O STF, O TEMA 1389 E O RISCO DE SILENCIAR A JUSTIÇA SOCIAL

Felippe Martins Brasiliense de Souza Curia
Advogado, Mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Pós-Graduado em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade IDC/RS (2012), Pós-Graduado em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012)
E-mail: felippe.curia@gmail.com

Diante da recente suspensão nacional determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos do ARE 1532603, Tema 1389 em Repercussão Geral, pelo Ministro Gilmar Mendes1, torna-se imprescindível um posicionamento técnico e claro, em defesa da competência constitucional da Justiça do Trabalho, e, sobretudo, em respeito à sociedade brasileira que confia na efetividade desse ramo especializado do Poder Judiciário.

O Tema 1389, conforme divulgado pelo STF, versa sobre a seguinte controvérsia:

“Recurso extraordinário que discute, à luz do entendimento consolidado na ADPF 324, a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, bem como o ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil. Preliminarmente, será analisada a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas que tratam da existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços.”

Ao determinar a suspensão nacional de todos os processos que versem sobre esse tema, o STF interfere diretamente na atuação cotidiana da Justiça do Trabalho, inviabilizando a análise de litígios essenciais ao reconhecimento de fraudes trabalhistas travestidas sob roupagens civis ou empresariais. Essa medida afeta milhares de trabalhadores brasileiros, que veem postergada a prestação jurisdicional em matérias de alta relevância social.

A Justiça do Trabalho possui, por força do art. 114 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), competência para apreciar “as ações oriundas da relação de trabalho”.

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392)
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)2

Tal competência é ampla, superando a dicotomia estrita entre vínculo formal e informal, e abarcando toda relação jurídica materialmente trabalhista, ainda que disfarçada sob formas contratuais diversas, notadamente por força do que dispõe o art. 9º da CLT, considerando que relação de emprego é uma das espécies de relação de trabalho:

Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.3

A contratação por meio de pessoa jurídica — conhecida como “pejotização” — ou de forma pretensamente autônoma, quando ocorre com subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade, configura fraude à legislação trabalhista. A análise da presença ou não desses elementos fáticos é tarefa típica da Justiça do Trabalho, que detém expertise e estrutura para julgar tais controvérsias.

A suspensão determinada pelo STF, ao paralisar o trâmite de ações que discutem a natureza real da prestação de serviços, coloca em risco a efetividade da proteção trabalhista, reforçando desigualdades e promovendo a blindagem de práticas empresariais lesivas à dignidade da pessoa humana no mundo do trabalho.

Mais grave ainda é a possibilidade de, sob o argumento da análise de competência, esvaziar-se a função social da Justiça do Trabalho, cuja missão é justamente a de reequilibrar relações assimétricas e combater dissimulações contratuais.

A suspensão nacional imposta no Tema 1389 representa, por isso, violação à autonomia da Justiça Especializada, à celeridade processual e ao direito de acesso à justiça. Isso porque a Justiça do Trabalho é competente para julgar fraudes contratuais que envolvam prestação de serviços com conteúdo trabalhista, mesmo quando formalizadas por contratos civis ou comerciais porque a CRFB/88 assim determina de forma clara e expressa, não deixando espaço para interpretações, para mitigação da competência da Justiça laboral por decisões que, mesmo travestidas de cautela, representam retrocesso institucional.

Ainda que o STF tenha a missão de guardião da Constituição, justamente em razão dessa função, deveria rever sua posição e retirar a suspensão por ele determinada por estar em afronta direta à Constituição. Caso o STF venha a decidir de forma contrária à redação expressa do art. 114 da CRFB/88, tal postura não apenas comprometerá a coerência da ordem constitucional, como também violará o Princípio da Separação dos Poderes, previsto no art. 2º da CRFB/88. Isso porque a competência para legislar sobre Direito do Trabalho e Direito Processual é privativa da União, nos termos do art. 22, I, da CRFB/88, não cabendo ao Poder Judiciário reconfigurar a competência material de outro ramo jurisdicional por via interpretativa, sobretudo quando isso colide com o texto constitucional claro. Tal conduta, se praticada, estará violando, também, o art. 5º, XXXVII, da CRFB/88 que veda “juízo ou tribunal de exceção”.

Mais ainda, qualquer interferência nesse sentido afronta o art. 5º, II, da CRFB/88, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ora, negar a jurisdição trabalhista em hipóteses de relação de trabalho camuflada por contratos civis é obrigar o cidadão a buscar tutela judicial em juízo incompetente para apreciar a realidade dos fatos, ferindo o direito de acesso à justiça e o princípio da legalidade.

A defesa do Estado Democrático de Direito passa, necessariamente, pela valorização das instituições que servem à sociedade. E a Justiça do Trabalho é uma dessas instituições e deve ser preservada de qualquer tentativa de esvaziamento institucional.

  1. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 1389 da Repercussão Geral: Recurso Extraordinário com Agravo 1.532.603/SP. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=7138684&numeroProcesso=1532603&classeProcesso=ARE&numeroTema=1389. Acesso em: 24 abr. 2025. ↩︎
  2. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 24 abr. 2025. ↩︎
  3. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm. Acesso em: 24 abr. 2025. ↩︎

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Voltar ao topo