A impenhorabilidade do bem de família visa proteger o executado quanto ao seu mínimo existencial, sobretudo a casa utilizada como moradia familiar e os bens móveis que a guarnecem[1]. Em relação aos bens imóveis, há duas modalidades de bem de família: o legal (Lei nº 8.009/90) e o voluntário (arts. 1.711 e 1.712 do CC).
À luz do complexo normativo acerca do tema, define-se bem de família legal como sendo
o imóvel residencial destinado à moradia permanente da entidade familiar, compreendendo o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza, os móveis e utilidades domésticas que guarnecem a residência, além dos vestuários e pertences de uso pessoal dos integrantes da família, em qualquer caso ressalvado os bens de elevado valor que ultrapassam as necessidades comuns do padrão mediano de vida[2].
O instituto do bem de família é oponível à execução trabalhista, conforme previsão expressa no “caput” do art. 3º da Lei nº 8.009/90. No entanto, como nenhuma regra é absoluta, a própria norma em referência elenca as hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de família, dando-se destaque ao inciso III, segundo o qual “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução […], salvo se movido: […] III – pelo credor de pensão alimentícia, […]”.
Em razão da indefinição do alcance da expressão “pensão alimentícia”, e considerando que o espírito da norma visa proteger o destinatário da pensão, que dela depende para assegurar sobrevivência própria e da família, em atenção ao princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88), é indeclinável concluir que esta regra de exceção abrange:
(a) o pensionamento oriundo do dever de prestar alimentos do direito de família (artigo 1.694 do CC); e
(b) a obrigação alimentar com origem em ato ilícito de qualquer espécie, praticado pelo devedor, na qual se insere o pensionamento fixado em sentença trabalhista em razão de acidente do trabalho “lato sensu”, que gerou incapacidade funcional do trabalhador ou, ainda, na hipótese em que o infortúnio laboral tenha ceifado sua vida, deixando dependentes, nos termos do art. 7º, XXVIII, da CF/88, e arts. 186, 948, 950 e 951 do CC.
Neste sentido, caminha a jurisprudência pacífica do STJ: “[…] as exceções à impenhorabilidade estão previstas nos incisos do artigo 3º, da lei retromencionada, sendo que, entre elas, figura o crédito decorrente de pensão alimentícia (art. 3, inciso III, da Lei n. 8.009/90), que pode se originar tanto de relação familiar quanto de ato ilícito. Dessa forma, tem-se que o bem de família pode ser penhorado para garantir dívida oriunda de pensão mensal por ato ilícito, como ocorre na presente demanda conforme sentença anexada […]”. (STJ – REsp 1818992 MG 2018/0315414-4 – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – Data de Publicação: 07/08/2019)
Em reforço desta compreensão interpretativa, destaca-se o seguinte precedente na seara trabalhista: “BEM DE FAMÍLIA. […] PENSÃO ALIMENTÍCIA DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. ENQUADRAMENTO. […] As normas constitucionais enunciativas de direitos fundamentais têm, em sua maioria, natureza de princípios, devendo ser resolvida eventual colisão conforme o postulado da proporcionalidade. Se tal ponderação é realizada legitimamente pelo legislador, deve ser respeitada. É o caso da Lei 8.009/90, que traz rol taxativo de exceções ao bem de família, entre as quais se enquadra o pagamento de pensão alimentícia – inclusive aquela fixada em decorrência de ato ilícito. Precedentes do C. STJ”. (TRT2 – 1ª Turma – AP 01804009120085020472 SP – Rel(a) Des(a) Lizete Belido Barreto Rocha – Data de Publicação: 21/05/2012)
Destarte, em sede de execução trabalhista, a impenhorabilidade de bem de família não pode ser oposta à execução de pensão alimentícia vitalícia decorrente de acidente do trabalho “lato sensu”, nos exatos termos do artigo 3º, inciso III, da Lei nº 8.009/90.
Na prática, deve-se ter muita atenção à natureza dos títulos constantes da sentença exequenda, que passam desapercebidos por vários credores trabalhistas no momento de impugnar a alegação do devedor de impenhorabilidade do bem de família, cujo detalhe pode ser crucial para a solução efetiva da execução trabalhista.
[1] GUIMARÃES, Rafael; CALCINI, Ricardo; JAMBERG, Richard Wilson. Execução trabalhista na prática, Leme: Mizuno, 2021, p. 268.
[2] GUIMARÃES, Rafael; CALCINI, Ricardo; JAMBERG, Richard Wilson. Execução trabalhista na prática, Leme: Mizuno, 2021, p. 269.