
A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e a posterior edição da Lei Complementar nº 214/2025 representam, sem sombra de dúvidas, um marco histórico na trajetória do sistema tributário brasileiro. Trata-se de um dos maiores desafios institucionais e, ao mesmo tempo, de uma das maiores oportunidades de transformação estrutural para o país. O texto legal está definitivamente posto, mas o que será construído a partir dele depende, em grande medida, de um processo contínuo e complexo, que envolve regulamentações infraconstitucionais, escolhas técnicas, decisões políticas, o engajamento dos entes federativos e, principalmente, o envolvimento consciente, qualificado e responsável da sociedade, do setor produtivo, da comunidade jurídica, dos profissionais da contabilidade e de todos aqueles que, direta ou indiretamente, lidam com o sistema tributário nacional.
A Reforma Tributária inaugura um novo capítulo na tributação do consumo no Brasil, promovendo a substituição do modelo anterior, caracterizado por sua fragmentação, complexidade, insegurança jurídica e elevado custo de conformidade, por um sistema mais simples, racional, eficiente e alinhado às melhores práticas internacionais. Com a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unificam-se, respectivamente, o ICMS e o ISS, no caso do IBS, e o PIS e a Cofins, no caso da CBS. Além disso, o novo modelo impacta diretamente na racionalização da tributação do IPI e na estruturação de um sistema tributário mais coeso, transparente e menos sujeito a litígios.
É importante destacar que o desenho adotado para o novo sistema brasileiro não foi construído do nada. Ele se inspira no modelo consagrado do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), já implementado em mais de 170 países e reconhecido como uma das estruturas tributárias mais eficientes, transparentes e menos distorcivas no campo da tributação do consumo. Contudo, o sucesso dessa transformação profunda não se esgota no texto da Constituição Federal ou na legislação complementar. As etapas seguintes, notadamente as regulamentações infraconstitucionais, terão papel determinante para concretizar, de forma efetiva, os princípios constitucionais da não cumulatividade ampla, da tributação no destino, da simplificação, da transparência, da neutralidade e da segurança jurídica.
A qualidade técnica e jurídica das normas regulamentares, a transparência dos processos decisórios, o diálogo entre o Poder Público e o setor produtivo e a capacidade de adaptação dos contribuintes às novas exigências serão fatores cruciais para o sucesso dessa reestruturação tributária. Nesse contexto, destaca-se o protagonismo do Comitê Gestor do IBS e da CBS, órgão colegiado previsto na Lei Complementar nº 214/2025, composto por representantes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Caberá a esse Comitê regulamentar as obrigações acessórias, operacionalizar o ambiente digital nacional unificado, assegurar o pleno funcionamento do split payment (pagamento fracionado automático), promover a integração entre os diversos fiscos e viabilizar, na prática, a materialização do novo modelo tributário.
As decisões desse colegiado, bem como a qualidade técnica das regulamentações que serão editadas, serão determinantes para assegurar a coerência, a harmonia e a efetividade do sistema, prevenindo o ressurgimento de conflitos de competência, disputas federativas e inseguranças jurídicas que tanto prejudicaram o ambiente de negócios no Brasil ao longo das últimas décadas.
Ademais, as empresas, os profissionais da área tributária e contábil, os consultores e os gestores públicos precisam estar atentos ao complexo e delicado período de transição que se avizinha. Até o ano de 2033, coexistirão dois sistemas tributários no Brasil: o antigo e o novo. Essa convivência exigirá planejamento estratégico, revisão profunda dos processos internos, investimentos em tecnologia, capacitação de equipes e acompanhamento rigoroso das regulamentações e orientações emanadas das autoridades competentes. As oportunidades de ganhos de eficiência, de redução do custo de conformidade, de diminuição de litígios e de estímulo à competitividade são reais e concretas, mas só serão plenamente aproveitadas por aqueles que estiverem devidamente preparados para essa nova realidade.
A Reforma Tributária oferece ao Brasil a possibilidade de construir um sistema tributário mais simples, transparente, moderno, neutro, competitivo e justo. Um sistema capaz de reduzir o contencioso tributário, estimular investimentos produtivos, fomentar o crescimento econômico sustentável, promover maior justiça fiscal, reduzir as desigualdades regionais e sociais e fortalecer o pacto federativo. Mas essa promessa, por mais ambiciosa e necessária que seja, só se concretizará se todos os atores envolvidos — Poder Público, setor privado, academia, profissionais técnicos e a sociedade civil organizada — atuarem de forma responsável, colaborativa, propositiva e tecnicamente qualificada.
O momento exige estudo aprofundado, compreensão detalhada das mudanças, participação ativa nos debates públicos e institucionais e o comprometimento de todos com a construção de uma nova realidade tributária para o país. A legislação está posta, mas a realidade concreta que ela produzirá depende diretamente das escolhas, dos ajustes, da fiscalização, do aprimoramento contínuo e, sobretudo, da capacidade coletiva de implementar o novo modelo com seriedade, eficiência e visão de longo prazo.
O futuro tributário do Brasil, a partir de agora, é um campo aberto de possibilidades e desafios. Cabe a cada um de nós, cidadãos, empresários, gestores públicos, profissionais técnicos e estudiosos do Direito Tributário, semear, com responsabilidade e competência, as bases para que, no tempo devido, possamos colher os frutos de um sistema tributário mais justo, mais eficiente, mais moderno, mais transparente e verdadeiramente alinhado às melhores práticas internacionais de tributação sobre o consumo. Essa é, sem dúvida, uma tarefa que exige preparo, compromisso e consciência do papel que todos temos na construção desse novo cenário para o Brasil.
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Reforma Tributária – Lei Complementar nº 214/2025 Comentada
Autor: Renaldo R. Júnior
Análise prática da Reforma Tributária: IBS, CBS, Imposto Seletivo, EC 132/2023 e LC 214/2025. Riscos, novos tributos, transição fiscal e compliance empresarial.
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