Decisão que decreta a falência não é sentença: a imprecisão técnica do art. 99 da Lei 11.101/2005.

Quatro notas de 100 dólares pegando fogo

A Lei 11.101/2005 representou a modernização do direito falimentar brasileiro. Substituindo o antigo Decreto-lei 7.661/1945, então revogado, que vigorou por 60 anos, a nova Lei de Falência já conta, ela própria, com 15 anos de vigência.

Apesar de todos os aspectos positivos trazidos pela Lei 11.101/2005 em relação à lei anterior, o objetivo desse pequeno ensaio é apontar e demonstrar a imprecisão técnica havida no art. 99, caput, que diz: “A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações…”.

No nosso ver, o equívoco legislativo – manifesto – é chamar aquela decisão de sentença, porque, efetivamente, ela não é. Vejamos.

O Código de Processo Civil, no art. 203, § 1º define sentença como sendo o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

A falência é uma ação de procedimento especial, que se processa em duas fases: a primeira, que pode ser chamada de fase pré-falimentar, é uma ação de conhecimento, na qual o Estado-juiz, tomando conhecimento dos fatos trazido aos autos, respeitados a ampla defesa e o contraditório, decretará ou não a falência do devedor. É a fase onde é levada ao conhecimento do juiz a situação do devedor. Ela começa com a petição inicial do requerimento da falência (pelo credor ou pelo próprio devedor) e termina com a decretação da falência. A segunda fase ou fase falimentar do processo, iniciada imediatamente após a decretação da falência, estabelece o concurso de credores, promovendo a execução coletiva da falência propriamente dita.

A decisão que julga procedente o pedido e declara a falência não põe fim ao processo. Ao contrário, ela inicia a segunda fase do processo, vale dizer, a fase falimentar, onde se dará o concurso de credores.

Pelo procedimento falimentar, ato contínuo ao decreto da falência, com a nomeação do administrador judicial (art. 99, IX), este deverá efetuar a arrecadação dos bens e documentos do falido (art. 108). Isso demonstra que o processo não acaba, não para, com aquela decisão, segundo para as providências legais determinadas que se fizerem necessária.

Fica, pois, evidente que a natureza jurídica de tal decisão é de decisão interlocutória de mérito (CPC, art. 1.015, II). Não por acaso, o recurso cabível contra ela é o agravo de instrumento (LRF, art. 100), recurso apropriado para decisões de tal natureza.

Aliás, é o próprio art. 100 que dá a cartada final para demonstrar a imprecisão do art. 99, ao proclamar que “da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga a improcedência do pedido cabe apelação”. Veja que ele faz a separação entre as decisões que decreta a falência e a que julga improcedente o pedido. À esta, ele chama de sentença, ao passo que àquela, chama de decisão. Nem mesmo o art. 100 consegue chamar a decisão que decreta a falência de sentença, o que revela, inescondivelmente, o equívoco daquele art. 99.

A Lei 14.112/2020, que promoveu uma ampla reforma na Lei 11.101/2005, poderia ter corrigido o equívoco, mas parece que o legislador não achou importante. Ele achou mais importante substituir “do trabalho” por “trabalhista” (art. 83, I). Questão de preferência. Da minha parte, eu acho importante. Apesar de não mudar em nada a situação na prática, entendo que a questão da melhor técnica deve sempre ser buscada.

E a decisão que decreta a falência não é sentença!

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