A responsabilidade do direito consumerista por vício no produto

Homem aproximando seu cartão de crédito para efetuar pagamento

Resenha: Quais as consequências e direitos do consumidor quando ocorre vício no produto adquirido, à luz do CDC e da jurisprudência sobre o tema.

Adquirir bens é prazeroso, ainda mais se for um bem durável, tal como um automóvel ou um eletrônico. Porém, todo o contentamento gerado pela compra pode se tornar um martírio quando o produto não se encontra adequado para o uso. É o denominado, no Código de Defesa do Consumidor – CDC, como vício do produto.

A legislação consumerista, reconhecendo a hipossuficiência do consumidor frente a cadeia de produção e a responsabilidade dos fornecedores pelos defeitos que o bem ofertado no mercado apresentar, dispôs de um leque de opções para sanear o vício.

Antes disso, cabe rememorar que, para o CDC, toda a rede produtiva é denominada fornecedor, vale dizer, são as empresas que “desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”[1].

Bem por isso, todos eles são objetivamente[2], sem aferição de culpa, responsáveis solidários “pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas”[3].

Em razão dessa solidariedade, não pode o revendedor do produto, por exemplo, querer se furtar da responsabilidade pelo vício alegando que cabe ao produtor o dever de reparar o defeito apresentado. Se o consumidor apresenta o produto imperfeito na loja em que adquiriu, descabe o lojista dizer que não poderá adotar as medidas cabíveis para resolver o problema.

Aliás, essa responsabilidade legal, repita-se, de todos que participam da oferta dos bens, duráveis ou não,  exige que o vício seja sanado, em regra, em até trinta dias[4]. Em regra, pois este prazo pode ser ajustado, “não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias”[5], cabendo no contrato de adesão a manifestação expressa do consumidor quanto ao novo prazo estipulado.

Sobre isso, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ já deliberou que é escolha do consumidor decidir em qual local irá exercer o seu direito de reparo em trinta dias: “levar o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante”[6]. Foi esposado o entendimento que:

“Vale ressaltar que o comerciante, em regra, desenvolve uma relação direta com o fabricante ou com o representante deste; o consumidor, não. Por isso também, o dispêndio gerado para o comerciante tende a ser menor que para o consumidor, sendo ainda possível àquele exigir do fabricante o ressarcimento das respectivas despesas. Logo, à luz do princípio da boa-fé objetiva, se a inserção no mercado do produto com vício traz em si, inevitavelmente, um gasto adicional para a cadeia de consumo, esse gasto deve ser tido como ínsito ao risco da atividade, e não pode, em nenhuma hipótese, ser suportado pelo consumidor, sob pena de ofensa aos princípios que regem a política nacional das relações de consumo, em especial o da vulnerabilidade e o da garantia de adequação, a cargo do fornecedor, além de configurar violação do direito do consumidor de receber a efetiva reparação de danos patrimoniais sofridos por ele” [7].

Não sendo extirpado o vício, no tempo legal ou convencionado, emerge o direito do consumidor de escolher, de maneira alternativa, as seguintes opções: “I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço”[8].

Veja que não cabe ao fornecedor a escolha, mas ao consumidor lesado pelo vício que não fora sanado. É a ele, dentre as alternativas, a opção que melhor lhe atende. Sobre o tema, o STJ já decidiu que “cabe  ao  consumidor, independentemente  de justificativa, optar pela substituição do bem, pela restituição do preço, ou pelo abatimento proporcional”[9].

A propósito, em um caso envolvendo produto que apresentou reiterados defeitos, a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal garantiu a restituição dos valores pagos:

“4. Constatado o vício de produto no prazo de garantia, o fornecedor tem o prazo máximo de trinta dias para solução do problema, nos termos do art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor – CDC, findos os quais o consumidor pode exigir, alternativamente e à sua escolha, a substituição do produto, a restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço (art. 18, § 1º, incisos I, II e III, do CDC). Segundo o art. 18, § 3º, do CDC, tais alternativas podem ser exigidas de imediato quando se tratar de produto essencial e de vício com ampla extensão. A recorrida/autora deseja a devolução dos valores pagos, o que há de ser assegurado. 5. (…) No caso, a apresentação reiterada de defeitos demonstra que o vício não foi sanado no prazo de 30 dias, pois o problema relatado em 07/12/2017 novamente se apresentou em 02/08/2018 e 06/09/2018. Diante disso, cabível a restituição de valores, até o limite da apólice”[10].

De fato, muitas vezes, o defeito não corrigido retirou a confiança do consumidor no produto, não sendo suficiente a mera troca por outro igual ou o abatimento do preço. Basta imaginar, um carro que apresenta um defeito grave que deixa o consumidor receoso com a marca. O mesmo veículo não satisfaz a contento o vício apresentado.

Não obstante, a escolha pela restituição imediata da quantia paga, devidamente atualizada, não dá o direito de o consumidor reter o bem com defeito. Isso porque a devolução do produto é corolário lógico da restituição do valor pago, o retorno ao status quo ante das partes, sob pena de gerar o enriquecimento sem causa do consumidor, situação vedada pelo ordenamento jurídico[11].

A terceira turma do STJ já deliberou que é “obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pelo fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória”[12]. Foi ponderado que:

“A boa-fé objetiva, na sua função de controle, limita o exercício dos direitos subjetivos e estabelece para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de se ater aos limites por ela traçados, sob pena de uma atuação antijurídica. Por sua vez, a venire contra factum proprium, é o exercício de uma posição jurídica desleal e em contradição com o comportamento anterior do exercente.

Constitui obrigação do consumidor devolver o veículo viciado à fornecedora, sob pena de afronta ao art. 884, do Código Civil, de vez que o recebimento da restituição integral e atualizada do valor pago, sem a devolução do bem adquirido, ensejaria o enriquecimento sem causa do consumidor” [13].

Por extensão, também descabe reter o bem com defeito se outro da mesma espécie é dado em troca em perfeitas condições. Se o bem foi substituído por outro semelhante, a devolução do defeituoso ao fornecedor se impõe.

Com efeito, o direito, ainda que com função protetiva da parte mais fraca na relação de consumo, não agasalha a torpeza do consumidor, a tentativa de querer os dois, com evidente locupletamento ilícito.

Enfim, pode-se concluir, à luz do CDC e da jurisprudência pátria, que o melhor para o Consumidor é ter um produto sem falhas ou imperfeições. Porém, o CDC, reconhecendo que numa produção em massa é possível que ocorra problemas, fraqueou, a princípio, tempo razoável para que o fornecedor responsável, vale dizer, toda a cadeia produtiva, corrija a falha. Não sendo a mácula solucionada, nasce para o consumidor três alternativas para que decida qual a melhor: i) substituição do produto por outro semelhante, ii) restituição imediata da quantia paga, devidamente atualizada, iii) ou abatimento proporcional do preço.


[1] Art. 3º do CDC.

[2] Art. 12 do CDC.

[3] Art. 18 do CDC.

[4] Art. 18, § 1º, do CDC.

[5] Art. 18, § 2º, do CDC.

[6] REsp 1.634.851-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 12/09/2017, DJe 15/02/2018.

[7] REsp 1.634.851-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 12/09/2017, DJe 15/02/2018.

[8] Art. 18, § 2º, do CDC.

[9] AgInt no Resp nº 1.540.388-SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em: 30/05/2019, DJe 10/06/2019.

[10] Acórdão 1226800, 07121460920188070009, Relator: Eduardo Henrique Rosas, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 30/1/2020, publicado no DJE: 6/2/2020.

[11] Art. 884 do Código Civil.

[12] REsp 1.823.284-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 15/10/2020.

[13] REsp 1.823.284-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 15/10/2020.

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