Israel Evangelista da Silva
Israel Evangelista da Silva é advogado administrativista, professor universitário de graduação e pós-graduação, ex-Diretor Executivo de Compra Pública (2020) e o 7º Superintendente de Licitações do Governo do Estado de Rondônia (2021-2025).
LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Muito se diz a respeito da nova previsão da Lei Geral de Licitações no tocante à nova exigência, para habilitação econômico-financeira, da apresentação de balanço patrimonial, demonstração de resultado de exercício e demais demonstrações contábeis dos 2 (dois) últimos exercícios sociais.
A redação do caput, por sua vez, não é novidade, mas vem causando dificuldade na interpretação. Exige-se, por este dispositivo, que a capacidade econômica-financeira deverá ser comprovada de forma objetiva, por coeficientes e índices econômicos previstos no edital.
A análise conjunta dos dispositivos, leva-nos a entender que a Administração Pública deveria apresentar coeficientes e índices econômicos que fossem aptos a demonstrar a capacidade econômica da licitante em 2 anos consecutivos – aqueles que antecedem a disputa.
Passamos às análises de ambas as vértices.
Exigência de demonstração de resultado de exercício e demais demonstrações contábeis dos 2 (dois) últimos exercícios sociais – breve análise do Artigo 69, I, da Lei Geral de Licitações.
Quanto à exigência de índices pelo prazo de dois anos, a doutrina vem se posicionando quanto à prejudicialidade da concorrência nas licitações, se exigido critérios auspiciosos como comprovação.
Embora a intenção da lei seja válida, a exigência de demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios sociais pode se revelar ineficiente e até prejudicial em certos casos. Empresas em fase de crescimento, que apresentam bons resultados no último exercício social analisado, podem ser excluídas do processo licitatório se tiverem enfrentado dificuldades financeiras no exercício anterior. Essa situação pode ocorrer por diversos motivos, incluindo crises econômicas, investimentos significativos em expansão ou reestruturações internas.
Marcus Alcântara e Ronny Charles L. de Torres. Lei n. 14.133/2021 e a exigência de balanço patrimonial dos 2 (dois) últimos exercícios sociais: uma análise crítica.
Com acerto, os autores citados suscitam a tese de que a Constituição Federal (Artigo 37, XXI), ao tratar sobre o tema habilitação, fixou requisitos limitados ao cumprimento da garantia das obrigações contratuais.
No mesmo sentido o caput do Artigo 69, da Lei Geral, quando expressa que “a habilitação econômico-financeira visa a demonstrar a aptidão econômica do licitante para cumprir as obrigações decorrentes do futuro contrato”.
É neste ponto que, a meu ver, reside a convicção da autoridade julgadora, afeta à incursão no acervo probatório da causa, circunstância que o faz gerar decisão a partir dos fatos e comprovações juntadas nos autos.
O destinatário da instrução probatória e o dirigente do processo, no momento da sessão, é o agente de contratação, sendo de sua incumbência determinar as providências e as diligências imprescindíveis à instrução do processo, bem como decidir sobre os termos e os atos processuais, desde que não atue em contrariedade à disposição legal.
É porque esta é a redação literal do Art. 8º, da Lei Geral.
A exigência de demonstrativos contábeis dos dois últimos exercícios sociais, com a obrigatoriedade de cumprimento de índices mínimos em ambos, mostrar-se-ia desarrazoada, mas esta razoabilidade deve ser analisada caso a caso, e quem decide é a autoridade julgadora, mas pautada em estudos técnicos promovidos na fase de planejamento.
Deve ser considerado, ainda, o aparente pretexto de se exigir aptidão econômica em balanços por 2 (dois) anos consecutivos, embora possa não ser exclusivamente para fins econômicos, pode vir a ser para que se possibilite analisar tendências e detectar indícios de fraude.
Neste sentido, as informações constantes nos demonstrativos contábeis dos 2 últimos exercícios sociais podem, e devem, ser analisadas qualitativamente, considerando o contexto específico do mercado onde se insere a empresa, seus planos de crescimento e investimentos recentes, assim como eventuais intersecções outras.
Forma de comprovação objetiva, por coeficientes e índices econômicos, previstos no edital – breve análise do Art. 69, caput, da Lei Geral de Licitações.
O primeiro passo é entender o que representam os termos “coeficientes” e “índices econômicos”.
O primeiro termo trata de técnicas para verificar, através de percentual somado a outra raiz – variação patrimonial, por exemplo -, se a empresa, apenas com seus próprios recursos, sobreviveria no mercado (Czerski, et al).
O segundo termo, “índice econômicos”, é o percentual que permite acompanhar o desempenho do no cenário econômico em que a organização se insere, e que tende levá-la à otimização de lucros e a redução dos impactos negativos sobre os seus investimentos (Regert, et al. A IMPORTÂNCIA DOS INDICADORES ECONÔMICOS, FINANCEIROS E DE ENDIVIDAMENTO COMO GESTÃO DO CONHECIMENTO NA TOMADA DE DECISÃO EM TEMPOS DE CRISE).
Os termos “coeficiente de variação” e “índices econômicos”, utilizados pelo legislador, não seria outro senão exigir que sejam avaliadas as variações patrimoniais das licitantes, sejam elas quantitativas ou qualitativas, para avaliar a sua situação econômica, possibilitando inferências sobre tendências futuras maléficas que possam afetar a Administração Pública.
O nível de escolha pelos coeficientes e índices, a forma de sua cobrança e o percentual, variam de acordo com o estudo implementado pelo órgão. Mesmo porque, o art. 18, IX, da Lei Geral assegura que é no planejamento que se deve avaliar a motivação circunstanciada das condições do edital quanto à qualificação econômica.
Isto é, no momento do mapeamento de mercado, fase 4 da trilha de planejamento.
Didaticamente, a referida trilha seria um incidente no planejamento, cujas fases seriam assim entendidos: (1) mapeamento dos problemas, (2) escolha do desafio público, (3) descrição do desafio, (4) mapeamento do mercado, (5) decisão por contratar e como contratar, (6) a definição do instrumento de contratação.
Para se ter um norte, a setorial de planejamento deve se pautar na lei e nos atos normativos regulamentares. Como o legislador não esclareceu como calcular tais índices, caberia à norma infralegal o fazer, assim como foi a Instrução Normativa n. 5, de 25 de maio de 2017.
Embora a norma citada seja anterior à Lei Geral, e a nosso entender tenha perdido a vigência, serve para nortear a forma de implementação deste estudo.
A norma expressamente menciona que, para análise das condições de habilitação econômico-financeira, a Administração deverá exigir “balanço patrimonial e demonstrações contábeis referentes ao último exercício social, comprovando índices de Liquidez Geral (LG), Liquidez Corrente (LC), e Solvência Geral (SG) superiores a 1 (um)”.
Lembrando que a regra do Art. 69, §§ 2º e 5º, da Lei Geral, é que é vedado exigir índices não usualmente adotados para a avaliação de situação econômico-financeira, ou com valores que extrapolam o necessário para atestar que a empresa possui condições de executar o contrato.
Ademais, o § 1º, ressalta que a critério da Administração, poderá ser exigida declaração, assinada por profissional habilitado da área contábil, que ateste o atendimento pelo licitante dos índices econômicos previstos no edital.
Mas, na prática, são encontradas previsões diversas.
No Tribunal de Contas da União, por exemplo, a solução adotada foi exigir que os indicadores previstos no edital sejam calculados para cada exercício financeiro, de forma a apresentar dois conjuntos de indicadores relativos a cada período a que se referem as demonstrações contábeis. Em outros estados, no entanto, a cobrança serve apenas para nortear mas não inabilitar, necessariamente.
A crítica feita pelos autores Alcântara e Torres (Op. Cit.), é que a aferição isolada de índices contábeis extraídos dos 2 exercícios sociais, para fins de inabilitação, pode ser ineficiente ao afastar empresas em crescimento que apresentam bons resultados no último exercício.
Conclusão
Entendendo, portanto, que a apresentação dos balanços servem, sobretudo, para possibilitar a análise de tendências aptas a gerar a convicção da autoridade julgadora – o que se extrai do trecho “demonstrar a aptidão econômica”, previsto no texto da lei, não parece ser razoável exigir dos licitantes de maneira desarrazoada a comprovação de suficiência econômica e financeira através de coeficientes e índices em dois exercícios seguidos.
Igualmente, não parece ser crível que o legislador permitisse a escolha por exigir apenas o balanço patrimonial de 1 (um) exercício social, uma vez que o dispositivo é taxativo.
Desta forma, é de se concluir que:
1- a exigência editalícia deve ser aquela descrita na norma – balanço patrimonial, demonstração de resultado de exercício e demais demonstrações contábeis dos 2 (dois) últimos exercícios sociais -, e devem ser analisados objetivamente, através de índices previstos no planejamento e transcrito para o Edital;
2- para formulação de critérios objetivos que possibilite análise fidedigna, deve a Administração Pública, no momento da trilha de planejamento, avaliar a necessidade casuística – caso a caso – das exigências de comprovação de qualificação econômica-financeira, de acordo com o mapeamento de mercado.
3- ao prever “demonstrar a aptidão econômica do licitante para cumprir as obrigações decorrentes do futuro contrato”, deduz-se que o legislador adotou como sistema de valoração das comprovações o da persuasão racional, também chamado sistema do livre convencimento motivado, segundo o qual o julgador administrativo é livre para formar seu convencimento, exigindo-se que o mesmo apresente os fundamentos de fato e de direito.
4- é aconselhável que, no julgamento administrativo, a autoridade julgadora considere a conjugação dos itens anteriores para a formulação de sua convicção, se atentando aos efeitos reais de sua decisão, em cumprimento ao Art. 20, e 22, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.
Referências
BRASIL, Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos. Lei Federal n. 14.133, de 1 de abril de 2021.
BRASIL, Instrução Normativa n. 5, de 25 de maio de 2017, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.
Czerski, Francieli Laskovski. Schneider, Fabiane. Coeficientes de variação patrimonial: análise econômica financeira sobre as demonstrações contábeis da cooperativa Coopagrícola. Disponível em: https://aprepro.org.br/conbrepro/2019/anais/arquivos/10202019_011014_5dabe006dfa98.pdf. Acesso em 11, nov. 2024.
Regert, Rodrigo. Gilberto, Medeiros Borges. Mara, Sandra. Baade, Joel Haroldo. A IMPORTÂNCIA DOS INDICADORES ECONÔMICOS, FINANCEIROS E DE ENDIVIDAMENTO COMO GESTÃO DO CONHECIMENTO NA TOMADA DE DECISÃO EM TEMPOS DE CRISE. Disponível em: https://periodicos.uniarp.edu.br/index.php/visao/article/view/1579/837. Acesso em 11, nov. 2024.
Alcântara, Marcus. Torres, Ronny Charles L. de. Lei n. 14.133/2021 e a exigência de balanço patrimonial dos 2 (dois) últimos exercícios sociais: uma análise crítica. Disponivel em: https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2024/08/Artigo-Final-A-exigencia-do-balanco-patrimonial-dos-ultimos-dois-anos-4.pdf. Acesso em 11, nov. 2024.