CSJT NÃO LEGISLA: O DIREITO DE AÇÃO (TRABALHISTA) NÃO PODE SER CERCEADO POR RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA

Felippe Martins Brasiliense de Souza Curia
Advogado, Mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2023-2025), Pós-Graduado em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade IDC/RS (2012), Pós-Graduado em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012)
E-mail: felippe.curia@gmail.com

Em maio de 2025, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) editou a Resolução nº 415, propondo uma reorganização das formas de resolução de conflitos na esfera trabalhista. Sob o manto da eficiência e da autocomposição, introduziu-se, na prática, um filtro de acesso à jurisdição que ultrapassa os limites constitucionais. Tal normativo incorre em manifesta inconstitucionalidade por violar princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como o devido processo legal, o acesso à justiça e a independência entre os Poderes.
A CRFB/88 estabelece no art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se de cláusula pétrea, imune até mesmo a emendas constitucionais, conforme o art. 60, §4º. Qualquer tentativa de obstar ou condicionar o acesso ao Judiciário por norma infralegal fere a própria essência do Estado Democrático de Direito. Alexandre de Moraes destaca que a garantia de acesso à justiça integra o núcleo essencial dos direitos fundamentais e não pode ser relativizada por atos administrativos (Moraes, 2020, p. 196).
Ademais, a Resolução nº 415/2025 do CSJT invade competência legislativa da União, fixada no art. 22, I, da CRFB/88, ao impor condicionantes processuais não previstos em lei. A exigência de etapas pré-processuais obrigatórias, como requisito para ajuizamento da ação trabalhista, representa não apenas uma violação à legalidade (art. 5º, II, CRFB/88), mas também uma afronta ao princípio da separação dos Poderes, pois confere ao órgão administrativo um poder normativo que extrapola sua função jurisdicional e administrativa.
A crítica teórica pode ser aprofundada com base na concepção de legalidade desenvolvida por Luis Fernando Barzotto. Em sua teoria, a legalidade deve ser compreendida não apenas como mera obediência formal à lei, mas como um princípio racional que fundamenta a própria legitimidade do exercício do poder estatal. A partir de uma releitura da tradição aristotélico-tomista, Barzotto compreende a lei como expressão da razão prática, devendo esta racionalidade orientar a normatividade jurídica para que a lei possa realizar a justiça e a liberdade no plano político (Barzotto, 2007, p. 223). Assim, resoluções administrativas não podem substituir o debate legislativo democrático nem criar obrigações que incidam sobre os cidadãos sem respaldo legal.
Do ponto de vista institucional, a Resolução compromete ainda as prerrogativas da advocacia, protegidas pelo art. 133 da CRFB/88 e regulamentadas pela Lei nº 8.906/94. O protagonismo da advocacia nos litígios judiciais não é uma faculdade, mas uma exigência constitucional. Ao tentar deslocar esse protagonismo em nome da consensualidade processual, o CSJT reinterpreta indevidamente o papel da Justiça do Trabalho. Lenio Streck sustenta uma crítica ao decisionismo e ao funcionalismo na hermenêutica constitucional, defendendo uma leitura comprometida com a historicidade dos direitos fundamentais. Para ele, não há como justificar reduções ou filtros à jurisdição por argumentos meramente pragmáticos, pois isso implica violar o compromisso da CRFB/88 com a dignidade humana e o devido processo legal (Streck, 2011, p. 74).
O discurso da consensualidade imposto de forma obrigatória evoca, de modo preocupante, a lógica do estado de exceção analisada por Giorgio Agamben. Para o filósofo italiano, o estado de exceção não é mera suspensão da norma, mas uma forma de sua transformação em norma. Agamben alerta que “a exceção é aquilo que se inclui no conceito por meio de sua exclusão” (Agamben, 2002, p. 47). Nesse sentido, práticas de exceção, ao se institucionalizarem sob a forma de regra, configuram mecanismos de controle social que esvaziam o sentido normativo da legalidade democrática. A imposição de filtros administrativos ao exercício do direito de ação cria uma zona de indeterminação jurídica que se aproxima dessa lógica, com riscos à normalidade democrática.
No plano hermenêutico, a crítica à Resolução nº 415 também encontra fundamento em Hans-Georg Gadamer. O filósofo alemão, ao desenvolver sua hermenêutica filosófica, propõe a compreensão como uma fusão de horizontes entre o texto e o intérprete, considerando a tradição como parte constitutiva do processo interpretativo. Isso significa que não há compreensão neutra, pois o intérprete sempre está situado em um contexto histórico que molda sua leitura do texto (Gadamer, 1997, p. 450). Portanto, a interpretação constitucional deve reconhecer essa historicidade e o papel ativo do intérprete, que não pode se ocultar atrás de pretensas neutralidades técnicas.
Virgílio Afonso da Silva retoma essa linha de pensamento e afirma que a interpretação constitucional exige responsabilidade institucional. O intérprete deve atuar como agente de concretização dos direitos fundamentais, sendo-lhe vedado restringi-los sem respaldo explícito na CRFB/88. Assim, qualquer tentativa de impor filtros ao exercício da jurisdição deve ser vista como forma de negação dos direitos, e não como simples técnica processual (Silva, 2005, p. 29).
Nesse sentido, Bruno Pinheiro reforça que a hermenêutica constitucional deve se orientar pelos princípios estruturantes da CRFB/88: unidade, supremacia, força normativa e efetividade dos direitos fundamentais. Pinheiro adverte que o uso de instrumentos infralegais não pode se dar à revelia desses princípios, sob pena de ruptura da coerência do sistema constitucional (Pinheiro, 2021, p. 127).
Por fim, a crítica pode ser reforçada com o pensamento de Axel Honneth, que ao tratar da luta por reconhecimento, demonstra que estruturas institucionais que negam a participação e a voz dos sujeitos configuram formas de injustiça moral e social. Para Honneth, o reconhecimento não é apenas uma questão simbólica, mas uma condição material para a realização da liberdade individual. Impor condições ao exercício de direitos fundamentais, sem legitimidade democrática, é uma forma de desrespeito institucional que mina a confiança dos cidadãos no Estado (Honneth, 2003, p. 155).
Assim, a Resolução nº 415/2025 configura-se como um ato normativo que desrespeita garantias constitucionais, afronta a legalidade democrática, compromete o papel da advocacia e institucionaliza práticas de exceção no âmbito processual. Cabe à sociedade civil, à advocacia e ao Poder Judiciário rechaçar esse retrocesso, reafirmando o papel da CRFB/88 como fundamento normativo de todo o sistema jurídico.

REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
BARZOTTO, Luis Fernando. Razão de lei: contribuição a uma teoria do princípio da legalidade. Veritas, Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 219–260, jul./dez. 2007.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de Luiz Repa. São Paulo: Editora 34, 2003.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020.
PINHEIRO, Bruno. Hermenêutica constitucional. 2. ed. rev., ampl. e atual. Belo Horizonte/São Paulo: D’Plácido, 2021.
SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: CRFB/88, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

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