Introdução
O presente estudo tem por objetivo analisar a origem do item III da Súmula 244 do TST, por meio da análise de acórdãos precedentes do referido verbete, com vistas a extrair a sua ratio decidendi.
Na sequência, será estudada eventual superação do verbete sumular após a decisão do próprio TST no Incidente de Assunção de Competência n. 5639-31.2013.5.12.0051, que afastou a possibilidade de reconhecimento do direito à garantia de emprego da empregada gestante admitida mediante contrato de trabalho temporário.
Será objeto de análise, ainda, o acórdão proferido pelo STF no RE 629.053/SP, para o fim de se verificar se houve superação da súmula em análise em razão da fixação de tese segundo a qual a garantia de emprego da gestante apenas protege o emprego em face da dispensa sem justa causa, não o protegendo em face de outras modalidades de término do contrato de trabalho, tal como o advento do seu termo.
Pressupostos jurídicos e fáticos dos precedentes. Ratio decidendi
A redação original do item III da Súmula 244 do TST, fruto da conversão da OJ 196 da SDI-1 do TST (editada em 2000), continha entendimento diametralmente oposto: “Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa”.
O entendimento foi revisto em 2012, passando o Tribunal Superior do Trabalhar a entender que “A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea ‘b’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”.
Os precedentes da nova redação sumular são de 2011 e 2012.
Passamos a analisá-los.
O acórdão proferido nos autos de RR n. 107-20.2011.5.18.0006 tratava de caso em que a empregada gestante teve seu contrato extinto com o término do prazo do contrato de experiência, data em que estava grávida. O Tribunal Regional rejeitou o pedido da empregada, ao fundamento de que “os contratos de experiência tem sua extinção com o advento do termo final ou da condição resolutiva, não lhes sendo aplicáveis as garantias de emprego relativas à empregada gestante, pois a extinção do contrato, em face do término prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa”.
Em face desta decisão recorreu a empregada. O TST deu provimento ao recurso de revista, aos seguintes fundamentos:
Estabelece o art. 10, II, “b”, do ADCT/88 que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não impondo qualquer restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho, se a prazo determinado, como é o contrato de experiência, ou sem duração de prazo, mesmo porque a garantia visa, em última análise, à tutela do nascituro.
De modo que o único pressuposto ao direito à estabilidade (e à sua conversão em indenização, caso ultrapassado o período de garantia de emprego), é encontrar-se a empregada grávida no momento da rescisão contratual, fato incontroverso nos autos.
Nesse cenário, forçoso reconhecer que o item III da Súmula nº 244 desta Corte Superior não constitui impedimento a que se reconheça a estabilidade provisória da gestante, na espécie, visto que, na época da rescisão contratual, a reclamante já estava grávida e, portanto, sob o manto protetor da estabilidade constitucional, sendo irrelevante se o contrato de trabalho fora celebrado sob modalidade de experiência, por ser tipo de contrato que poderá ser transformado em prazo indeterminado.
Posta a questão nesses termos, tenho que o entendimento vertido na Súmula nº 244, III, do TST[1] encontra-se superado pela atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que as empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime de trabalho, têm direito à licença maternidade de 120 dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (sem grifos no original).
O acórdão proferido no RR 1601-11.2010.5.09.0068 também cuidou de empregada que teve rescindido o vínculo de emprego ao término do prazo do contrato de experiência, quando estava grávida. E adotou fundamentos idênticos aos acima destacados.
O acórdão do RR 167300-09.2008.5.24.0003 também tratou de contrato de experiência. Destaca-se da fundamentação o seguinte excerto: “O contrato de experiência é, em essência, um contrato por tempo indeterminado com uma cláusula de experiência, ou seja, estaria vocacionado à vigência por tempo indeterminado quando celebrado de boa-fé”.
O acórdão do RR 194040-35.2006.5.02.0472 tratou de caso em que o contrato de experiência foi extinto antes do seu termo, estando a empregada grávida. Os fundamentos adotados foram semelhantes aos acima indicados, acrescentando apenas que “a extinção da relação de emprego não se deu em face do término do prazo de experiência, mas sim pela rescisão antecipada do contrato, por ato da empresa, configurando, portanto, dispensa sem justa causa de empregada coberta por estabilidade provisória constitucional”.
O acórdão proferido no RR 49800-75.2009.5.02.0462 acrescenta que a CRFB consagra entre os direitos sociais “a proteção à maternidade e à infância” (artigo 6º). Invoca o disposto no artigo 5º da LINDB, de forma que devem ser atendidos os fins sociais buscados pela lei.
Analisando o acórdão do RR 6605-52.2010.5.12.0001, destacamos os seguintes fundamentos:
Por outro lado, imperioso admitir que o contrato de experiência distingue-se das demais modalidades de contratação por prazo determinado, por trazer, ínsita, uma expectativa de continuidade da relação entre as partes, as quais aproveita, em igual medida, teoricamente, um resultado positivo da experiência.
Assim, o contrato de experiência tem a particularidade de carregar em sua gênese um desígnio de conversão em contrato por prazo indeterminado.
Portanto, a modalidade de contratação da reclamante – contrato de experiência por prazo determinado – não é capaz de elidir o direito da trabalhadora à estabilidade provisória ou ao recebimento da indenização correspondente aos salários do período ao longo do qual estava protegida pela estabilidade.
Isso porque há uma norma constitucional de ordem pública a assegurá-lo e nem mesmo a própria autora poderia dele dispor. Deve-se observar a finalidade precípua da norma constitucional, que é eminentemente protetiva do nascituro, independentemente de quaisquer outras circunstâncias fáticas envolvendo a contratação.
Por sua vez, o acórdão proferido no RR 21700-25.2009.5.01.0079 tratou de caso em que a empregada foi admitida mediante contrato a termo para a realização de serviços transitórios (venda de cestas natalinas), enquadrado na hipótese do artigo 443, § 2º, “a” da CLT. Não obstante tenha considerado válido o contrato a termo, o C. TST entendeu que essa modalidade contratual não obsta a garantia de emprego prevista no artigo 10, II, “b” do ADCT. Esses foram os fundamentos adotados pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho:
Ressalte-se que a maternidade recebe normatização especial e privilegiada pela Carta de 1988, autorizando condutas e vantagens superiores ao padrão deferido ao homem – e mesmo à mulher que não esteja vivenciando a situação de gestação e recente parto. É o que resulta da leitura combinada de diversos dispositivos, como o art. 7º, XVIII (licença à gestante de 120 dias, com possibilidade de extensão do prazo, a teor da Lei 11.770/2008, regulamentada pelo Decreto 7.052/2009) e das inúmeras normas que buscam assegurar um padrão moral e educacional minimamente razoável à criança e ao adolescente (contidos no art. 227, CF/88, por exemplo).
De par com isso, qualquer situação que envolva efetivas considerações e medidas de saúde pública (e o período de gestação e recente parto assim se caracterizam) permite tratamento normativo diferenciado, à luz de critério jurídico valorizado pela própria Constituição da República. Note-se, ilustrativamente, a esse respeito, o art. 196 que firma ser a saúde “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos…”; ou o art. 197, que qualifica como de “relevância pública as ações e serviços de saúde…”, além de outros dispositivos, como artigos 194, 200, I, e 7º, XXII, CF/88.
A estabilidade provisória advinda da licença maternidade decorre da proteção constitucional às trabalhadoras em geral e, em particular, às gestantes e aos nascituros. A proteção à maternidade e à criança advém do respeito, fixado na ordem constitucional, à dignidade da pessoa humana e à própria vida (art. 1º, III, e 5º, caput, da CF). E, por se tratar de direito constitucional fundamental, deve ser interpretado de forma a conferir-se, na prática, sua efetividade.
Com base nos acórdãos precedentes acima analisados, pode-se dizer que a ratio decidendi do item III da Súmula 244, III, do TST, na redação dada pela Resolução 185/2012, é o fato de o artigo 10, II, “b” do ADCT não impor nenhuma condição quanto à modalidade de contrato de trabalho, não se restringindo aos contratos a prazo indeterminado. Ademais, o contrato de experiência é um contrato que pode ser transformado em contrato a prazo indeterminado. A propósito, é da essência do contrato de experiência a sua vocação para transformar-se em contrato a prazo indeterminado. Há razoável expectativa da empregada de que o contrato será prorrogado ao término do período de prova, violando a boa-fé objetiva a ruptura ao término do prazo, exceto quando a trabalhadora tenha demonstrado inaptidão para o exercício da função.
Além disso, compõe a ratio decidendi do verbete sumular em estudo o fato de que a CRFB prevê como direitos sociais a proteção à maternidade e à infância (artigo 6º) e à saúde (artigo 196), sendo que a proteção do emprego da empregada gestante visa dar concretude a tais direitos, devendo a lei ser interpretada de conformidade com seus fins sociais (artigo 5º da LINDB).
Distinguishing e Overruling do verbete sumular após o julgamento do Tema 2 dos Incidentes de Assunção de Competência do TST e do Tema 497 dos julgamentos com repercussão geral do STF?
Há quem sustente a superação do item III da Súmula em comento, em razão de decisões supervenientes do STF e do próprio TST.
Por ocasião do julgamento do Tema 2 dos Incidentes de Assunção de Competência (IAC – 5639.31.2013.5.12.0051), o TST reviu os termos do item III da súmula em estudo, restringindo o seu alcance.
O incidente tratou da hipótese do contrato temporário de que trata a Lei 6019/1974, tendo sido fixada a seguinte tese: “É inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei n.º 6.019/1974, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
Da leitura do acórdão proferido no citado IAC, percebe-se que os fundamentos da distinção de tratamento entre o contrato de experiência e o contrato temporário se deve ao fato de que naquele é inerente à sua natureza a expectativa de convolação em contrato por prazo indeterminado, ao passo que no contrato temporário essa expectativa não existe, haja vista a transitoriedade da necessidade do serviço.
Destaca-se do acordo o seguinte excerto:
O regime contratual instituído pela Lei nº 6.019/74 se distingue das demais hipóteses de contratação a termo em função das particularidades da finalidade deontológica de sua instituição. O contrato de trabalho temporário tem por finalidade atender a situações excepcionais, sendo absolutamente incompatíveis com o instituto as garantias decorrentes dos vínculos por prazo indeterminado.
A existência de “dispensa arbitrária ou sem justa causa”, referida no art. 10, II, “b”, do ADCT, pressupõe a iniciativa do empregador, e pode ocorrer no contrato de experiência, tendo em vista a presunção de continuidade, decorrente da expectativa de convolação em contrato por prazo indeterminado. O direito da gestante à estabilidade, nessa hipótese, decorre de sua expectativa legítima à continuidade da relação empregatícia, protegida contra a extinção arbitrária do contrato pelo empregador.
Já a extinção do contrato temporário ocorre pelo decurso do prazo máximo previsto na lei e/ou pelo fim da “necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente” ou ao “acréscimo extraordinário de serviços”, requisitos necessários à própria existência da relação contratual. Nesses casos, a extinção da contratualidade não depende de iniciativa do empregador, não havendo como se reconhecer arbitrariedade na dispensa, por se tratar de termos finais estritamente previstos em lei.
Por outro lado, o contrato temporário também não se confunde com o contrato por prazo determinado regulado nos arts. 479 a 481 da CLT. Nessa hipótese contratual, há proteção legal inclusive contra a rescisão antecipada do ajuste, mediante pagamento de indenização pelo empregador (art. 479) ou pelo empregado (art. 480). Tal consequência fundada na CLT é inaplicável ao contrato temporário, como reconhecido pela própria SBDI-1 no E-RR-1342-91.2010.5.02.0203 (Redator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 14/08/2015), como se extrai do voto do Exmo. Redator Designado, Renato de Lacerda Paiva: “o contrato temporário é um contrato especial para atender situação específica, regido por estatuto próprio, e, portanto, não é alcançado por dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho”. Pelo contrário, o art. 12, “f”, da Lei nº 6.079/1974 estabelece indenização diversa e específica, aplicável à hipótese de “dispensa sem justa causa ou término normal do contrato”.
Ademais, a própria lei de regência do contrato temporário, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.429/2017, esclarece que o trabalhador temporário que laborar pelo prazo máximo legal, contadas as prorrogações previstas no diploma, somente pode ser colocado à disposição do mesmo tomador dos serviços após noventa dias do encerramento do contrato anterior (art. 10, § 5º, da Lei nº 6.019/1974). Ainda que tal disposição seja inaplicável à espécie a fim de evitar aplicação retroativa da norma legal, cuida-se de interpretação autêntica do regime, revelando a incompatibilidade do sistema de trabalho temporário com qualquer hipótese de prorrogação do contrato para além dos prazos fixados em lei.
Como se percebe, o fundamento determinante da distinção reside no fato de que o contrato de trabalho temporário é regido por lei própria e decorre de situação excepcional, qual seja, a necessidade transitória do serviço, prevendo a lei de referência (Lei 6019/1974) que é impossível a colocação do trabalhador à disposição do tomador dos serviços antes de decorridos 90 dias do encerramento do contrato anterior. A disposição legal é incompatível com o regime de garantia de emprego, que tem o efeito de protrair o contrato de trabalho, muitas vezes para prazo superior à previsão legal.
O entendimento, todavia, como constou expressamente na fundamentação do acórdão proferido no IAC, se aplica apenas aos casos de contrato temporário, não alcançando outras modalidades de contrato a termo.
Não obstante, há alguns entendimentos turmários em sentido contrário.
A 4ª Turma do TST, no julgamento do RR-1001175-75.2016.5.02.0032, assim decidiu, afastando a garantia de emprego na hipótese de contrato de aprendizagem:
“[…] 1. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. GRAVIDEZ NO CURSO DO CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. SÚMULA Nº 244, III, DO TST. TEMA 497 DA REPERCUSSÃO GERAL DO STF. EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA ERGA OMNES. APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA DA TESE ATÉ A ESTABILIZAÇÃO DA COISA JULGADA (TEMA 360 DA REPERCUSSÃO GERAL). I) Segundo o entendimento consagrado no item III da Súmula n° 244 do TST, “a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”. Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a circunstância de ter sido a empregada admitida mediante contrato de aprendizagem, por prazo determinado, não constitui impedimento para que se reconheça a estabilidade provisória de que trata o art. 10, II, “b”, do ADCT. II). A discussão quanto ao direito à estabilidade provisória à gestante contratada por prazo determinado, na modalidade de contrato de aprendizagem, encontra-se superada em virtude da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 629.053/SP, em 10/10/2018, com a seguinte redação: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa. III) A decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 497 é de clareza ofuscante quanto elege como pressupostos da estabilidade da gestante (1) a anterioridade do fator biológico da gravidez à terminação do contrato e (2) dispensa sem justa causa, ou seja, afastando a estabilidade das outras formas de terminação do contrato de trabalho. Resta evidente que o STF optou por proteger a empregada grávida contra a dispensa sem justa causa – como ato de vontade do empregador de rescindir o contrato sem imputação de justa causa à empregada -, excluindo outras formas de terminação do contrato, como pedido de demissão, a dispensa por justa causa, a terminação do contrato por prazo determinado, entre outras. IV) O conceito de estabilidade, tão festejado nos fundamentos do julgamento do Tema 497 da repercussão geral, diz respeito à impossibilidade de terminação do contrato de trabalho por ato imotivado do empregador, não afastando que o contrato termine por outras causas, nas quais há manifestação de vontade do empregado, como no caso do pedido de demissão (a manifestação de vontade se dá no fim do contrato) ou nos contratos por prazo determinado e no contrato de trabalho temporário (a manifestação de vontade do empregado já ocorreu no início do contrato). Assim, na hipótese de admissão mediante contrato por prazo determinado, não há direito à garantia provisória de emprego prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT. Superação do item III da Súmula 244 do TST pelo advento da tese do Tema 497 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado no RE 629.053, na Sessão Plenária de 10/10/2018. V) A tese fixada pelo Plenário do STF, em sistemática de repercussão geral, deve ser aplicada pelos demais órgãos do Poder Judiciário até a estabilização da coisa julgada, sob pena de formação de coisa julgada inconstitucional (vício qualificado de inconstitucionalidade), passível de ter sua exigibilidade contestada na fase de execução (CPC, art. 525, § 1º, III), conforme Tema 360 da repercussão geral. VI) Recurso de revista de que não se conhece.” (TST-RR-1001175-75.2016.5.02.0032, 4ª Turma, rel. Min. Alexandre Luiz Ramos, julgado em 4/8/2020. – Informativo TST n. 222)
A mesma Turma decidiu de modo idêntico no RR 1001345-83.2017.5.02.0041 (Informativo do TST n. 230).
Com a devida vênia à decisão da E. 4ª Turma do TST, a leitura do acórdão proferido pelo C. STF no RE 629.053/SP não permite concluir que houve superação do item III da Súmula 244 do TST. Com efeito, a discussão que foi objeto do citado julgamento do STF não girou em torno do cabimento da garantia de emprego no contrato por prazo determinado. O tema em discussão estava restrito à exigência de conhecimento do empregador acerca do estado gravídico da empregada.
Neste sentido, pede-se vênia para transcrever o voto do Ministro Alexandre de Moraes, a partir do qual foi fixada a tese vinculante:
O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, se caracterizando como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.
Como ressaltam Canotilho e Vital Moreira,
“a individualização de uma categoria de direitos e garantias dos trabalhadores, ao lado dos de caráter pessoal e político, reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o trabalhador (exactamente: o trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade” (Constituição da república portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 285).
Esse novo e importante significado dos direitos sociais previsto constitucionalmente caracteriza-os como normas de ordem pública, ou seja imperativas, invioláveis e irrenunciáveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista, como apontado por Arnaldo Sussekind,
“essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho, uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal; mas sem violar as respectivas normas. Daí decorre o princípio da irrenunciabilidade, atinente ao trabalhador, que é intenso na formação e no curso da relação de emprego e que se não confunde com a transação, quando há res dubia ou res litigiosa no momento ou após a cessação do contrato de trabalho” (SÜSSEKIND, Arnaldo. Comentários a Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989. v. 1. p. 332).
A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e, nos termos do inciso I, do artigo 7º, o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa da gestante.
Sob essa ótica, a proteção contra dispensa arbitrária da gestante, caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurar-lhe o gozo de outros preceitos constitucionais – licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável –; quando da criança, pois a ratio da norma não só é salvaguardar outros direitos sociais da mulher – como, por exemplo, o pleno gozo do direito a licença maternidade – mas também, efetivar a integral proteção ao recém nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego –, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador).
A imprescindibilidade da máxima eficácia desse direito social duplamente protetivo é reafirmada pelo art. 10, inciso II do ADCT, ao estabelecer que “até que seja é reafirmada promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”.
Em suma, a fim de se garantir uma estabilidade econômica à gestante para que ela tenha, durante a gravidez, e, depois, nos primeiros meses, que comprovadamente pela medicina e pela ciência são os meses mais importantes de proximidade da mãe com filho, a Constituição e o ADCT estabeleceu um período em que se garantiu uma estabilidade econômica para auxiliar numa instabilidade psicológica da mãe; e isso obviamente auxiliando toda a gestação e esses cinco meses, auxiliando o início de vida da criança. A ratio dessa norma, a meu ver, não é só o direito à maternidade, mas também a absoluta prioridade que o art. 227 estabelece de integral proteção à criança, inclusive, ao recém-nascido. É um direito de dupla titularidade. Não entendo aqui que deve se tratar de dolo, culpa, responsabilidade objetiva. Não! É, insisto, a constatação da efetividade máxima – e esse é um dos critérios interpretativos de todos os direitos fundamentais, entre eles, uma das espécies, os direitos sociais -, a efetividade máxima de um direito social, direito à maternidade, no seu direito instrumental, a proteção contra dispensa arbitrária da gestante que protege, também, ao recém-nascido do art. 227; não entendo que se deva aqui exigir um requisito a mais, exigir requisito formal; não a confirmação, mas um aviso formal da existência da gravidez. O que a Constituição exige, a meu ver, termo inicial, com todo respeito a posição contrária eminente Ministro Marco Aurélio, o que o texto constitucional coloca como termo inicial é a gravidez. Constatado que houve gravidez antes da dispensa arbitrária, incide a estabilidade, não importa, a meu ver, que o timing da constatação ou da comunicação tenha sido posterior. O que importa é: Estava ou não grávida antes da dispensa? Para que incida essa proteção, para que incida a efetividade máxima do direito à maternidade, o que se exige é gravidez preexistente à dispensa arbitrária. O desconhecimento por parte da gestante, ou a ausência de comunicação – até porque os direitos sociais, e aqui a maternidade enquanto um direito também individual, são irrenunciáveis -, ou a própria negligência da gestante em juntar uma documentação e mostrar um atestado não pode prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido durante aqueles cinco meses. Obviamente, se não conseguir comprovar que a gravidez era preexistente à dispensa arbitrária, não haverá incidência desse direito social.
Senhor Presidente, concluindo, o que se exige, para mim, é a presença de um único requisito, é um requisito biológico: gravidez preexistente à dispensa arbitrária, mesmo que, após a dispensa, a gestante tenha o conhecimento e consiga comprovar. O requisito é biológico para o reconhecimento da estabilidade provisória e, consequentemente, o direito à indenização, se foi dispensada, é o único requisito. E, no caso concreto, não se discute que houve a gravidez preexistente à dispensa, o que se discute exatamente é que era desconhecida também da gestante e só foi avisada ao empregador após a dispensa. Não importa, a meu ver, porque a gravidez é preexistente.
Nesses termos, peço novamente vênia ao eminente Ministro Relator e voto pelo desprovimento do recurso extraordinário, com a formulação da seguinte tese: “A incidência da estabilidade prevista no art. 10, II, do ADCT somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa”.
Como se verifica da leitura do voto condutor do acórdão do STF no RE 629.053, os fundamentos determinantes da tese fixada são o fato de a garantia de emprego ser um direito social não só da empregada gestante, mas também da criança, possuindo dupla titularidade. Ou seja, a norma do artigo 10, II, “b”, do ADCT visa proteger a maternidade e também garantir a proteção integral da criança (artigo 227 da CRFB).
Portanto, o acórdão do STF não limitou a garantia de emprego às hipóteses de contrato por prazo indeterminado, mas sim buscou dar máxima efetividade aos direitos sociais, reconhecendo apenas um requisito para o reconhecimento da garantia de emprego: a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa.
A expressão dispensa sem justa causa mencionada na tese fixada pelo STF deve ser entendida a partir da conjugação dos elementos do acórdão (artigo 489, § 3º, do CPC), não podendo ser compreendida em seu sentido estrito (de extinção do contrato por prazo indeterminado por iniciativa do empregador), mas sim em seu sentido mais amplo, qual seja: a terminação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador quando possível a sua continuidade, ainda que a admissão tenha se dado mediante contrato a termo. Isso em razão de que a fundamentação do acórdão do STF se baseou na máxima efetividade dos direitos sociais, não se podendo dar interpretação restritiva à disposição do artigo 10, II, “b”, do ADCT.
Assim, quer nos parecer que não houve superação da Súmula 244, III, do TST pelas recentes decisões do STF e do TST, mas apenas um distinguinshing (IAC 2), estabelecendo que não cabe a garantia de emprego única e exclusivamente à empregada admitida mediante contrato temporário de que trata a Lei 6019/1974, sendo garantido o emprego da gestante nas demais modalidades de contrato de trabalho a termo.
[1] O acórdão fez referência à Súmula 244, III, na sua antiga redação: “Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa”.
****O texto é de autoria do Dr. William Alessandro Rocha, autor da obra Teoria e Prática da Sentença Trabalhista