Enquadramento sindical no teletrabalho: reflexos sore o fenômeno da desterritorialização

Funcionário de empresa trabalhando em seu notebook particular, em regime de home office

O avanço tecnológico vem cada vez mais alterando as relações de trabalho e o modo de produção dos empregados. Assim, entre outras diversas mudanças significativas no ambiente de trabalho, o empregado não necessita mais estar fisicamente na empresa e pode prestar seus serviços de outro local de sua escolha. É o denominado “Teletrabalho”.

Embora a modalidade de teletrabalho seja antiga, somente com o advento da Lei nº 13.467, de 14 de julho de 2017, também conhecida como a “Reforma Trabalhista”, a CLT passou a disciplinar o teletrabalho de forma específica (art. 75-A e seguintes), ainda que de forma bastante tímida.

A prática do teletrabalho, impulsionada pela pandemia do Coronavírus despertou o interesse dos empregadores, que antes encontrava resistência do mercado de trabalho, e desenvolveu-se à imperiosa necessidade de isolamento social para contenção do avanço da pandemia em detrimento da continuidade das atividades empresariais.

Atualmente, vemos que diversas empresas têm se preocupado em realizar políticas de home office e cada vez mais solidificar esta modalidade.

Do ponto de vista jurídico, há vários desafios para o empregador que deseja adotar em sua empresa esta modalidade de contratação, haja vista o enorme vazio legislativo e regras para disciplinar esta modalidade de emprego.

O teletrabalho, diferentemente do trabalho presencial, não ocorre em um espaço físico, ele surge como um trabalho em um ambiente virtual, fora do estabelecimento da empresa, emergindo dúvidas relacionadas ao critério de territorialidade para aplicação das normas.

Sobre este ponto, é importante esclarecer que o teletrabalho pode ser subdividido em três modalidades: transregional, transnacional e transcontinental. O presente artigo visa analisar apenas os conflitos espaciais subjacentes ao teletrabalho transregional, que ocorre quando um teletrabalhador tem o seu domicílio em cidade diversa daquela onde está sediado o seu empregador.

Estabelecidas estas premissas, a dúvida latente sobre o teletrabalho transregional reside nas normas coletivas negociadas pelo sindicato da categoria profissional ao qual o empregado sujeita-se. O teletrabalhador, então, estaria sujeito às normas do sindicato profissional da base territorial em que se encontra o estabelecimento do seu empregador ou àquele onde está situado o seu domicílio?

O conflito espacial inerente ao teletrabalho transregional, portanto, consiste em um conflito entre instrumentos coletivos de trabalho.

Antes de refletirmos sobre a controvérsia imposta, primeiramente é importante entender a regra convencionada pelo direito do trabalho sobre o enquadramento sindical, isto é, como o empregador deve definir o sindicato que representará os seus empregados.

Via de regra, o enquadramento será definido pelo princípio da territorialidade das negociações coletivas, o qual impõe como critério de definição a atividade empresarial preponderante do empregador, ressalvadas as categorias profissionais diferenciadas. Desse modo, serão devidos aos empregados os direitos previstos nos instrumentos coletivos firmados do local da prestação de serviços.

Importante destacar que essa regra não está prevista em lei, mas, foi construída ao longo de décadas por entendimento jurisprudencial, hoje, já amplamente consolidada pela Justiça do Trabalho. É possível afirmar que a adoção do local da prestação de serviços como critério para definição do enquadramento sindical foi construído sobre relações de emprego onde a prestação de serviços ocorria presencialmente, nas dependências físicas da empresa.

Isto porque, somente com o advento da Lei nº 12.551, de 16/12/2011 — que alterou o art. 6º e introduziu o seu parágrafo único na CLT[i]— é que passou a ser prevista a modalidade de trabalho à distância, por meios telemáticos.

O critério do local da prestação de serviços utilizado para enquadramento sindical e adequação das condições de trabalho à realidade do local em que o empregado efetivamente presta serviços se mostra compatível, mas essa compatibilidade deixa de existir quando se observa que o empregador poderá utilizar-se deste critério para deixar de contratar empregados onde sua empresa está sediada e passar a contratar em localidade diversa, onde o piso salarial daquela categoria profissional é inferior e os direitos previstos nos instrumentos coletivos são escassos.

Esta reflexão é importante, pois a contratação de empregados em localidades que oferecem mão de obra mais barata ou que não possuem um padrão mínimo de direitos trabalhistas, pode reduzir consideravelmente os custos dos empregadores e, via de consequência, fomentar a prática comum do chamado dumping social.

O dumping social, conforme bem definido por Leda Maria Messias da Silva é um termo utilizado para definir uma estratégia das grandes empresas para reduzirem os custos e, por consequência, aumentarem os lucros em prejuízo de direitos trabalhistas internacionalmente reconhecidos.[ii]

Como visto acima, o Teletrabalho foi timidamente regulamentado pela CLT, de modo que para a resolução de conflitos espaciais inerentes ao teletrabalho transregional, precisamos socorrer ao disposto no art. 8º da CLT[iii]  e procurar respostas na jurisprudência pátria.

Neste breve estudo, encontramos uma única jurisprudência específica sobre o tema, em que o TRT 1ª Região, em 2015, resolveu afastar o princípio da territorialidade e o local da prestação de serviços como critério para enquadramento, e adotar o critério de subordinação do estabelecimento para o qual presta serviços, provavelmente, para que se aplicasse ao reclamante a norma coletiva mais favorável. No caso, a norma coletiva negociada no âmbito do território em que seu empregador se situava previa estabilidade provisória no empregado de 90 dias, vejamos:

Teletrabalho. Norma coletiva aplicável. Mitigação do princípio da territorialidade neste caso concreto. Comprovado nos autos que o obreiro esteve filiado, durante todo o contrato de trabalho, ao Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados, de Serviços de Computação, de Informática e Tecnologia da Informação e dos Trabalhadores em Processamento de Dados, Serviços de Computação, Informática e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo – SINDPD/SP, ao reclamante aplicam-se as normas coletivas pactuadas pelo referido sindicato. Sentença que se reforma no particular.

“É cediço que no regime brasileiro, o enquadramento sindical é definido, via de regra, pela atividade preponderante do empregador, bem como pelo princípio da territorialidade das negociações coletivas. Por este princípio, submete-se o empregado ao sindicato atuante na base territorial em que desenvolve as suas atividades, sendo-lhe aplicados os direitos previstos nos instrumentos normativos firmados de acordo com as particularidades do local em que atua.

Essa regra, por certo, teve como inspiração um modelo onde a prestação de serviços ocorria basicamente nas dependências físicas da empresa, ou na residência do trabalhador em local próximo ao estabelecimento. Apenas com a Lei nº12.551, de 16/12/2011, é que o trabalho a distância, através dos meios telemáticos e informatizados de comando, foi regulado (v. alteração no art. 6º e introdução do seu parágrafo único da CLT).”

[…] No caso em exame, contudo, o princípio da territorialidade deve ser mitigado, principalmente diante de situações concretas delineadas pelo próprio empregador quando adotava as diretrizes do sindicato da base territorial de São Paulo, onde localizada sua sede, para regular os contratos de trabalho dos seus empregados, inclusive o do reclamante.” […].

Por fim, não tendo a reclamada agência ou filial na cidade do Rio de Janeiro, as normas coletivas do sindicato desta base territorial, a rigor, também não poderiam ser aplicadas ao contrato de trabalho do reclamante, porque a entidade sindical da correspondente categoria econômica não representava a ré, sediada em São Paulo. Nesse contexto o trabalhador ficaria completamente alijado das normas coletivas.” (TRT da 1ª R. Processo 0011000-54.2014.5.01.0001. Recorrente: José Wilson da Conceição Junior. Recorrida: Proteus Soluções em Segurança da Informação Ltda. Relator:  Desembargador Jorge Fernando Gonçalves da Fonte. Data de julgamento: 18.05.2015. Órgão julgador: 3ª Turma. Data de publicação: 25.05.2015.)

Considerando que a jurisprudência sobre teletrabalho ainda é bastante escassa, é preciso buscar socorro em casos análogos sobre competência territorial dos tribunais para julgar disputas em contratos de teletrabalho.

Em decisão proferida no processo 0000500-18.2014.5.12.0034, o juiz da 34ª Vara do Trabalho de Santa Catarina entendeu que “o teletrabalho ocorre num ambiente virtual, fora do estabelecimento da empresa, razão pela qual entendo aplicável, por analogia, a regra de competência territorial estabelecida pelo § 1º do art. 651 da CLT para a hipótese de trabalho externo, fixando-se a competência na localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado”.

Na mesma linha, entendeu o TRT da 3ª Região, ao estabelecer que para o teletrabalho equipara-se a “regra da competência territorial para hipótese do trabalhado externo (prestado por agente ou viajante comercial), fixando-a na localidade em que a empresa tenha agência ou filial no Brasil, à qual esteja subordinado o empregado na execução do contrato de trabalho presencialmente no exterior e em ambiente virtual no Brasil”.[iv]

Neste caso, os tribunais adotaram a subordinação como elemento de conexão principal para determinar a competência do tribunal para julgar a relação de emprego, em alusão aos empregados externos, que laboram presencialmente prestando serviços em diversos locais (não sendo possível definir uma única localidade), mas subordinados à sede da empresa que o contratou.

Portanto, em razão do fenômeno da desterritorialização o teletrabalho não ocorre em um espaço físico, mas em um ambiente virtual. Tanto é que o teletrabalhador tem a liberdade de prestar seus serviços onde desejar, não sendo necessário que o faça somente em seu domicílio.

Nesta perspectiva, o teletrabalho pressupõe uma prestação de serviços por meios telemáticos, em um “ciberespaço”. Vejamos a definição deste espaço virtual, pelas palavras de Lucia Santaella (2004, p. 45):

“O ciberespaço será considerado como todo e qualquer espaço informacional multidimensional que, dependente da interação do usuário, permite a este o acesso, a manipulação, a transformação e o intercâmbio de seus fluxos codificados de informação. Assim sendo, o ciberespaço é o espaço que se abre quando o usuário conecta-se com a rede.

Por isso mesmo, esse espaço também inclui os usuários dos aparelhos sem fio, na medida em que esses aparelhos permitem a conexão e troca de informações. Conclusão, ciberespaço é um espaço feito de circuitos informacionais navegáveis. Um mundo virtual da comunicação informática, um universo etéreo que se expande indefinidamente mais além da tela, por menor que esta seja, podendo caber até mesmo na palma de nossa mão.”

Desta forma, pode-se afirmar que a modalidade de teletrabalho relativiza o conceito de espaço, pois o ambiente de trabalho não se restringe àquele espaço físico onde o empregado presta os seus serviços, mas, sobretudo, é um espaço virtual que transgride as barreiras físicas.

Por esta razão que o local da prestação de serviços deixa de ser o elemento de conexão mais à relação jurídica, ao passo que o critério da subordinação, além de proporcionar segurança jurídica, fomenta o combate ao dumping social, mesmo porque as empresas buscam cada vez mais diversificar o seu ambiente de trabalho, não podendo serem penalizadas em razão do sindicato na localidade do domicílio do empregado conter regras menos favoráveis aos trabalhadores de sua categoria profissional.

O critério da subordinação, então, se mostra razoável para adequação das condições de trabalho em situações de teletrabalho transregional, haja vista que a entidade sindical mesma localidade de onde a empresa encontra-se sediada é aquela representa os empregados daquela empresa nas negociações coletivas. Portanto, a entidade sindical localizada no domicílio do empregado ou no local da prestação de serviços, terá um instrumento coletivo que jamais representará aquele teletrabalhador.

O debate em questão está longe de ser pacificado, pois, como vimos, o teletrabalho ainda é uma modalidade muito recente, pouco regulamentada e com poucos precedentes na Justiça do Trabalho.

Contudo, se faz necessária a reflexão, haja vista que o enquadramento sindical incorreto poderá trazer uma série de consequências negativas ao empregador, representando um potencial risco de passivo trabalhista sobre as diferenças de remuneração e benefícios para todos os teletrabalhadores nos últimos cinco anos, assim como pode alijar os direitos dos empregados, precarizando a mão de obra dos telebralhadores.


[i] Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011)

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011)

[ii] SILVA, Leda Maria Messias da; NOVAES, Milaine Akahoshi. Dumping social e dignidade do trabalhador no meio ambiente de trabalho: propostas para a redução da precarização. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 4, n. 43, p. 22-39, ago. 2015.

[iii] Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

[iv] COMPETÊNCIA TERRITORIAL – TRABALHO PRESENCIAL NO EXTERIOR E VIRTUAL NO PAÍS – SUBORDINAÇÃO AO ESTABELECIMENTO DA EMPRESA NO BRASIL – COMODIDADE DO TRABALHADOR – PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA JURISDIÇÃO. 1. Em depoimento pessoal o reclamante recorrente esclareceu ao Juízo que “foi contratado por telefone, quando residia em Curitiba para trabalhar 30 dias em Luanda, Angola e 14 dias no Brasil”.

Portanto, inequivocamente, o foro da contratação do reclamante recorrente é a localidade de Curitiba, Estado do Paraná. Embora o reclamante recorrente afirme que trabalhava no Brasil em sistema de “home office” em Curitiba/PR, Salvador/BA e Belo Horizonte/MG, nenhuma das reclamadas possui estabelecimento na localidade de Belo Horizonte. O teletrabalho ocorre em ambiente virtual e, como tal, não é situado no espaço, não se alterando, portanto, a definição de localidade em Direito do Trabalho estabelecida segundo os princípios jurídicos da lex loci executionis contractus (Súmula no 217 do TST), da loci regit actum e do forum rei sitae (foro da situação do estabelecimento da empresa, no exterior).

A transnacionalização do trabalho e a virtualização da prestação dos serviços não dilui os contornos do espaço territorial do solo brasileiro e nem dissolve o vínculo que o empregado tem com a localidade em que se encontra situada a empresa que o emprega, no Brasil. Desta forma a definição da competência territorial da Justiça do Trabalho para a hipótese do trabalhador brasileiro que presta serviços presenciais no exterior e teletrabalho em solo brasileiro, é ditada por interpretação analógica (artigo 8o, caput, da CLT) do preceito do artigo 651, § 1o, da CLT, que estabelece a regra da competência territorial para hipótese do trabalhado externo (prestado por agente ou viajante comercial), fixando-a na localidade em que a empresa tenha agência ou filial no Brasil, à qual esteja subordinado o empregado na execução do contrato de trabalho presencialmente no exterior e em ambiente virtual no Brasil.

2. O ordenamento jurídico carece de regras claras e precisas sobre a definição da competência territorial, especialmente diante dos questionamentos jurídicos relevantes do presente processo, que envolve a prestação parcial de trabalho presencial no exterior e a prestação parcial de trabalho virtual no Brasil, pelo que rejeitamos os argumentos recursais no sentido de que a competência territorial possa e deva ser estabelecida por comodidade do empregado no foro do seu domicílio, posto envolver questões fundamentais do exercício da jurisdição, dentre elas a soberania nacional, o princípio jurídico da eficiência da Administração da Justiça (artigo 37, caput, CF/88), a garantia da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5o, inciso LXXVIII, CF/88) para ambos os litigantes, pois só a lei pode conferir tratamento privilegiado a qualquer das partes litigantes, para tanto devendo fundamentar a exceção legislativa imposta ao princípio da isonomia de tratamento que emana do artigo 5o, caput, da Constituição Federal de 1988, e cujos termos de cumprimento são ditados para o processo pelos demais incisos da mesma norma constitucional. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00435-2010-016-03- 00-3 RO; Data de Publicação: 18/10/2010; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Milton V. Thibau de Almeida; Revisor: Cesar Machado; Divulgação: DEJT. Página 49).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Voltar ao topo