Análise da (in)constitucionalidade da exigência prévia de garantia como condição de participação em disputas de Licitações: benchmarking e outras formas de proceder.

Israel Evangelista da Silva
Advogado administrativista, professor universitário de graduação e pós-graduação, servidor público, ex-Diretor Executivo de Compra Pública (2020) e o 7º Superintendente de Licitações do Governo do Estado de Rondônia (2021-2025).

A lei geral de licitações deixou claro quais seriam os objetivos do processo licitatório quando relacionou os quatro indicadores cumulativos previstos no art. 11, que em resumo, são: (1) resultado vantajoso; (2) tratamento isonômico e justa competição, (3) vedação a sobrepreço e inexequibilidade; e (4) incentivo à inovação e ao desenvolvimento nacional sustentável.

Malgrado no art. 37, XXI, da CF, que preconiza a ampla concorrência nas licitações, e que determina a exigência de critérios de qualificação técnica e econômica que sejam indispensáveis ao cumprimento das obrigações, o legislador assentou em um destes três objetivos do art. 11, a justa competição, timidamente prevista na parte b, do inciso II.

Por outro lado, o mesmo legislador possibilitou ao administrador que, ao seu livre alvitre, determine que o licitante recolha a quantia de até 1% do valor estimado da contratação como condição para a participação em disputas de licitação, sendo que o descumprimento de tal garantia tem como cruel penalidade a sua inabilitação.

Esse mecanismo se chama “garantia da proposta”, e segundo a norma do art. 58, poderá ser exigido antes mesmo da apresentação da proposta, como requisito de pré-habilitação.

De se notar que o legislador inaugurou uma nova fase antes não vista, que não é a de habilitação, nem aquela do instrumento de pré-qualificação. Denominou tal fase de “pré-habilitação”. Para o bom exegeta, o termo possui razão de ser: a nomenclatura é porque a comprovação da garantia deve ser o primeiro documento a ser apresentado. Antes mesmo das propostas.

A mesma exigência era vista no art. 31, III, da Lei n. 8.666/1993, mas na ocasião o legislador indicou ser exigível na fase de apresentação do acervo de qualificação econômico-financeira, limitando-a ao mesmo percentil de 1%.

Ademais, em uma intrigante previsão, a lei admite que a execução ou perda do valor integral da garantia deva se operar em dois momentos, sendo: (1) no momento em que houver recusa em assinar o contrato, ou (2) se não houver a apresentação dos documentos de contratação. Esta é a redação do art. 58, § 3º, da Lei.

Porém, o dispositivo exige leitura combinada com o art. 90, § 5º, de modo que a execução da garantia somente deve se operar se as razões de recusa forem injustificadas, e não por mera recusa, como está descrito na primeira redação.

Não ocorrendo estas duas hipóteses, no caso da garantia de proposta, há regra de que o recurso poderá ser devolvido ao licitante no prazo de 10 (dez) dias, contados da assinatura do contrato ou da data em que for declarada fracassada a licitação.

Ademais, as formas de garantia da proposta [ou da execução do contrato], podem ocorrer de quatro formas, didaticamente assim colocados: (1) caução em dinheiro, (2) seguro (3) fiança bancária, ou (4) títulos da dívida pública ou título de capitalização.

Cada uma destas formas tem procedimento próprio, e devem se atentar ao regramento dos artigos 96 e seguintes, no entanto, a Administração Pública, e o licitante também, devem se ater que a previsão da forma, modo, e prazo de apresentação da garantia devem estar descritas no edital da licitação, sob pena de incidir em nulidade.

Curioso é que, diferentemente da garantia da proposta, no caso da garantia contratual – forma usualmente adotada nos contratos em geral -, o legislador foi aparentemente flexível, porquanto possibilita no art. 96, § 3º, que o edital poderá fixar prazo mínimo de 1 (um) mês, contado da homologação da licitação, para a apresentação da garantia escolhida pelo licitante.

As regras para “garantia contratual” são diferentes das destinadas à “garantia das propostas”, e não devem ser confundidas. Cada um tem sua forma e modo de ser, mas todas devem constar, amiúde, no instrumento convocatório.

Resta saber se referida exigência – de garantia de proposta em fase de pré-habilitação -, seria constitucional.

Por óbvio que a previsão legal é dotada de presunção de constitucionalidade e legalidade, modelo que confere ao poder judiciário a prerrogativa de julgar uma norma ou dispositivo e, somente após, o considerar válido ou inválido, quando suscitado.

A discussão, no entanto, se dá em torno de suposta infração ao disposto no art. 37, XXI, da Constituição Federal, segundo a qual nas licitações apenas poderiam haver exigências que sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, em prestígio à competitividade.

Discussão semelhante se fazia à época em que órgãos de controle demonstraram legítima preocupação com a realização de competições de licitação por plataformas privadas, cuja ausência de regulação incidia em verdadeira insegurança jurídica.

O assunto foi objeto de análise pelo Tribunal de Contas da União, e na ocasião o órgão administrativo assentou o entendimento de que tem repelido exigências que impõem aos licitantes incorrer em quaisquer tipos de despesas anteriores à celebração do contrato com a Administração1.

A proibição, tal como fora proposto no citado acórdão, seria em especial aos modelos de cobrança por plataformas privadas que implicam em percentual sobre o valor da licitação, visto que esta forma de cobrança poderia ensejar ganhos vultuosos, mas com o mesmo custo.

Não há dúvidas a respeito do benefício que tais plataformas representam para o direito licitatorial, em especial aos munícipes, mas a utilização de plataformas privadas para processamento de licitações, e principalmente o quantum cobrado para a sua utilização, demanda urgente construção regulatória, e que esteja em consonância com o Art. 37, XXI, da Constituição Federal.

A exigência prévia de garantia, se realizada de maneira correta, muito auxiliará na modernização das compras públicas no Brasil, porém o termo “poderá ser exigida”, descrita pelo legislador no art. 58, embora seja facultado ao administrador, deve ser vista com cautela.

É de bem saber que o Administrador é o último no processo, que o homologa, porquanto é ele o destinatário da instrução processual, embora não seja o dirigente universal do processo.

No entanto, inobstante seja legal e constitucional a norma  – ao menos enquanto não questionada e seja objeto de controle de constitucionalidade ou legalidade -, o sistema processual exige que, nos casos em que pretenda exigi-la, o administrador forme seu convencimento acerca da forma, do momento e do quantum exigível.

Tal convicção deve ser gerada a partir de um estudo preliminar acerca da modelagem de benchmarking, onde se incluem a comparação e análise de práticas, estratégias e resultados de órgão cujos outputs proporcionem a comparação dos produtos, serviços e métodos de execuções de serviços em outros órgãos.

Além disso, a ocasião servirá para verificação prévia do comportamento da iniciativa privada, no aspecto quantitativo (quantas empresas teriam condições de participardo certame) e qualitativa (como se dá a avaliação de resultados da prestação de serviço, obra ou entrega de bens, e qualidade financeira destas empresas).

Desta forma, sugere-se que a decisão por exigir, ou não, a garantia da proposta, seja feita a partir de documentos técnicos e científicos antecedentes, exigindo-se que se implemente estudos preliminares com modelagem de benchmarking, na forma sugerida acima, para verificar a viabilidade da futura competição e evitar onerar excessivamente os licitantes.2

  1. “Nesse sentido, lembro que a jurisprudência pacífica desta Corte foi forjada no sentido de não se criarem restrições aos licitantes que importem custos injustificados (a exemplo do Acórdão 769/2013-TCU-Plenário). Com fundamento na Súmula TCU 272, esta Corte tem repelido exigências que impõem aos licitantes incorrer em quaisquer tipos de despesas anteriores à celebração do contrato com a Administração, em virtude da possibilidade de que tais cobranças funcionem como barreiras artificiais à ampla participação de interessados na licitação”. TCU. Acórdão no 1121/2023 – Plenário. Relator Min. Augusto Sherman. ↩︎
  2. NOTA TÉCNICA N. TC-5/202. Disponível em <https://www.tcesc.tc.br/sites/default/files/leis_normas/NOTA%20TÉCNICA%20N.%20TC%205-2023%20CONSOLIDADA.pdf>. ↩︎

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