômica para alguns setores e proporcionou ganhos extras para outros, em função das novas oportunidades criadas. Independentemente dos impactos gerados, o momento é de fortalecimento social, e não de distensão ou relaxamento, ainda que signifique certa dose de sacrifício para as empresas.

 As últimas decisões noticiadas vão na contramão desse raciocínio e, baseadas em argumentação do tipo ad terrorem de extinção das empresas, à míngua de sólida comprovação da impossibilidade de atendimento da quota de aprendizes, deixam de proporcionar o amparo e a solidariedade necessários aos grupos menos favorecidos.

Editora Mizuno: Quais as perspectivas para o futuro quanto aos principais temas debatidos no livro? A tendência é uma estabilização das decisões ou muita coisa pode mudar ainda?

Dr. Ronald Sharp Júnior:

– A tendência é clara no sentido da estabilização, à medida em que a matéria condensada nos enunciados for cada vez mais difundida e aplicada. A obra contribui para evitar decisões conflitantes que geram insegurança jurídica e comprometem o tratamento isonômico que deve ser dispensado aos administrados.  Como o Decreto nº 10.139/2019 limita as espécies de atos administrativos que podem veicular entendimentos gerais de caráter normativo a serem seguidos pela fiscalização, isto também importa estabilização das decisões dentro do quadro legal já existente.

Editora Mizuno: Por que decidiram organizar a obra em forma de enunciados administrativos? Qual o ganho didático que isso traz à obra?

Dr. Ronald Sharp Júnior:

– As decisões administrativas no campo trabalhista estão dispersas e sem um repositório oficial para consulta e utilização em defesas e análises. O livro representa a divulgação do conteúdo dessas decisões, para sua ampla divulgação, ao mesmo tempo em que, didaticamente, divide a temática em tópicos que facilitam a imediata busca pelo interessado.

Editora Mizuno: Em sua opinião, por que poucas decisões do espectro trabalhista aceitam argumentação sobre dificuldades na pandemia? Esse cenário é aceitável mesmo diante da óbvia influência do Coronavírus na sociedade como um todo?

Dr. Ronald Sharp Júnior:

– Os trabalhadores e consumidores, para falar sobre aqueles que estão numa relação contratual, situam-se entre os grupos de pessoas mais vulneráreis e que demandam maior nível de proteção social. Não se afigura proporcional e razoável que, em momentos de crise, justamente aqueles que são merecedores de maiores garantias e de medidas compensatórias das diferenças, acabem suportando o peso dos efeitos econômicos do Coronavirus.

A Pandemia atinge a todos, mas o tratamento igualitário acarreta o dever de tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Os princípios da livre iniciativa e da ordem econômica comportam limites dentro da própria Constituição e acarretam a observância dos parâmetros legais aplicados às atividades econômicas.

Nesse sentido, a Fiscalização do Trabalho, expressamente prevista no art. 21, inc. XXIV, da Constituição Federal, é imprescindível para a preservação das condições mínimas de higiene, segurança e respeito aos direitos dos trabalhadores, realizando assim a previsão constitucional de proteção da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. E o processo administrativo é o meio legal para atingir esse desiderato.

  • O Dr. Ronald Sharp Júnior é coautor do livro “Jurisprudência Administrativa da Fiscalização do Trabalho

*Photo by Nathy dog on Unsplash

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