O necessário (e tardio) falecimento das aulas expositivas no ensino do Direito.

coach motivando e animando sua enorme plateia

O tradicional método expositivo é uma das técnicas mais antigas no campo do ensino e consiste na figura do professor apresentar aos alunos (mudos e imóveis) um tema, analisando-o e explicando-o, muitas vezes sem oferecer oportunidade para perguntas ou discussão.

Ocorre que, não é de hoje que a eficiência desse método é fortemente questionada: “Estudos após estudos indicam que o método expositivo é muito ineficaz: a transmissão é eficiente, mas a recepção é quase desprezível”[1].

Com o fenômeno da disseminação do ensino a distância, potencializada pelas medidas de segurança adotadas pelo Ministério da Educação (MEC) para minimizar o risco de contágio do vírus Covid-19, percebemos que esta metodologia, já deficiente no ensino presencial, parece-nos ainda mais ineficaz na aprendizagem a distância.

Não podemos ignorar, também, que as atuais mudanças no mundo do trabalho e no futuro da profissão jurídica exige que o (recém) profissional do Direito seja dotado de competências e habilidades, que por sua vez, não são possíveis de serem desenvolvidas por meio do ensino meramente expositivo.

Diante destas vertentes e considerando que a aula expositiva é, incontestavelmente, o modelo mais representativo do ensino tradicional brasileiro, em especial no campo de Direito, parece-nos que uma transformação na forma de ensinar é impreterível.

Por muitos anos, o método pedagógico expositivo de ensino foi o único conhecido. O filósofo alemão Johann Friedrich Herbart[2] (1776-1841) muito contribuiu para consolidá-lo:

Herbart elaborou uma metodologia sedutora e fácil, um plano sistemático de lição que teve enorme sucesso na medida em que pode aplicar-se a qualquer disciplina e a qualquer intenção, e na medida em que fornece ao professor a segurança de um caminho bem traçado, sem obstáculos e sem surpresas[3].

Não podemos deixar de reconhecer que esse método foi muito aceito e aplicado no passado, com fácil aderência por quem ensina:

Esta técnica [a técnica expositiva] tem ampla aplicação no ensino de todas as disciplinas e em todos os níveis. Consiste na exposição oral, por parte do professor, do assunto da aula. É a técnica mais usada em nossas escolas [no Brasil][4].

Porém há anos autores fazem críticas à técnica expositiva, isto porque compreendeu-se que o aluno não deve ser colocado como um sujeito passivo na aprendizagem e que a mente humana é originalmente ativa.

Apesar de ao longo dos anos terem sido desenvolvidos métodos para aprender e ensinar que trazem abordagens mais dinâmicas, no Brasil, em especial nas Instituições de ensino de Direito, ainda se costuma despejar conhecimento sobre o aluno, como queria Herbart.

Percebemos, talvez com algum exagero, que os professores na área de Direito parecem conhecer apenas a técnica expositiva, alicerçados a “justificativa” de que a área exige maior transferência de informação e conteúdo.

Em sua obra Pedagógica da autonomia[5], Paulo Freire[6] (2007)enumera os saberes necessários à prática educativa: 1) Não há docência sem discência; 2) ensinar não é transferir conhecimento; 3) ensinar é uma especificidade humanada.

Como bem pontuado pelo Educador (1921-1997) “há uma quase enfermidade da narração. A tônica da Educação é preponderantemente esta – narrar, sempre narrar” (FREIRE, 2010, p. 65).

Observamos que o ensino em forma de discurso apenas favorece aquele que ensina, porque ele executa os atos previamente planejados, sem qualquer interferência ou surpresa. O aluno, por sua vez, é submetido ao ato de memorizar, não lhe sendo permitido pensar e desenvolver argumentos, de modo que sua ausência passa a ser prescindível, bastando fotocopiar as anotações de um colega e ler.

Outra objeção ao método é a respeito da compreensão do propósito do professor e do aluno em sala de aula. Em uma aula expositiva o foco passa a ser exclusivamente no professor que fala e explica o conteúdo, sendo que o aluno deveria ser o âmago do sistema. O professor deve provocar questões e motivar os alunos a chegarem nas respostas, incentivando o seu desenvolvimento.

A Harvard Business School (HBS)[7] foi pioneira ao inovar os métodos de ensino dos seus alunos em 1924.

Desde aquela época a Instituição de ensino percebeu que os alunos precisavam interagir, discutir, fazer observações e trocar experiências, sendo que ao professor cabia apenas administrar a conversa, fazer observações e perguntas. O método chamado “estudo de caso” coloca a Instituição, até os dias atuais, Líder em rankings educacionais. No Brasil, quase nenhuma universidade tenta replicar essa metodologia.

Em busca de melhorar o método de ensino, a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), ambas em Lorena, alteraram a disposição das salas de aulas, colocando os alunos em círculos e o professor no centro, podendo percorrer por toda a classe e interagir com os estudantes.

Apesar de se notar pequenos esforços na tentativa de se aprimorar a abordagem no ensino, poucas Universidades encaram esse movimento. Há uma grande resistência sobretudo no ensino do Direito.

Mas se o método expositivo se demonstra deficiente em aulas presenciais, com o surgimento do ensino a distância (EAD), que já é realidade crescente há alguns anos, percebemos, claramente, que esta forma de ensino já não mais se adapta às demandas de aprendizagem do aluno contemporâneo.

Existem muitas definições para a Educação à Distância (EAD), uma das que melhor se encaixam é descrita por Vidal e Maia em sua dissertação, relatada por Garcia Llamas “a educação à distância é uma estratégia educativa baseada na aplicação da tecnologia à aprendizagem, sem apresentar limitação de lugar, tempo, ocupação ou idade dos estudantes. Ela apresenta novos caminhos para os alunos e também para os professores, com novas atitudes e novas abordagens metodológicas[8] (grifo nosso).

O ensino a distância, portanto, não deixa de ser uma modalidade inclusiva que amparou o ensino tradicional e se mostrou ideal para boa parte da população desfavorecida economicamente e para aqueles que, devido localidade ou tempo, não conseguiam frequentar uma sala de aula, ampliando, assim, o acesso à educação.

Todavia, apesar dos benefícios, essa forma de estudo demanda maior autonomia do aluno e métodos alternativos de ensino pelo professor para manter a concentração e motivação na aprendizagem.

Somos seres concebidos para nos conectar uns com os outros e essa interatividade também tem uma função relevante nos métodos de ensino. O professor precisa criar estratégias para interagir com os alunos e saber como a sua informação foi assimilada, além de promover a comunicação entre os próprios alunos para troca de experiências e conhecimento, o que pode ser um desafio em aulas virtuais, em especial quando gravadas.

Não podemos deixar de mencionar que a Educação passa por um momento alarmante. Com a necessidade de isolamento social devido a pandemia mundial causada pelo vírus Covid-19 e as medidas de segurança adotadas pelo MEC, muitos alunos e professores foram submetidos a migração repentina para modalidade de ensino a distância, sem qualquer preparo.

O ensino a distância, se não adaptado, pode causar um aprendizado improdutivo e outros malefícios como exposto pelo professor da faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Daniel Cara: “Esse vai ser um período mais do que perdido. Eu lamento dizer para os pais que acreditam nisso, que não está funcionando. As crianças estão ficando esgotadas e não estão aprendendo. No fim da pandemia, essas crianças vão ter problemas decorrentes de saúde mental, pela pressão que está sendo exercida”.[9]

Se ainda não estivéssemos convencidos de que o método expositivo de ensino é ultrapassado e não se adapta a realidade atual, o panorama que vem se formando e o futuro das profissões jurídicas não deixa dúvidas.

Já há tempos as Instituições de ensino do Direito estão falhando em capacitar advogados para o mundo real do trabalho, no qual memorizar leis e redigir petições processuais não se faz suficiente.

O universo do Direito transcende o que é ensinado nas faculdades e para “sobreviver” o profissional precisa saber negociar, administrar, gerir, liderar, calcular, convencer, e possuir diversas outras competências que a formação jurídica nas universidades, em sua maioria, não desenvolvem.

Atualmente, as grades curriculares das faculdades de Direito se encontram ainda mais discrepante com realidade do futuro da profissão, em especial porque com a revolução tecnológica que está afetando a área em grande proporção, o exercício da profissão está se transformando e exigindo dos recém-formados maior qualificação e conhecimento em outras áreas, como programação e matemática.

Também não há como ignorar que o mundo do trabalho, em geral, vem exigindo dos profissionais habilidades interpessoais, as famosas “soft skills[10], ou seja, a desenvoltura satisfatória nas adversidades do dia-a-dia.

Habilidades e competências como essas não são desenvolvidas com o método de ensino expositivo. É necessário aplicar métodos de aprendizagem interativos, colocando os alunos para desenvolver projetos, enfrentar desafios e obstáculos com os quais podem se deparar na vida real.

Observamos, portanto, que aulas expositivas (há tempos) não atendem as demandas de aprendizagem, sendo a ineficiência agravada com as mudanças e adaptações para o modelo de ensino a distância e, com a revolução no mundo do trabalho que, embora seja de fácil reconhecimento, poucas Universidades de Direito estão aderindo as suas grades curriculares disciplinas multidisciplinares e métodos de ensino interativos.

Assim, cabe a nós, estudantes e profissionais, exigir dessas Instituições de ensino maior qualificação, aprimoramento e modernização da metodologia, a fim de refletir no melhor preparo do profissional de Direito no mundo do trabalho.


[1] Texto original (em inglês): “Study after study indicates that this expository method is very ineffective – the transmission is efficient but the reception is almost negligible” HEUVELEN, Alan Van. Learning to think like a physicist: a review of researchbased instructional strategies. American Journal of Physics, Melville, v. 59, n. 10, p. 895, out. 1991.

[2] Filósofo, psicólogo e pedagogista. Fundador da pedagogia como disciplina acadêmica.

[3] CLAUSSE, Arnould. A relatividade educativa: esboço de uma história e de uma filosofia da escola. Coimbra: Almedina, 1976. p. 258 [Título original (em francês): La relativité educationnelle, 1975.

[4] NÉRICI, Imídeo Giuseppe. Introdução à didática geral: dinâmica da escola. 7. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1968. p. 258.

[5] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 35. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. 146 p. [A primeira edição é de 1996.]

[6] Educador e filósofo brasileiro, considerado um dos pensadores mais notáveis da história da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica.

[7] Famosa escola de negócios, com sede em Boston, nos Estados Unidos. Líder absoluta em rankings educacionais, pela instituição já passaram altos executivos muito bem-sucedidos como Sheryl Sandberg, COO do Facebook, George W. Busch, que já comandou  governo dos EUA, e Michael Bloomberg, dono da gigante de informações sobre o mercado financeiro, por exemplo.

[8] VIDAL, Eloísa Maia; MAIA, José Everardo Bessa. Introdução à educação a distância. RDS Editora. 2010.

[9] BRASIL DE FATO. BDF Entrevista “Esse vai ser m período mais do que perdido para a educação”, afirma Daniel Cara. Publicado por José Eduardo Bernardes em 25 de Abril de 2020. [https://www.brasildefato.com.br/2020/04/25/esse-vai-ser-um-periodo-mais-do-que-perdido-para-a-educacao-afirma-daniel-cara]

[10] Termo em inglês utilizado no Brasil para definir habilidades comportamentais, competências subjetivas difíceis de avaliar. Traduzido para o português como “habilidades interpessoais”.

Photo by Jaime Lopes on Unsplash

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