O jus postulandi (ou, literalmente, o “direito de postular”) é, simultaneamente, uma norma e um princípio processual, disposto no artigo 790, caput da CLT, o qual prevê que “os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final”.
Diz a CF que o advogado “é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (artigo 133), ou seja, somente com um advogado é que a justiça pode ser plenamente administrada (não no sentido de ser meramente “gerida”, mas no sentido de “distribuída”).
Além disso, prevê a Carta Magna que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, XXXV) – previsão de caráter dúplice, norteador e principiológico, também definida como princípio do acesso à justiça.
Sendo um princípio constitucional, o acesso à justiça está entre aqueles que “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins”[1], nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Dito de forma sumária”, continua ele, “os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui”[2].
Já o jus postulandi é um princípio (ou norma) legal, instituto jurídico de caráter infraconstitucional, com sua validade e alcance sujeitos sempre à Lei Maior.
Segundo Aristóteles, a virtude da justiça consiste em “dar a cada um o que é seu”, o que, aplicado à área trabalhista, consiste em fazer com que o empregado e/ou o ex-empregado recebam aquilo que lhes for devido, nem mais, nem menos. Tal é o papel do advogado: se, obviamente, configura injustiça o não recebimento de salário, verbas rescisórias etc., também o é o recebimento de valores em excesso.
Dito de outra forma, pelo mestre Giuseppe Chiovenda “[o] processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir”[3].
Como o Direito do Trabalho tem por sujeito de direito um hipossuficiente, é mais razoável que o trabalhador se socorra de advogado, que pode reequilibrar as armas em relação ao empregador (o qual, na maioria das vezes, possui advogado).
Se o trabalhador reclama da falta de pagamento de horas extras, o advogado poderá requerer ainda, eventualmente, as consequências da habitualidade e questões de intervalos intra e interjornada; se o empregado alega falta de pagamento de verbas rescisórias, o advogado pode pleitear também as multas dos artigos 467 e 477 da CLT; e assim por diante. O advogado pode, além disso, extrair deveres do empregador previstos em acordos e convenções coletivas de trabalho, explorar contradições entre os depoimentos de testemunhas, abordar a presunção de veracidade de documentos e assim por diante.
Ainda que muitas providências possam ocorrer de ofício (como o início da execução, por exemplo), somente o advogado pode fiscalizar os erros que, eventualmente, os próprios magistrados cometem.
Mesmo questões procedimentais de prazos, produção de provas, realização de audiências, ordens dos trabalhos, validade de documentos etc., via de regra, são de conhecimento apenas de um advogado.
Ademais, recentemente surgiram diversas “câmaras de arbitragem”, as quais falseiam e usurpam o papel do Poder Judiciário, em conluio com empresários de má-fé, para lesar o ordenamento jurídico e o trabalhador, simulando uma atuação jurisdicional e fazendo o trabalhador acreditar que está sendo regularmente atendido. Um bom advogado jamais concordaria com tal postura, pois sabe que a arbitragem é incompatível com o Direito Individual do Trabalho.
Mesmo pelo lado da empresa há diversos motivos para contratação de um advogado: como seria possível, sem um advogado, saber a quem compete o ônus probatório (nos termos do artigo 818 da CLT) ou, então, o valor das custas e do depósito recursal (e as guias adequadas para o recolhimento de ambas)?
Outros problemas são trazidos por Estêvão Mallet e Flávio da Costa Higa:
“Se o processo do trabalho era simples ao tempo em que aprovada a CLT, tornou-se cada vez mais complexo, cheio de sutilezas, de tecnicalidades e, até mesmo, de bizarrices, ao lado de formalismos exacerbados. Os litígios passaram a envolver temas intrincados, como mostram as ações civis públicas sobre os mais variados assuntos; ações sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais, inclusive de caráter exclusivamente psicológico; ações sobre assédio moral e sexual; ações com pedidos cominatórios, para a não realização de certas atividades – como a proibição do exercício da função de provador de cigarro – ou para a proibição de adoção de certas formas contratuais; ações com pedido de tutela inibitória, como, por exemplo, proibição de adoção de determinados critérios para a seleção dos trabalhadores a serem admitidos; ações relacionadas com a não celebração de contratos de trabalho ou com o descumprimento de promessa de contratação de trabalhadores ou, ainda, para impor a contratação de deficientes; ações relativas ao meio ambiente de trabalho, em suas mais diferentes manifestações; ações voltadas a impedir a prestação de serviço por trabalhadores vinculados a cláusulas de não competição; ações pela perda de uma chance pré-contratual, contratual e pós-contratual; ações revisionais, decorrentes da mudança do quadro fático ou jurídico existente ao tempo em que proferida a condenação, em caso de relação jurídica continuativa; ações para a tutela da intimidade dos trabalhadores, além de outras. As distinções que a jurisprudência por vezes propõe não raro escapam à compreensão até mesmo dos técnicos. Isso para não falar dos problemas suscitados pelas sucessivas alterações legislativas.”[4]
Tais características fazem com que o instituto do jus postulandi tenha sua constitucionalidade questionada por não poucos operadores do Direito, uma vez que a atual complexidade do Direito e do Processo do Trabalho torna necessária a atuação de um advogado, sob pena de obstaculizar o acesso à justiça.
Além disso, há problemas de ordem prática – a saber, a limitação de instância para tramitação de processos sem o patrocínio de advogado, nos termos da Súmula 425 do TST: “O jus postulandi das partes, estabelecido no artigo 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do TST”.
Essa limitação se dá porque no âmbito do TST, tal como em outros tribunais superiores, não se discutem mais questões fáticas – das quais leigos possuem domínio -, mas apenas jurídicas.
Ora, se a parte não possui conhecimento jurídico, natural que lhe seja vedado discutir assuntos jurídicos: como um soldador, por exemplo, saberá o que é transcendência[5]?; ou ainda, como um auxiliar de serviços gerais saberia discutir a violação concreta a uma Súmula do STF?; como um segurança particular saberia qual vara possui competência para processar e julgar o seu processo?; por fim, como se cogitar a discussão acerca da constitucionalidade de uma decisão?
Isso tudo sem incluir que, mesmo com o duplo grau de jurisdição, ainda existe margem para decisões equivocadas em segundo grau. A parte que se utiliza da faculdade do jus postulandi, nesse caso, possui apenas dois caminhos: contentar-se com a injustiça ou, então, socorrer-se, apenas nessa fase processual, de advogados especializados.
Escritórios de advocacia especializados na interposição e acompanhamento de recursos aos tribunais superiores são dos mais caros do país.
Mesmo advogados militantes na área trabalhista em geral, por se responsabilizarem por ações em andamento, não raro podem cobrar valores altíssimos para patrocinar ações que, em primeiro e segundo grau, não tiveram o tratamento técnico adequado. Ora, é muito mais difícil – e caro – corrigir um problema que evitá-lo.
Outra ressalva que se deve fazer ao jus postulandi, após a sanção da Reforma Trabalhista, diz respeito aos ônus sucumbenciais: ora, sendo essa condenação uma regra e não havendo exceção prevista ao instituto em apreço, alguns poderão argumentar que serão devidos os honorários nessa hipótese.
Conforme preconiza o art. 791-A, §4º da CLT[6], também em caso de justiça gratuita deve haver a condenação do beneficiário da justiça gratuita que seja sucumbente. Assim, há de se questionar: a parte que se apresente à Justiça do Trabalho sem o patrocínio de um advogado estará plenamente ciente da possibilidade de condenação dos ônus sucumbenciais (honorários advocatícios e periciais, custas, entre outros), em caso de insucesso?
Tendo a achar que não, com ressalvas ao trabalhador chamado “hipersuficiente”, isto é, aquele cuja presunção de desigualdade em relação ao empregador é mitigada pelo pressuposto do maior conhecimento jurídico ou técnico.
De maneira objetiva, esse empregado é caracterizado, concomitantemente, por ostentar um diploma de ensino superior e por perceber salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (ou seja, igual ou superior a R$ 12.867,14, no ano de 2021).
Essa figura está prevista no Parágrafo Único do artigo 444 da CLT, acrescentado pela Reforma Trabalhista, que trata da eficácia das negociações contratuais, mas poderia ser usado como parâmetro para o assunto do jus postulandi.
Nesse sentido, podemos afirmar que andou mal a Reforma Trabalhista porque, ao mesmo tempo em que favoreceu a classe advocatícia por meio da ampliação dos honorários sucumbenciais, manteve intacto o jus postulandi.
Alguns ainda poderiam alegar que a eliminação ou mitigação do jus postulandi seria um ataque aos direitos dos trabalhadores, o que verificamos não ser verdade; entretanto, ainda assim, caso não existisse o instituto, haveria capacidade postulatória plena do respectivo sindicato.
Inclusive, essa seria uma forma de prestigiar novamente os sindicatos, tão afetados pela Reforma Trabalhista, obrigando que a defesa em juízo dos interesses de um trabalhador ou empresa, que não tivessem condições de arcar com honorários advocatícios, pudessem ser feitas pelo sindicato a que estiver filiado. Isso seria, também, um novo estímulo à filiação sindical.
Na mesma seara, poder-se-ia até argumentar ser essa uma boa fonte de renda para os sindicatos, um dos aspectos mais impactados pela Reforma Trabalhista, uma vez instituída a facultatividade de filiação pela nova redação do artigo 578 da CLT. Isso se daria porque o artigo 791-A prevê, em seu parágrafo primeiro, que os honorários são devidos também “nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria”.
Em caso de não filiação a um sindicato, o trabalhador poderia ainda se socorrer da Defensoria Pública da União, nos termos do artigo 14 da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994: “A Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União.” (grifos nossos).
Acreditamos que, dessa forma, os interesses da classe trabalhadora estariam mais bem protegidos que atualmente, com o jus postulandi.
[1] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo, Saraiva, 1999, pág. 147
[2] Id. Ibid.
[3] CHIOVENDA, Giuseppe apud TUCCI, José R. C. Honorários do advogado não podem suplantar benefício do vencedor. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jul-16/paradoxo-corte-honorarios-advogado-nao-podem-suplantar-beneficio-vencedor>, acesso em 25.03.2021, às 15h03.
[4] MALLET, Estêvão e HIGA, Flávio da C. Os honorários advocatícios após a Reforma Trabalhista. Rev. TST, São Paulo, vol. 83, no 4, out/dez 2017 p. 69.
[5] Transcendência é um dos requisitos para interposição do Recurso de Revista e está prevista no art. 896-A da CLT, significando que aquela lide pode trazer “reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica” à sociedade brasileira.
[6] “Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.”