Por diversos anos foi tema de demasiada discussão quais seriam os índices de aplicação de juros e correção monetária aos créditos de natureza trabalhista, sendo que tal discussão fora aparentemente fulminada com o julgamento pelo pleno do Supremo Tribunal Federal da Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 58, relatada pelo exmo. Min. Gilmar Mendes, cujo acórdão fora publicado em 07 de abril de 2021.
Deste modo, o presente artigo visa de forma sucinta abordar os efeitos, bem como as nuances do sobredito julgamento.
Todavia, antes de tratarmos da decisão prolatada em comento, devemos trazer um panorama de como os índices de correção monetária e aplicação de juros de mora no que diz respeito a créditos trabalhistas eram previstos pela legislação, além de apresentar o entendimento majoritário que vinha sendo adotado Tribunal Superior do Trabalho.
O artigo 39 da Lei 8.177/1991 prevê o seguinte:
Art. 39. Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento.
§ 1° Aos débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação.
Desta forma, em uma análise superficial acerca do assunto, e tomando-se por base a disposição acima delineada deveria ser adotado o índice TRD ou TR (taxa referencial), além da aplicação de juros de um por cento ao mês, pro rata die.
Todavia, em março de 2015 o STF (proc. 3.764) reafirmou um entendimento que já vinha adotando excluindo a aplicação da TR (taxa referencial) como índice de correção monetária, posto que reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 39 da Lei 8.177/91.
Além de o STF reconhecer a inconstitucionalidade do referido artigo, afastando a utilização da TR com índice de atualização monetária, passou a adotar como índice oficial de atualização o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Ademais, o TST seguindo o entendimento adotado pelo STF, acolheu a inconstitucionalidade do artigo 39 da Lei 8.177/91 (proc. 479-60.2011.5.04.0231), passando a utilizar o índice de correção monetária IPCA-E a partir de 23 de março de 2015.
Ocorre que a lei 13.417/2017 a qual trouxe as inovações e alterações legislativas da reforma trabalhista, fez constar no §7.º do artigo 779 da CLT a seguinte disposição:
Artigo 779 (…)
§7º. atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei n. 8.177, de 1o de março de 1991.
Destaca-se que com a entrada em vigor da reforma trabalhista, a posição majoritária da doutrina era de que o §7.º do artigo 779 deveria ser declarado inconstitucional, em razão do entendimento já prolatado pelo STF e pelo TST, devendo ser mantida a adoção do IPCA-E como índice de correção monetária, conforme se verifica pelas disposições emanadas pelo I. doutrinador Dr. Carlos Bezerra Leite:
“Consequentemente, pensamos que o § 7o do art. 879 da CLT (com redação dada pela Lei n. 13.467/2017), por adotar a TR como índice de atualização monetária dos créditos trabalhistas, também deve ser declarado inconstitucional por arrastamento. Logo, o IPCA-E é o índice oficial para atualização monetária dos créditos trabalhistas reconhecidos judicialmente, ficando, assim, superado o entendimento contido na OJ n. 300 da SBDI-1 do TST”. Curso de Direito Processual do Trabalho, 18.ª Ed., pág. 1221.
Ocorre que em agosto de 2018 foi protocolada pela Confederação Nacional Do Sistema Financeiro (e outros) junto ao Supremo Tribunal Federal a Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 0076586-62.2018.1.00.0000, que visava consequentemente a declaração de constitucionalidade do artigo 39 da Lei 8.177/1991, para assim ser aplicada a TR como índice de correção monetária dos créditos trabalhistas, voltando à tona uma discussão que já era dada como encerrada.
O relator da ADC acima mencionada e de outras ações que tratavam do mesmo assunto, fora o ministro Gilmar Mendes, que no uso de suas atribuições, manteve o entendimento de que a utilização do índice de correção monetária pela Taxa Referencial é inconstitucional, não devendo ser aplicado aos créditos trabalhistas.
Ademais, tal entendimento se deu pelo fato de a TR ter sido considerada um índice inadequado em razão das repercussões econômicas que tal indexador traria, estando este em desacordo com a CLT.
Desse modo, restou decidido que até que o poder legislativo emane uma solução para tal controvérsia, deverá ser aplicado à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (art. 406 do Código Civil), à exceção das dívidas da Fazenda Pública que possui regramento específico (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), devendo ser utilizado para a atualização dos débitos judiciais a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC).
Deve restar claro e evidente que a taxa SELIC abarca juros moratórios e correção monetária, e quando aplicada impede a utilização de outros índices.
Destaca-se que a tese acima fixada diz respeito aos créditos correspondentes a fase judicial, sendo certo que em relação a fase extrajudicial deverá ser utilizado o indexador IPCA-E, sendo que para o ano de 2000 será utilizado o IPCA-E acumulado, e após o referido período o IPCA-E mensal.
É importante frisar que para garantir segurança jurídica houve modulação dos efeitos da decisão ora comentada, portanto, são considerados válidos os pagamentos realizados em que foram utilizados a TR/IPCA-E ou outro índice, no tempo e momento oportunos, não cabendo em hipótese alguma rediscussão. Por outro lado, os processos que estiverem em curso em fase de conhecimento, suspensos ou não, independente de sentença, inclusive em fase recursal, deverão ter aplicação retroativa da taxa SELIC. Por fim, os processos que já tiverem transitado em julgado em que a sentença não tenha trazido manifestação expressa acerca dos índices de correção monetária e taxa de juros, deverão tem como índice a taxa SELIC.
Por derradeiro, deve ser elucidado que a decisão ora comentada é de extrema importância, devendo a modulação de efeitos acima destacada ser seguida pelos operadores do direito, sendo certo, que advogados, magistrados, contadores, peritos judiciais etc., deverão estar atentos aos índices de correção monetária, devendo fazer uso deles de forma adequada e correta, posto que a não observância de tais regras podem vir a causar prejuízos financeiros de grande monta.
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