Visão crítica da Lei 14.151/21: Afastamento da empregada gestante do trabalho presencial.

Mulher grávida com as mãos na barriga

No dia 13 de maio entrou em vigor a Lei 14.151/21, oriunda do Projeto de Lei 3932/2020, que determina o afastamento compulsório da empregada gestante do trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração, enquanto durar a pandemia do coronavírus. Não obstante seja de fundamental importância a proteção à gestante e ao nascituro, a referida Lei trouxe diversas lacunas, as quais poderiam ter sido supridas no curso do processo legislativo, mas que, propositadamente, não o foram.

Dentre as lacunas trazidas temos, por exemplo, as situações em que (i) a atividade da empregada gestante é incompatível com o teletrabalho; (ii) a condição pessoal da gestante não possibilita a alteração de função para desempenho da atividade em teletrabalho; (iii) a gestante já foi vacinada. Tendo em vista a inexistência de ressalvas no texto sancionado, mesmo nas hipóteses acima aventadas é imperioso que seja feito afastamento da empregada gestante sem prejuízo do salário.

Todavia, durante a breve tramitação do Projeto de Lei 3932/2020 – que teve início em 27/08/2020 – todas essas questões foram levantadas, sendo propostas 12 emendas ao texto original das quais, algumas delas, foram muito oportunas, vejamos:

  • EMENDA Nº 00004[1]

Propunha a inserção do §2º ao art.2º, sugerindo a seguinte redação:

“§ 2º A empregada afastada nos termos do caput poderá a qualquer tempo retornar às atividades presenciais caso apresente ao empregador manifestação escrita de sua vontade e a devida justificativa, cabendo ao empregador o aceite ou não de seu retorno”.

Com fundamento no inciso XII, da CF/88, que estabelece ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, buscou a proposta garantir a autonomia da vontade da empregada gestante, dando a esta o direito de, caso quisesse, manifestar seu interesse de retornar ao trabalho presencial.

  • EMENDA Nº 00005[2]

Propunha a alteração da redação do art.2º, nos seguintes termos:

“Art. 2º Durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, a empregada gestante tem o direito de permanecer afastada de atividades de trabalho presencial, até 30 dias após ser completamente vacinada, sem prejuízo de sua remuneração.”

A proposta de emenda atrelou o retorno às atividades presenciais à vacinação. Há quem defenda que estar vacinado não significa estar completamente imunizado, dado ao fato de que a vacina não tem 100% de eficácia. Todavia, se considerarmos a vacinação, atrelada a autonomia da vontade da empregada prevista na proposta de Emenda 00004, seria razoável, nesta condição, permitir que a gestante retornasse às atividades presenciais.

  • EMENDA Nº 00006[3]

Propunha a inclusão dos parágrafos 2º e 3º ao art.2º, trazendo a seguinte redação:

“§ 2º Caso a atividade exercida pela empregada gestante não possa ser realizada a distância, fica facultado ao empregador adotar plano de contingenciamento que preveja designação para setores de menor risco, realização de rodízio de escalas de jornada e horários de trabalho diferenciados.

§ 3º Caso a atividade exercida não possa ser realizada na forma prevista nos §§ 1º e 2º deste artigo, a empregada gestante será considerada licenciada, conforme dita o caput do art. 63 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ficando sua remuneração mantida nos termos dos arts. 59 a 63 da referida lei.”

A Emenda 00006 preocupou-se em dar solução aos casos em que a atividade da empregada gestante fosse incompatível com o teletrabalho, propondo a adoção pelo empregador de um plano de contingência, permitindo à trabalhadora gestante exercer suas atividades com o mínimo de segurança.

Na impossibilidade de teletrabalho e de adoção de medidas de contingenciamento, a Emenda propôs que a empregada gestante fosse considerada licenciada, para fins de percepção de salário-maternidade.

  • EMENDA Nº 00007[4]

Propunha a inclusão do parágrafo 2º ao art.2º, trazendo a seguinte redação:

§ 2º Sempre que não for possível que a trabalhadora exerça suas atividades laborais na forma do § 1º, a gestação será considerada de alto risco, sendo devido o pagamento de salário-maternidade, nos termos da do art. 394-A, § 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, bem como dos arts. 71 a 73 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, durante o período de afastamento, sem prejuízo de sua concessão regular”.

Nesta proposta, a solução apontada tem o mesmo efeito daquela prevista na Emenda 00006, atribuindo ao INSS a obrigação de efetuar o pagamento integral da remuneração da empregada gestante nos casos em que não for possível exercer as atividades de forma remota.

Todas as propostas de emenda analisadas, embora relevantes, foram rejeitadas. Segundo o Parecer do Plenário[5], embora as emendas apresentadas tivessem o intuito de aperfeiçoar o PL nº 3.932, de 2020, optou-se “pelo seu não acolhimento, para evitar o retorno da proposição à Câmara dos Deputados”.  O parecer pontou, ainda, que “a necessidade de pronta tutela à obreira gestante é incompatível com a natural demora no processo legislativo decorrente de nova deliberação da Câmara dos Deputados”.

Ou seja, em detrimento da celeridade, restaram prejudicadas a análise de questões relevantes, mormente porque a grande maioria dos empregadores[6], que também vêm sofrendo com os efeitos econômicos da pandemia, são pequenas e microempresas que certamente enfrentarão dificuldades para manter o pagamento de salário da empregada gestante afastada, e ainda, contratar outro empregado para substituí-la.

Importa ressaltar que não se está a criticar a proteção do Estado dirigida à empregada gestante, mas sim a conduta do poder legislativo que, ao tentar resguardar os direitos da gestante, onerou indevidamente a iniciativa privada. A pandemia trouxe, e ainda traz, muitos desafios à tutela jurídica dos direitos fundamentais dos trabalhadores, mas há que se ter cuidado para que essa tutela não implique, de forma reflexa, na extinção dos postos de trabalho.


[1] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8952287&disposition=inline

[2] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8952290&disposition=inline

[3] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8952318&disposition=inline

[4] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8952321&disposition=inline

[5] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8952650&ts=1621545532182&disposition=inline

[6] De acordo com dados do Ministério da Economia, o país possuía, no fim do ano passado, 19,9 milhões de empresas abertas no país, das quais 11,2 milhões eram de microempreendedores individuais (MEIs) – 56,6% do total. (https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/02/02/brasil-registra-saldo-positivo-de-23-milhoes-empresas-abertas-em-2020-diz-ministerio-da-economia.ghtml)

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