Temos, atualmente, uma problemática envolvendo a classe de trabalhadores sob demanda via aplicativos, de modo que, existem diversos entendimentos quanto a verdadeira relação jurídica envolvendo estas partes, surgindo, assim, a dúvida: Estaríamos diante de uma típica relação de emprego, nos moldes estabelecidos pelo artigo 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho? Ou não?
Nos dias atuais existe um elevado número de demandas envolvendo esses trabalhadores, na qual pleiteia-se o reconhecimento do vínculo de emprego, seja motorista, seja entregador e, diante da falta de um regramento jurídico próprio, muitas dúvidas surgem sobre a verdadeira essência desta relação contratual.
Será que diante do surgimento das novas tecnologias é preciso também que as novas modalidades de trabalho necessitem de uma regulamentação? Será que essa regulamentação colocaria em risco toda uma construção histórica de princípios e normas que norteiam o contrato de trabalho?
Ao que nos parece, a falta de normas sobre a temática pode trazer a insegurança jurídica os envolvidos nesta relação contratual, e daí surge a necessidade de um estudo aprofundado, para que, então, a partir desta análise técnica, possam surgir soluções adequadas a esta nova realidade.
É fato claro e notório que, com a chegada de novas tecnologias, muitas mudanças ocorreram no campo das relações de trabalho, inclusive na forma de desenvolvê-lo. Quem poderia imaginar, em um passado não tão distante, que hoje os aparelhos de telefone celular teriam tantas funções e aplicativos, aliás, nos dias atuais, a finalidade para o qual foi criado pouco é utilizada, qual seja, realizar ligações telefônicas.
Se, por um lado as novidades tecnológicas trouxeram melhorias para a sociedade, como a facilidade de locomoção no transporte, que até então não existia, por outro lado, essas mesmas tecnologias não abrangeram as garantias para estes trabalhadores, que beneficiam toda a sociedade e muitas vezes, as custas de sua própria saúde e segurança.
Conforme preceitua o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, para que alguém possa ser considerado empregado, é necessário que o trabalho seja prestado por pessoa física, de maneira não eventual, sob a dependência do seu empregador e que haja a contraprestação pelo serviço prestado (salário), ou seja, são cinco os requisitos: subordinação, habitualidade, onerosidade, pessoalidade e pessoa física.
Ademais, tendo conhecimento do conceito de empregado, se faz extremamente importante identificar o conceito de empregador contido no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, pois neste caso, o empregador será a empresa que irá admitir e assalariar os trabalhadores, assumindo o risco da atividade empresarial.
Os requisitos da relação de emprego são cumulativos, e, por isso, a ausência de um deles implica no não reconhecimento da relação. Nesta linha de raciocínio, a grande discussão surge no campo da subordinação jurídica, pois, a forma de realização das atividades pelo trabalhadores não segue a ideia clássica contida nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, vez que com as inovações tecnológicas, a intermediação desse serviço é feita por uma plataforma digital, sendo este o argumento utilizado pela empresa para não registrar esses trabalhadores, sustentando que faz apenas a conexão destes com os usuários, não possuindo qualquer poder de controle e gestão sobre esta atividade.
É incontroverso que a revolução tecnológica impactou as formas de trabalho, inclusive no que diz respeito a subordinação, vez que, atualmente, não é necessário que o trabalhador esteja dentro da empresa para que possa ser controlado ou fiscalizado, sendo que isto pode acontecer de outras maneiras, e de forma mais rigorosa.
E é justamente neste ponto que surge a controvérsia, pois seria preciso analisar, tecnicamente, se o motorista possui total e plena autonomia para desempenhar o seu trabalho. Se o trabalho pode ser desempenhado livremente pelo trabalhador. Se a não observância das regras e condutas impostas pela empresa podem gerar sanções e penalidades. Se é feita análise destas situações ou apenas uma falsa ideia de liberdade, já que estaria sujeito ao controle da empresa.
As mudanças e novidades tecnológicas vem acontecendo em uma velocidade sem precedentes, e, assim, a subordinação vem sendo realizada de outras formas que até então não seriam possíveis em um passado próximo, evoluindo no tempo, o que não implica dizer necessariamente que ela deixou de existir.
O Direito é uma ciência e como tal deve acompanhar as transformações sofridas ao longo do tempo, todavia, não se pode perder de vista que as mudanças, embora sejam necessárias, deve sempre proteger a dignidade da pessoa humana.
É inquestionável que os trabalhadores que se encontram nesta zona cinzenta necessitam de um grau de proteção, pois se assim não for, haverá afronta aos direitos e garantias fundamentais, ao valor social do trabalho e a efetividade do Direito do Trabalho, que fora construída ao longo da história.
O transporte individual de passageiros por motoristas de aplicativos é uma realidade, assim como diversas outras formas de trabalho pós pandemia, razão pela qual, a fim de evitar-se que injustiças e excessos aconteçam, se faz necessário, urgentemente, regulamentar esta questão.
É imprescindível que sejam criadas soluções jurídicas para este assunto. O mundo mudou e o Direito acompanha esta evolução. De fato, a quarta revolução industrial irá trazer fortes impactos aos contratos e as relações de trabalho, como já aconteceu no passado, não se pode fechar os olhos para esta realidade, todavia, e em que pese estas mudanças sejam inevitáveis, é importante garantir ao trabalhador, sempre, um trabalho digno e com padrões aceitáveis de civilidade. Em hipótese alguma o presente estudo tem por objetivo exaurir o tema, mas fica claro que, da mesma forma que a tecnologia tem crescido rapidamente, as soluções jurídicas também carecem de regulamentação urgente, concluindo-se que enquanto não houver uma legislação disciplinando o assunto, continuaremos a ter entendimentos diversos pelo Poder Judiciário e a consequente insegurança jurídica.