Principais leis no direito do trabalho e o papel do RH na aplicabilidade da LGPD

Duas mulheres em conversa em uma mesa de madeira e parede de tijolos.
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Resenha: As mudanças trazidas pela Lei Geral de Proteção de Dados no fluxo de trabalho do setor de Recursos Humanos das empresas.

O trabalho é um direito fundamental de todo o ser humano, sendo assim reconhecido em abrangência internacional desde o Tratado de Versalhes, assinado em 1919, tendo sido incluído na Declaração Universal dos Direitos Humanos no ano de 1949.

No Brasil, é importante destacar o fato de que o direito ao trabalho também goza deste mesmo prestígio, uma vez que é reconhecido não como direito fundamental, como também social, possuindo, ainda, vinculação direta com a ordem econômica, inclusive, visando garantir a dignidade da pessoa humana, de acordo com o que está previsto nos artigos 1º, incisos II, III e IV; 6º, 7º e 170, VIII, todos da Constituição Federal pátria.

É interessante frisar o conceito trazido por um dos principais doutrinadores pátrios acerca do que vem a ser direito do trabalho: “o ramo da ciência jurídica constituído de um conjunto de principios, regras, valores, institutos destinados à regulação das relações individuais e coletivas entre empregados e empregadores, bem como de outras relações de trabalho normativamente equiparadas à relação empregatícia, tendo por escopo a progressividade da proteção da dignididade humane das condições sociais, econômicas, culturais e ambientais dos trabalhadores.”[1]

Feito este breve resumo sobre a evolução do reconhecimento e conceituação do direito do trabalho no Brasil, é importante destacar que as fontes do direito do trabalho são diversas, citando como exemplo a Consolidação das Leis do Trabalho, leis infraconstitucionais, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções, portarias, regulamentos, sentenças normativas, acordos e convenções coletivas, dentre outros[2].

A principal lei que rege o direito do trabalho no Brasil é a própria Constituição Federal que traz em seu bojo uma série de direitos e garantias de direitos sociais relacionados ao trabalho, mais precisamente nos artigos 6º a 11), sendo que logo depois vem o Decreto Lei 5.452, de 1º.05.1943, conhecido como Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e que se trata da reunião de normas de direito material e processual do trabalho, direito administrativo, sindical, penal, dentre outros que se interligam com questões relacionadas às relações jurídicas trabalhistas.

Atualmente, além da CLT,  temos diversas outras leis que regulamentam as relações de trabalho e também de emprego, como é o caso da Lei nº. 8.036/1990 que regula o direito ao FGTS; Lei nº. 8.213/91, que versa sobre estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho e doença de origem ocupacional, além de dispor sobre questões de ordem previdencária; Lei da Greve (Lei nº. 7.783/88), Lei de Reorganização de Portos (Lei nº. 12.815/2013); Lei que dispõe sobre participação nos lucros e resultados (Lei nº. 10.101/2000); Lei nº. 7.418/1985, que dispõe sobre vale-transporte, dentre outras, como é o caso das normas da própria Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Percebe-se que dentro do conceito de empregado e/ou de trabalhador, sempre estaremos diante de uma pessoa natural, detentora de direitos e garantias fundamentais, como é o caso da dignidade humana, intimidade, privacidade e autodeterminação, sendo certo que os respectivos dados pessoais deverão ser manipulados pelos empregadores quando dos processos envolvendo toda a relação jurídica que se estabelece quando da prestação de serviços.

Com isso, um dos setores do Direito mais atingidos pela vigência da Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil (Lei nº. 13.709/2018) é o de Recursos Humanos, uma vez que é o departamento responsável pela gestão, ainda que indireta, pelos processos de seleção, de contratação, inclusive de benefícios, bem como pelas promoções funcionais e salariais e até mesmo pela ingerência nas regras de relacionamento e convivência dos empregados.

Assim, verifica-se que o setor de Recursos Humanos, independente se constituído como departamento próprio do empregador ou contratado para a prestação de serviços terceirizados, se utiliza precipuamente de dados pessoais de pessoas físicas, inclusive com o tratamento de dados considerados sensíveis, para a execução de trabalhos que auxiliam na organização da empresa, até com o compartilhamento de tais dados a operadores externos, e muitas vezes com transferência internacional.

A fim de elucidar a criticidade das atividades executadas pelo setor de Recursos Humanos, quando observado o tratamento de dados pessoais de pessoas físicas, se faz necessário o detalhamento dos principais atribuições do referido departamento.

Quando se fala em processos de seleção, que nada mais são do que os  procedimentos iniciais anteriores à escolha do candidato e efetiva contratação, é de comezinho conhecimento a necessidade de coleta de dados pessoais quando do preenchimento de formulários para entrevistas ou através de envio de currículos, que são, muitas vezes, armazenados para processos seletivos posteriores, bem como coleta informações sobre a vida profissional pregressa de pessoa física e até mesmo salários.

Já nos processos de contratação, o RH coleta mais dados pessoais através de preenchimento de fichas cadastrais de admissão, inclusive com a possibildiade de coleta de dados pessoais sensíveis, tais como: cor, raça, etnia, orientação sexual, filiação sindical, dentre outros, além de manusear informações sobre salários.

Mesmo diante da efetiva contratação, o Recursos Humanos continua a tratar dados, inclusive coleta de dados sensíveis relacionados a saúde, já que são necessários exames admissionais, periódicos e demissionais e, por vezes, os compartilha com outros setores ou até mesmo empresas externas, como é o caso de seguradoras de vida, operadoras de plano de saúde, empresas que fornecem ticket-refeição, vale-alimentação, dentre outras empresas que possam fazer parte de uma política de benefícios estabelecida pelo empregador.

Neste ponto, faz-se imprescindivel ressaltar o fato de que a LGPD exige o cumprimento dos princípios da transparência e dever de informar com quais operadores de dados haverá o compartilhamento de dados, sendo que nestes casos, o recomendável é que haja a fixação da Política de Benefícios implementada pelo RH de determinada empresa em local de fácil acesso pelos empregados.

Ainda dentro dos procedimentos deste setor, tem-se que há processos de promoções dos empregados, oportunidade em que há também coleta e armazenamento de dados pessoais relativos aos empregados, especialmente informações relativas às avaliações e feedbacks realizados, estatísticas de perfomance, evolução salarial, dentre outros dados que se relacionam ao indivíduo como empregado.

Dentro das responsabilidades geralmente atribuídas ao RH também se encontram os processos relacionados à implementação de normas de convivência e relacionamento interno e externo, o que acaba gerando a criação de mídias e mecanismos corporativos, que, muitas vezes, inclusive, se utilizam de imagem de empregados, com o objetivo precípuo de informar novidades da empresa, novas parcerias estabelecidas, adoção de treinamentos e de políticas de incentivo a prática de ginástica laboral, atividades focadas ao bem estar geral e cumprimento das Normas Regulamentadoras expedidas pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego, atualmente denominada como Secretaria do Trabalho, dentre outras situações.

Não menos importante, também é imperioso mencionar todas as tratativas de negociações coletivas que são feitas entre as empresas, geralmente através do RH em comunhão com o departamento jurídico, e os Sindicatos representantes de categorias de trabalhadores, onde também há o tratamento de dados pessoais, especialmente o compartilhamento de listas com nomes e alguns outros dados de empregados que submeterão a eventual Convenção e/ou Acordo Coletivo de Trabalho.

O que se percebe, portanto, é que o setor de recursos humanos dentro de empresas, tanto naquelas de pequeno e médio porte em que o setor se relaciona mais às questões relacionadas ao departamento pessoal propriamente dito, como naquelas em que há gestão ativa de recursos humanos, é certamente uma das áreas mais críticas e sensíveis quando se pensa em necessidade de conformidade e adequação à LGPD, ainda que haja a terceirização integral das referidas atividades.

O objetivo deste artigo não foi o de se aprofundar em todas as fases de implementação da LGPD, e sim de trazer parâmetros iniciais que evidenciem a importância do RH dentro das estruturas empresariais, especialmente quando analisado sob o enfoque das relações de emprego, norteadas pelo Direito do Trabalho, e a necessidade de adequação do setor responsável pela coleta inicial e tratamento de diversos dados, inclusive sensíveis, tutelados pela LGPD, motivo pelo qual não abordamos as especificidades trazidas pela referida legislação para a correta e regular adequação técnica. 

Entretanto, diante de todo o emaranhado de procedimentos citados acima, é de salutar importância o pleno conhecimento acerca das bases legais que legitimam o tratamento dos dados pessoais dos empregados que são imprescindiveis para possibilitar o regular funcionamento do setor de RH, desde antes das contratações até anos após eventuais rescisões contratuais.

E quais são estas principais bases legais aplicáveis ao RH?

A primeira e principal delas é a execução de contrato, uma vez que legitima o desenvolvimento de procedimentos, desde antes da efetiva contratação, como é o caso do processo seletivo, ainda que este seja realizado por empresa terceirizada, até a formalização e efetiva execução dos contratos de trabalho, com a coleta de dados pessoais que constarão nas fichas admissionais e de registro de empregados, contratos de trabalho, acordos de compensação de jornada e banco de horas, fornecimento de vale-transporte, vale-refeição, vale-alimentação, contratação de seguro de vida, plano de previdência privada, dentre outros benefícios que poderão ser ofertados pela empresa.

A segunda base legal a ser citada é a que se refere ao cumprimento de obrigação legal, uma vez que alguns dados pessoais são exigidos para o preenchimento e fornecimento de informações ao Governo, seja através de repasse no e-social, seja através de emissão de guias à Secretaria do Trabalho, INSS, ou outros órgãos estatais, outros a legislação especifica determina o dever de guarda de documentos por determinado período de tempo.

Outra base legal que poderá ser utilizada para o tratamento de dados pelo RH de determinada empresa é a que versa sobre o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral, inclusive sob o fundamento dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, que garantem a possibilidade de defesa de direitos, seja na qualidade de autor da demanda, ou na de réu.

Pouco falado pelos profissionais da área até o momento, uma outra base legal importante ao RH é a que legitima o tratamento de dados pessoais na tentativa de proteção da vida ouo até mesmo da incolumidade física do próprio titular dos dados como de terceiro envolvido. Esta base poderá ser utilizada para justificar a captação de imagens através de camêras instaladas nas dependências físicas da empresa para garantir a segurança dos empregados, por exemplo.

Por fim, outras duas bases que poderão ser utilizadas para legitimar o tratamento de dados por parte do RH são a que se baseia no consentimento do titular e a que versa sobre o atendimento aos interesses legítimos do controlador ou até mesmo de terceiro, desde que não haja violação de direitos e liberdades fundamentais do próprio titular de dados.

Estas duas bases, no entanto, deverão ser utilizadas com extrema cautela pelas empresas e, portanto, apenas como medidas excepcionais no caso de não haver nenhuma outra base legal que legitime o respectivo tratamento, especialmente levando-se em consideração que são muito amplas e ainda controversas, na doutrina.

O maior entreve para o uso do consentimento se remonta ao fato de que ele pode ser retirado a qualquer tempo pelo titular, ainda que na constância de determinado vínculo de emprego. Tal fato, assim, justifica a recomendação de uso apenas e tão somente quanto as demais bases legais não legitimarem o respectivo tratamento.

A fim de exemplificar, cita-se, por exemplo, a divulgação de evento interno de determinada empresa feita através de seu RH ou de qualquer outro setor empresarial,  com a necessidade de utilização de imagem de determinados empregados.

Esta situação, diferentemente do uso da imagem para autenticação sistêmica ou até mesmo para inserção em crachá da empresa, não estariam legitimadas nas bases legais de execução de contrato, cumprimento de obrigação legal, exercício regular de direitos em processos, proteção da vida ou incolumidade física não legitimariam o uso da imagem destes determinados empregados para esta finalidade apresentada, motivo pelo qual se faria necerrário o colhimento de autorização expressa do titular para a utilização da imagem, inclusive com o consentimento específico acerca das efetivas finalidades do respectivo uso e prazo de validade.

Ainda que não esgotado o prazo previamente consentido, o empregado poderia  retirar a referida autorização a qualquer tempo, o que traria danos à campanha implementada, uma vez que a empresa teria que providenciar a paralisação da circulação do material e, imediatamente eliminar a imagem.

Já a base legitimada no atendimento aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro é considerada pela doutrina atual como muito ampla, de dificil comprovação,  e ainda carente de maiores esclarecimentos por parte da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Para a regular utilização desta base, seria necessária, a princípio, a comprovação do legítimo interesse da empresa, benefício ao titular de dados, bem como inexistência de qualquer afronta aos direitos e liberdades fundamentais do titular.

Inclusive, faz-se uma importante ressalva quanto as bases legais a serem utilizadas pelo RH quando do tratamento de dados de candidatos, empregados e ex colaboradores, uma vez que os dados pessoais sensíveis são tratados com ainda mais critério e cautela, haja vista que a legislação limita o respectivo tratamento ao cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; tratamento, ainda que compartilhado, de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas; exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral; proteção da vida ou incolumidade física do titular o de terceiro; tutela da saúde e garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular; realização de estudos por órgão de pesquisa e através de consentimento, excluindo a possibilidade de tratamento por legítimo interesse do controlador ou de terceiro.

Feitas estas considerações sobre as bases legais aplicáveis ao setor de Recursos Humanos, torna-se imprescindivel mencionar o fato de que este se constitui em uma das áreas empresariais que mais sofrerão os impactos da LGPD, haja vista que toda empresa possui empregado e, portanto, coleta e trata dados pessoais de pessoas físicas, sejam eles sensíveis ou não, motivo pelo qual deve se atentar aos princípios norteadores da LGPD, especialmente os da necessidade, adequação e finalidade, com o objetivo de identificar todos os dados efetivamente levantados pela empresa, classificando-os como sensíveis ou não, legitimando os tratamentos às respectivas bases legais, excluindo os desnecessários, adequando os relevantes aos contratos de trabalho e aditivos, acordos e termos firmados, políticas de benefícios implementadas, necessidade ou não de compartilhamento de dados e com quem, dentre outras adequações iniciais para o regular ajuste do setor.

Ressalta-se que, como parte de um todo, o RH juntamente com os demais departamentos de determinada empresa, deverão se unir com o objetivo de identificar e adequar todos os processos realizados mediante tratamento de dados pessoais de pessoas físicas, a fim de se estabelecer governança corporativa, com a criação de políticas de privacidade, interna e externas, treinamentos, investimento em medidas técnicas e organizacionais que visem assegurar a proteção dos respectivos dados, procedimentos e planos de respeito e respostas aos titulares de dados pessoais, bem a incidentes, dentre outras boas práticas, de modo a atingir um nível de maturidade de compliance, isto é, de efetiva adequação e conformidade com a LGPD.

Assim, o RH, com a devida assessoria jurídica e técnica, quando oportunas, deverá rever todos os procedimentos utilizados para a seleção de candidatos, efetivação e gerenciamento daqueles efetivamente contratados, com a identificação das bases legais legitimadores do tratamento, e revisão e adequação de contratos, acordos, termos e outros formulários necessários para a execução do contrato, inclusive no que se refere a política de concessão de benefícios e adoção de medidas que garantam a saúde e condições ambientais aos empregados, bem como deverá proceder com a regular gestão da informação, identificando eventuais compartilhamentos de dados pessoais com parceiros, prestadores e fornecedores de serviços diretos, dentre outros, de modo a também adequar os respectivos contratos firmados em conformidade com a LGPD.

Portanto, o trabalho de adequação e conformidade à LGPD é árduo e envolve todos os setores de determinada empresa, devendo haver uma conscientização acerca da importância do tratamento regular e seguro de dados pessoais de pessoas físicas e até mesmo de outras informações empresariais que abranja a totalidade dos empregados da empresa, cabendo também ao setor de Recursos Humanos a adoção e implementação de boas práticas que assegurem a mudança cultural necessária para a correta e regular adequação e conformidade empresarial à LGPD.


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