Após exaustivos debates acerca da vacinação na população brasileira referente a Covid-19, recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, autorizou o uso emergencial das vacinas Coronavac e Oxford para iniciar o processo de imunização na rede nacional de saúde.
Pesquisa divulgada pelo site RealTime Big Data, apontou que do número total de entrevistados, 69% pretende aderir a vacina, 25% não planejam se vacinar, e os outros 6% não souberam ou não responderam à pesquisa realizada.
A polêmica em torno da compulsoriedade da vacina se intensificou de tal forma que o assunto foi objeto de decisão através do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) o qual firmou entendimento no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587 e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, no sentido de que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei nº 13.979/2020.
Em seu voto, o Ministro Ricardo Lewandowski, pontuou ainda que “a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”.
Inobstante a vacinação tenha sido centralizada pelo Ministério da Saúde, as empresas, preocupadas com a imunização de seus empregados, vêm se antecipando a essa realidade, através da intensão de aquisição das vacinas contra a Covid-19, possibilidade esta que foi negada pelo Governo Federal.
Nesse sentido, pode então o empregador exigir do empregado que este se submeta a vacina?
E caso o empregado rejeite em ser vacinado, pode o empregador efetivar a sua demissão por justo motivo, sob o argumento de que este poderia contaminar os demais colaboradores da empresa?
Antes mesmo de adentrar ao mérito da questão, faz-se necessário relembrar que em seu voto o Ministro Relator Lewandowski salientou que a vacinação obrigatória é realidade no Brasil há muito tempo, estando prevista em diversos dispositivos legais, como por exemplo, a Lei nº 6.259/1975, regulamentada pelo decreto nº 78.231/1976, detalhando a implementação do Programa Nacional de Vacinações no Brasil.
Posteriormente, complementou que a Portaria nº 597/2004, do Ministério da Saúde, a qual instituiu os calendários de vacinação em todo território nacional, e definiu, também, como se daria, na prática, a compulsoriedade das imunizações neles estabelecidas, prevê em seu artigo 5º, § 5º que é obrigatório, para efeitos de contratação trabalhista, a exigência da apresentação do comprovante de vacinação. In verbis:
“§ 5º Para efeito de contratação trabalhista, as instituições públicas e privadas deverão exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria”.
Assim, de acordo com o artigo acima colacionado, existe regra expressa no tocante a vacinação obrigatória para fins de admissão no emprego, isto é, pode o empregador não contratar um novo empregado, caso esse não esteja com as vacinas constantes do Programa Nacional de Vacinação atualizadas.
Quanto a manutenção do vínculo empregatício, inexiste no ordenamento jurídico brasileiro regra legal determinando que o empregado esteja com todas as vacinas em dia para dar continuidade ao contrato de trabalho.
Frisa-se que o referido artigo é expresso apenas quanto a vacinação obrigatória em relação aquelas presentes no calendário e de acordo com as faixas etárias estabelecidas nos Anexos I, II e III da Portaria em comento, a qual, até o presente momento não foi atualizada, não havendo, dessa forma, diretrizes acerca da obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19.
De igual forma, não há previsão legal, nem ao mesmo posicionamento jurisprudencial contundente, que permita a dispensa por justo motivo do empregado que se recuse a se submeter a vacinação contra o Coronavírus.
Isso porque, o ordenamento jurídico brasileiro não concede tamanha liberdade ao empregador por meio do seu poder diretivo, vez que, para a aplicação da pena de justa causa, além da imediatidade e proporcionalidade da pena, a considerada falta grave cometida pelo obreiro deve estar prevista em lei, inexistindo esse último requisito quando o empregado se nega a vacina.
Há também a necessidade de o empregador analisar cada caso em particular, isso porque, por se tratar de uma nova doença e não haver estudos conclusivos sobre a eficácia e os efeitos colaterais das vacinas, a Organização Mundial da Saúde recomendou que pessoas gestantes, lactantes ou alérgicas a algum composto presente na vacina, não devem se submeter a vacinação.
Todavia, seguindo a lógica do entendimento consubstanciado pelo STF acerca da obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19, no qual haverá restrições para quem não quiser ser vacinado, nada obsta que o empregador, aplique sanções ao empregado que não queira tomar a vacina, estando tais atos condizentes com os limites legais conferidos ao poder diretivo, previsto no artigo 2º da CLT.
Além disso, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho editou a nota técnica SEI 56376/2020, a qual estabelece que, para fins previdenciários, a Covid-19 poderá ser considerada como doença ocupacional se a perícia médica comprovar o nexo causal entre o trabalho e a contaminação do empregado.
Assim, mais uma vez, impõe-se ao empregador o dever providenciar um ambiente de trabalho com redução dos riscos inerentes a saúde por meio de normas de saúde, higiene e segurança, seguindo, rigorosamente, as recomendações de prevenção das autoridades de saúde, como, o uso obrigatório de máscaras pelos empregados no horário de trabalho, distanciamento adequado, flexibilização de horário, alternância de jornada remota e presencial para evitar aglomerações etc.
E, considerando que o contrato de trabalho é bilateral, cabe aos empregados, nos moldes do art. 158, da CLT, colaborar com a empresa na aplicação das normas relativas à segurança e medicina do trabalho, constituindo ato faltoso do empregado a recusa injustificada dos mandamentos previsto no artigo supracitado.
Soma-se a tal fato que, nos moldes do art. 7º, inc. XXII da Constituição Federal, são direitos dos trabalhadores, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Ademais, o art. 196 da Constituição Federal, também estabelece que a saúde é considerada um direito fundamental, devendo todos contribuírem para a redução dos riscos de doenças, não sendo apenas dever do empregador, mas de toda a coletividade.
Com isso, considerando todo o novo contexto em que se enquadra as relações laborais, e a ausência de jurisprudência quanto ao tema, há de se ter cautela quando se pretender dispensar, por justo motivo, um empregado que se recuse a vacina, vez que, há necessidade de se realizar análise rigorosa dos casos individualmente, considerando, inclusive os motivos da recusa para a vacinação.