A dispensa em massa e a necessidade de um procedimento prévio: análise do caso Ford na Bahia

Foto de estrada retilínia no meio do deserto

A dispensa em massa ou coletiva como é denominada em regra geral, ocorre quando há uma demissão de vários empregados de forma simultânea sem a substituição dos empregados dispensados por motivo comum de ordem econômica conjuntural ou técnico estrutural. Com o recente caso da montadora norte americana FORD na Bahia, especificadamente no município de Camaçari, os baianos vivenciaram o complexo drama de ficar sem emprego, reacendendo o debate sobre a necessidade da negociação coletiva para o desligamento de um considerável número de empregados.

 Certo é que, mesmo com a Lei 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, ainda não temos um procedimento para a dispensa em massa, nem mesmo um conceito definido a diferenciar dispensas plúrimas ou coletivas, apenas interpretações doutrinárias diante da inclusão do artigo 477-A da CLT com a afirmação de que não haveria necessidade da intervenção sindical:

“As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

Não faz parte da reflexão presente, os motivos empresariais da decisão do fechamento da fábrica em Camaçari no dia 11 de janeiro de 2021 na região metropolitana de Salvador, o que se impulsiona discutir são os impactos da extinção dos empregos diretos e indiretos, e o efeito perceptível em toda a economia que transcende a esfera particular do trabalhador. Inclusive em recente fato, vivenciado pelos paulistas com a unidade de São Bernardo do Campo, em 2019, devendo-se salientar como diferença o período de recessão econômica mundial que se acentua com a pandemia.

Nesse sentido, como ocorreu em Camaçari, não existiu qualquer conduta antecedente da decisão unilateral de fechamento da fábrica, pode até ser que a notícia não foi totalmente inesperada, porém não foi apenas a inexistência da comunicação da extinção de 5 mil a 8 mil contratos de trabalho e sim do fechamento de um complexo industrial. Não houve nenhuma preocupação no diálogo de elaborar mecanismos de normas internas que minimizassem o impacto dos danos da dispensa coletiva como, por exemplo, não despedir ao mesmo tempo pessoas integrantes da mesma família. A comunicação foi abrupta como a notícia do isolamento exigido pelo COVID-19. 

Não estamos afastando o fato da decisão unilateral do fechamento da empresa fundamentar se na livre iniciativa, ou seja, seria até difícil impedir tal decisão, contudo, concomitantemente a isso, precisamos equilibrar outros pilares da atividade econômica inseridos no artigo 170 da Constituição Federal vigente, como os valores sociais do trabalho, a própria dignidade da pessoa humana que perpassa por todos os problemas do planeta, mesmo na área da robótica.

Por tal questão, não queremos impor a permanência das atividades empresariais no nosso pais, com certeza, seria de forma análoga, restringir a residência de uma pessoa livre e capaz, só que em proporções extremas, a realização de uma dispensa em massa tem impacto social irreversível para uma população e não apenas para um número grande de empregados ou certo grupo de  trabalhadores indiretos.

Por isso, devemos concordar que equiparar as dispensas individuais ás coletivas só seria possível se tivéssemos em média o fechamento de 12 mil fábricas simultaneamente com um empregado cada uma. Cabe registrar que a Diretiva n. 59, de 1998, da União Europeia, em seu artigo 1º, considera como dispensa coletiva quando forem desligados “[…] num período de 90 dias, no mínimo 20 trabalhadores, qualquer que seja o número de trabalhadores habitualmente empregados nos estabelecimentos em questão.” (art. 1º)

Há de se convir, ainda mais para os baianos, que sentiram diretamente os efeitos, a importância de um procedimento prévio para o desligamento de um número considerável de trabalhadores. Por mais grave que fosse a crise, a negociação coletiva não impediria o fechamento da FORD, e sim reduziria os prejuízos humanos de toda uma região, prevenindo conflitos maiores. Perceba, atencioso leitor, que o artigo 477-A  menciona autorização prévia sindical, de forma a não vedar que a empresa tenha o dever de informar previamente aos empregados término do contrato de trabalho, sendo compatível ainda como prevê a Convenção nº 158 da OIT, no artigo 13, a necessidade da participação da representação dos trabalhadores na dispensa em massa.   

Ademais, as nações já foram surpreendidas com grandes fatos que impactaram a economia, nesse momento não é diferente, nem sabemos ainda as sequelas dessa pandemia, por isso mesmo, seria tão importante a demissão em massa ter como pilares a ética e a transparência. Nada que uma empresa como a FORD não pudesse aplicar em um programa de Compliance, atuando em conformidade aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil.  

Enfim, as demissões coletivas não são um assunto novo, e nem de longe foi regulamentada no Brasil com a reforma trabalhista, seria reduzir um complexo problema mundial a tão poucas linhas de uma curta citação em um artigo apenas. Esse mesmo artigo não proibiu a nosso ver a negociação coletiva, essa que teria o condão de exigir um procedimento prévio de diálogo para a extinção de um número considerável de contratos de trabalho. Não são meras exigências dos empregados na manutenção de direitos e sim um processo de mediação para resolver da melhor forma, muitas vezes, algo inevitável, só que com menos prejuízos, não somente para os empregados, como para toda uma região que sobrevive desse ciclo produtivo.

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