INCLUSÃO DE EMPRESA DE GRUPO ECONÔMICO NA EXECUÇÃO TRABALHISTA: Reflexões à Luz do Tema 1232 do STF – (RE) 1387795

Felippe Martins Brasiliense de Souza Curia
Advogado, Mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Pós-Graduado em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade IDC/RS (2012), Pós-Graduado em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012), Advogado. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2009). E-mail: felippe.curia@gmail.com, cúria.adv@outlook.com,

Resumo: o Tema 1232 do Supremo Tribunal Federal (RE 1.387.795) discute a possibilidade de inclusão de empresa integrante de grupo econômico somente na fase de execução trabalhista, ainda que não tenha participado da fase de conhecimento. Essa prática, comum na Justiça do Trabalho, enfrenta restrições constitucionais por potencial violação ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, garantidos pelo art. 5º, incisos LIV e LV, da CRFB/88. O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 674, § 2º, III, assegura a utilização de embargos de terceiro para defesa patrimonial de empresa incluída na execução, reforçando a necessidade de contraditório efetivo. No âmbito do Tema 1232, o relator, Ministro Dias Toffoli, apresentou voto intermediário: regra geral de inclusão na fase de conhecimento e exceção em caso de abuso de personalidade, mediante incidente de desconsideração. Esse entendimento foi seguido por outros ministros, enquanto o Ministro Edson Fachin defendeu a possibilidade ampla de inclusão, desde que garantido o contraditório em embargos. A suspensão do julgamento por pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes sinaliza a busca por equilíbrio entre a efetividade da execução e a segurança jurídica. O recente precedente do TST reforça a legitimidade de embargos de terceiro como via de defesa. Assim, o tema exige cautela na instrução probatória para evitar nulidades e garantir a responsabilização correta de grupos econômicos.

Palavras-chave: Tema 1232; grupo econômico; execução trabalhista; devido processo legal; embargos de terceiro.

Abstract: Theme 1232 of the Federal Supreme Court (RE 1.387.795) discusses the possibility of including a company that is part of an economic group only in the labor enforcement phase, even if it did not participate in the knowledge phase. This practice, which is common in the Labor Courts, faces constitutional restrictions due to the potential violation of due process of law, adversarial proceedings and full defense, guaranteed by art. 5, items LIV and LV, of the Federal Constitution of 1988. The 2015 Code of Civil Procedure, in its article 674, paragraph 2, III, guarantees the use of third-party motions to defend the assets of a company included in the execution, reinforcing the need for effective adversarial proceedings. In the context of Theme 1232, the rapporteur, Justice Dias Toffoli, presented an intermediate vote: general rule of inclusion in the knowledge phase and exception in the event of abuse of personality, through an incident of disregard. This view was followed by other justices, while Justice Edson Fachin defended the broad possibility of inclusion, as long as the adversarial process is guaranteed in a motion to stay. The suspension of the trial due to a request for a rehearing by Justice Alexandre de Moraes signals the search for a balance between the effectiveness of enforcement and legal certainty. The TST’s recent precedent reinforces the legitimacy of third-party motions to stay as a defense. Thus, the issue requires caution in the evidentiary instruction to avoid nullities and guarantee the correct accountability of economic groups.

Keywords: Theme 1232; economic group; labor execution; due process of law; third-party motions.

1. Introdução

A sistemática de responsabilização de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico sempre suscitou debates no Direito do Trabalho. O Tema 1232 do STF no RE 1387795, ainda pendente de julgamento definitivo, discute a possibilidade de inclusão de empresa integrante de grupo econômico somente na fase de execução trabalhista, ainda que não tenha figurado na fase de conhecimento. Em 2023, o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão nacional de execuções que versem sobre a questão, revelando a relevância do tema para a segurança jurídica e para a coerência do devido processo legal.

2. O Direito de Defesa Individualizado e o Devido Processo Legal

A hipótese de incluir uma nova pessoa jurídica no polo passivo apenas na execução enfrenta fortes restrições constitucionais. O art. 5º, incisos LIV e LV, da CRFB/88, assegura o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa a todos os litigantes.

Admitir a responsabilização de uma empresa sem que tenha participado do contraditório na fase de conhecimento é admitir uma presunção de responsabilidade que nem sempre se ajusta à realidade fática e jurídica das empresas de um mesmo grupo. Cada sociedade pode ter atividades, contabilidade, autonomia operacional e defesas próprias, o que torna inviável presumir uma defesa única e homogênea.

3. O CPC/2015 e a Legitimidade para Defesa Autônoma

O Código de Processo Civil de 2015 disciplina, no art. 674, § 2º, III, a possibilidade de embargos de terceiro para aquele que, sem ter figurado na fase de conhecimento, é atingido por atos de constrição patrimonial na execução, como ocorre na desconsideração da personalidade jurídica.

A aplicação extensiva dessa garantia ao contexto do reconhecimento de grupo econômico foi reafirmada recentemente em importante julgado do Tribunal Superior do Trabalho (RR-Ag 1000057-38.2020.5.02.0060, Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, julgado em 27/05/2025). Nesse precedente, o TST reconheceu transcendência jurídica e deu provimento ao recurso de revista para assegurar a legitimidade ativa de empresa incluída na execução para ajuizar embargos de terceiro, sob pena de violação ao art. 5º, LV, da CF:

“A jurisprudência desta Corte segue no sentido de que o art. 674, § 2º, III, do CPC também ampara a empresa que tenha sido incluída no polo passivo em fase de execução, quando não participou do processo de conhecimento, razão pela qual, tendo a Corte a quo deixado de observar a regra do referido dispositivo da Lei adjetiva civil, restou configurada a afronta ao art. 5º, LV, da CF…”

(TST; RR-Ag 1000057-38.2020.5.02.0060; Quarta Turma; Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho; DEJT 06/06/2025)

Este precedente sinaliza um entendimento firme de que não se pode tolher o exercício da defesa individualizada de uma empresa sob o argumento genérico de identidade de interesses dentro do grupo econômico. Assim, mesmo que incluída apenas na execução, a empresa mantém o direito à via própria para contestar a constrição patrimonial.

4. A Perspectiva do STF: entre Efetividade e Segurança Jurídica

A discussão no Tema 1232 evidencia a tensão entre dois valores constitucionais relevantes: a efetividade da execução trabalhista e a preservação do contraditório e da ampla defesa. O voto do Ministro Dias Toffoli, acompanhado pelo voto-vista do Ministro Alexandre de Moraes, indicam uma leitura que prestigia o devido processo legal, alinhada com a orientação do TST no precedente acima.

O Supremo Tribunal Federal, portanto, caminha para consolidar uma jurisprudência que impede a inclusão automática de novas empresas apenas na fase executiva, sem prévia formação de título executivo judicial.

4.1. Voto do Relator — Min. Dias Toffoli

O relator, Ministro Dias Toffoli, inicialmente defendeu que a inclusão de empresa do mesmo grupo na fase executiva seria possível desde que precedida de Incidente de Desconsideração Da Personalidade Jurídica (IDPJ), com demonstração de abuso (art. 50 do CC e arts. 133‑137 CPC, 855‑A CLT).

Na sessão de 19/02/2025, Toffoli adotou versão refinada, seguindo sugestão do Ministro Cristiano Zanin, adotando posição intermediária: (i) funcionários do grupo devem participar da fase de conhecimento, para que respondam solidariedade; (ii) somente em caso de abuso da personalidade (fato superveniente), poderia haver ingresso tardio por meio de desconsideração

Toffoli foi acompanhado, nesse ajuste, por Zanin, Flávio Dino, André Mendonça e Nunes Marques

4.2. Voto Divergente — Min. Edson Fachin

O Ministro Edson Fachin apresentou voto divergente, defendendo que a inclusão de empresa integrante de grupo econômico na execução é válida ainda que não tenha participado da fase de conhecimento, desde que se respeite o contraditório oportunizado pelos embargos à execução.

4.3. Pedido de Vista — Min. Alexandre de Moraes

Após esses votos, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes, mesmo após ter acompanhado o relator e os demais favoráveis ao ajuste intermediário.

4.4. Panorama dos Votos

MinistroVoto
Dias ToffoliInclusão condicionada à desconsideração e abuso comprovado (ajustado com Zanin)
Cristiano ZaninPermitiria apenas participação na fase de conhecimento, salvo abuso superveniente
Flávio DinoAcompanhou Toffoli/Zanin
André MendonçaAcompanhou Toffoli/Zanin
Nunes MarquesAcompanhou Toffoli/Zanin
Edson FachinInclusão possível na execução, sem participação na fase de conhecimento, com defesa aprazada nos embargos
Alexandre de MoraesAcompanhou o relator, depois pediu vista para análise cuidadosa

4.5. Síntese das três posições debatidas no Tema 1232 do STF

A partir do quadro comparativo dos votos, é possível estabelecer as posições debatidas pelos Ministros do STF no Tema 1232:

  • Visão Tradicional: Mais ampla, prioriza a efetividade do crédito trabalhista, permitindo incluir qualquer empresa do grupo na execução sem ter participado do conhecimento.
  • Ajuste Intermediário: Meio-termo. Regra geral: todas as empresas devem estar na fase de conhecimento. Exceção: fato novo (fraude ou abuso) permite inclusão na execução via IDPJ, com contraditório.
  • Visão Restrita: Mais formalista. Exige participação obrigatória na fase de conhecimento; se não participou, deve haver nova ação ou incidente à parte.

4.6. Implicações Jurídicas

A composição parcial dos votos revela uma tendência clara: a maioria defensora do devido processo legal, que exige participação anterior da empresa ou, no mínimo, possibilita sua defesa por meio de desconsideração da personalidade jurídica. Contrasta com a visão de Fachin, que prioriza a efetividade da execução, desde que garantida a ampla defesa nos embargos.

A suspensão pelo pedido de vista de Moraes indica que o STF busca equilibrar efetividade do crédito trabalhista e segurança jurídica, antes de consolidar o entendimento.

4.7. Conexão com o Julgado TST sobre Embargos de Terceiro

O recente julgado do TST (RR‑Ag 1000057-38.2020.5.02.0060, 27/05/2025) já reconheceu a legitimidade de empresa incluída somente na execução para ajuizar embargos de terceiro, com base no art. 674, §2º, III, do CPC, como forma de garantir o contraditório e a ampla defesa. Isso reverbera diretamente no Tema 1232, reforçando a necessidade de respeito às garantias processuais.

5. Considerações Finais

O julgamento definitivo do Tema 1232 trará impacto direto na forma de atuação da advocacia trabalhista e na estruturação das demandas que envolvem grupo econômico. Até lá, permanece a suspensão nacional dos processos executivos com essa controvérsia.

O Tema 1232 ainda está aberto, mas o caminho traçado pelos votos revela que o STF provavelmente exigirá: (i) participação da empresa na fase de conhecimento ou (ii) instauração de IDPJ, com abuso comprovado, e respeito ao contraditório

Isso mantém a coerência com o precedente do TST e fortalece a proteção constitucional ao devido processo. Quando o julgamento for retomado, sua conclusão será decisiva para orientar a responsabilização de grupos econômicos na execução trabalhista.

Diante desse contexto, é recomendável que reclamantes identifiquem todos os potenciais corresponsáveis já na fase de conhecimento, instruindo a demanda com provas robustas de vínculo de grupo econômico, evitando nulidades futuras e prejuízos processuais.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 jun. 2025.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 18 jun. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Brasil). Pedido de vista suspende julgamento sobre inclusão de empresa do mesmo grupo em condenação trabalhista. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/pedido-de-vista-suspende-julgamento-sobre-inclusao-de-empresa-do-mesmo-grupo-em-condenacao-trabalhista/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 18 jun. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Brasil). Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n.º 1.387.795 (Tema 1232). Rel. Min. Dias Toffoli. Disponível em: https://portal.stf.jus.br. Acesso em: 18 jun. 2025.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (Brasil). Recurso de Revista com Agravo n.º 1000057-38.2020.5.02.0060. Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho. Julgado em: 27 maio 2025. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, 06 jun. 2025. Disponível em: https://tst.jus.br. Acesso em: 18 jun. 2025.

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