Afastamento presencial de trabalhadores bancários com ampliação do rol de pessoas que integram o grupo de risco como expressão da aplicação do princípio da proteção para promover o direito à vida e à saúde.

Homem empilhando moedas em sua mesa e calculando o valor

Tramita no Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (TRT da 14ª Região), a ação civil pública nº 0000217-85.2020.5.14.0403, em que figuram como partes: o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Estado do Acre, como parte Autora; e Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil S.A., Banco Bradesco S.A., Itaú Unibanco S.A., Banco Santander (Brasil) S.A. e Banco da Amazônia AS, como requeridos.

A ação foi julgada parcialmente procedente para que os Bancos requeridos cumpram obrigação de fazer:

(1) manter o fornecimento de sabonetes para os banheiros das agências, toalhas de papel, sabonete líquido e álcool 70% para todas as suas unidades em quantidade suficiente para atender a demanda dos funcionários e clientes respectivos, bem como máscaras e luvas para os funcionários;

(2) estabelecer o controle de acesso de clientes em suas dependências físicas, observando os critérios estabelecidos na legislação (Decreto nº 488/2020 do Município de Rio Branco/AC) e, mais especificamente, o distanciamento mínimo entre pessoas de 2 metros para ambientes confinados e 1,5 metro para ambientes abertos, a fim de evitar a disseminação do contagio da Covid-19;

(3) autorizar o trabalho remoto por (i) trabalhadores integrantes do grupo de risco da Covid-19 (pessoas com 60 anos ou mais, pessoas imunodeficientes ou com doenças preexistentes crônicas ou graves, bem como grávidas e lactantes), (ii) além de trabalhadores que coabitem com pessoas do grupo de risco ou (iii) que possuam filhos de até 12 anos em idade escolar; enquanto as autoridades em saúde pública não autorizarem o retorno à normalidade das atividades econômicas em função da pandemia do Covid-19.

O Banco Santander recorreu da decisão mediante Recurso Ordinário e, posteriormente, ajuizou ação cautelar para que fosse conferido efeito suspenso ao seu recurso, argumentando que a medida determinada em sentença implicava prejuízo ao funcionamento do estabelecimento e ao atendimento à população, e porque foi ampliado o grupo de risco contrariando as medidas determinadas pelo Decreto Estadual n. 6.206/2020.

Porém, a 2ª Turma do TRT da 14ª Região negou a tutela antecipada para conferir efeito suspensivo pretendido, conforme aresto a seguir colacionado:

32067278 – AÇÃO CAUTELAR. RECURSO ORDINÁRIO. EFEITO SUSPENSIVO. INDEFERIMENTO. A literatura médica e as notícias sobre a capacidade altamente infectante do novo coronavírus (Covid 19) tem demonstrado na prática a rapidez da disseminação dessa doença e o seu alto grau de letalidade. Trata-se de uma doença nova para qual não existia e ainda não existe protocolo médico de prevenção ou vacina, de forma que as medidas adotadas, inclusive, as judiciais, com intuito de preservar o bem maior que é a vida, viu-se o Estado-Juiz diante imprescindibilidade de se adotar medidas que lhe deem eficácia, muito embora haja critérios estabelecidos para identificação do grupo de risco, mas a realidade tem mostrado que o vírus não respeita as limitações burocráticas. Portanto, a ampliação do grupo de risco nos termos deferidos em primeiro grau preserva primordialmente o bem maior que é a vida do trabalhador e clientes em detrimento ao capital financeiro que os agravados buscam resguardar. (TRT 14ª R.; Rec. 0000861-73.2020.5.14.0000; Segunda Turma; Rel. Des. Carlos Augusto Gomes Lôbo; DJERO 17/05/2021; Pág. 1577; Exclusividade Magister Net: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009). (Negritado, sublinhado).

Como se pode ver, a 2ª Turma do TRT da 14ª Região entendeu que é possível sim ampliar aqueles que integram o grupo de risco de contágio pelo coronavírus como forma de preservar a saúde e vida dos trabalhadores. E, retirando o efeito suspensivo, tornou possível a imediata a aplicação das medidas determinadas na sentença do Juízo singular, não sendo suficiente o argumento da necessidade de resguardar a empresa financeiramente quanto a prejuízos em razão de tais medidas serem implementadas porque a saúde e vida dos trabalhadores seriam mais importantes.

Recursos trabalhistas possuem apenas efeito devolutivo, admitido efeito suspensivo mediante ação cautelar

No acórdão da ação cautelar, da 2ª Turma do TRT da 14ª Região, foi dito que os recursos, em regra, possuem apenas o efeito devolutivo nos termos do art. 899 da CLT, sendo admitido efeito suspensivo a um recurso apenas mediante ajuizamento de ação cautelar conforme Súmula 414 do TST.

Como fundamento para indeferir a tutela cautelar, a 2ª Turma do TRT da 14ª Região afirmou que a “literatura médica e as notícias sobre a capacidade altamente infectante do novo coronavírus (Covid-19) tem demonstrado na prática a rapidez da disseminação desta doença e o seu alto grau de letalidade”, sendo uma doença nova “para qual não existia e, ainda, não existe, protocolo médico de prevenção ou vacina”, pelo que o Estado-Juiz viu-se obrigado a adotar medidas para preservar o bem maior que é a vida e que, apesar de haver critérios para se estabelecer quem integra os grupos de risco, o coronavírus “não respeita as limitações burocráticas”.

Ampliar aqueles que integram o grupo de risco promove a proteção à vida diante de uma doença nova com alto grau letal

Nesse sentido, a 2ª Turma do TRT da 14ª Região considerou que a ampliação daqueles que integram o grupo de risco, na sentença, visa preservar a vida dos trabalhadores e dos clientes que prepondera sobre a necessidade de resguardar o capital financeiro.

Julgando improcedente a ação cautelar, a 2ª Turma do TRT da 14ª Região revogou a liminar deferida pelo Presidente do TRT da 14ª Região que havia concedido o efeito suspensivo ao Recurso Ordinário do Banco Santander, fazendo com que as medidas determinadas na sentença singular devessem ser cumpridas de imediato.

Decisão judicial promove proteção à vida sendo uma expressão prática do Princípio da Proteção

O Princípio da Proteção é o princípio fundamental e mais importante do Direito do Trabalho, podendo ser definido como uma proposição geral informadora da noção, estrutura e dinâmica essencial desse ramo jurídico[1]. Ele está presente: (i) na fase pré-jurídica, de natureza essencialmente política, servindo como base teórico-ideológica inspirando o legislador no processo de construção e elaboração de normas jurídicas[2] enquanto fundamento do ordenamento jurídico (possuindo função informadora)[3]; (ii) na fase jurídica[4], orientando a interpretação da norma jurídica (possuindo função interpretadora)[5] ; e (iii) na fase de aplicação da norma jurídica possuindo função normativa (a) subsidiária, quando constitui fonte supletiva ante a ausência de regulação positiva, e (b) própria quando possibilita a extensão, restrição ou invalidação de uma norma jurídica[6].

Basicamente, o que se percebe das decisões judiciais em questão – ampliação do rol de pessoas que integram grupos de riscos e que devem ser afastadas do trabalho e negativa da tutela antecipada –, é que elas se tratam de expressão da função interpretadora, da função normativa subsidiária e da função normativa própria do Princípio da Proteção, uma vez que o Juízo singular, assim como a 2ª Turma do TRT da 14ª Região, entenderam que o bem vida, como direito e princípio, deve ser preservado acima de qualquer critério pré-estabelecido em Decreto Estadual quanto a quem deve ou não integrar grupo de risco e deve ou não ser afastado do trabalho, sendo indevido conferir-se efeito suspensivo para se retirar a efetividade dessa proteção.

Ponderação de princípios e direitos como meio de resolução de conflitos normativos em tempos de pandemia do coronavírus

Se pode dizer que as decisões judiciais em comento resultam da ponderação de princípios, em que de um lado havia o princípio e direito de proteção à vida previsto no caput do artigo 5º da CRFB/88 e direito à saúde previsto no artigo 6º e 196 da CRFB/88 e, de outro, o princípio da livre iniciativa previsto no artigo 170 da CRFB/88, e o princípio da liberdade econômica previsto na Lei nº 13.874/2019, para ser resguardado o capital financeiro devendo ser limitada a atuação e intervenção do Estado, tendo se escolhido preservar aqueles por visar o bem da sociedade, o bem comum, a vida e a saúde, e não o bem particular expressado no resguardo do capital financeiro.

Princípio da Proteção e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como normas jurídicas para dar efetividade à proteção à vida e à saúde do trabalhador

Se percebe, com isso, que novas decisões judiciais estão sendo proferidas para dar eficácia a normas jurídicas de proteção à vida e à saúde conferindo concretude ao Princípio da Proteção e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana num momento crucial em razão da pandemia do coronavírus que possui alto grau de letalidade sendo de fácil contaminação.

Inclusive, cabe mencionar que tem ocorrido, também mudanças legislativas por influência do princípio da proteção na sua função informadora por orientar o legislativo na elaboração de normas visando a proteção dos trabalhadores. Como exemplo, cita-se o caso da empregada gestante que teve o direito de ser afastada do trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração, trabalhando à distância ou ficando à disposição do empregador no caso de não ser possível o trabalho à distância, conforme Lei nº 14.151/2020, que foi resultado do Projeto de Lei (PL) nº 3.932/20, apresentado em 24 de julho de 2020, que tinha como fundamento proteger a empregada gestante em razão de o Brasil possuir o percentual de 80% de mortes de gestantes no período compreendido entre 1 de janeiro e 18 de junho de 2020 segundo levantamento pelo Ministério da Saúde[7].

Assim se percebe que o Princípio da Proteção tem se tornado cada vez mais utilizado pelos Poderes Legislativo e Judiciário para se dar maior efetividade à proteção à vida e à saúde dos trabalhadores sendo o Princípio da Proteção a norma jurídica necessária para conferir soluções rápidas e práticas para preservar-se a vida dos trabalhadores, se tratando de uma tendência, portanto.

Insegurança e consequências imprevisíveis em razão do afastamento do trabalho presencial

O problema, porém, de serem determinados afastamentos presenciais de trabalhadores que integram grupos de riscos, é que não há qualquer garantia provisória no emprego em razão da lei ou da decisão judicial que determinar o afastamento do trabalho presencial.

Muito embora se alcance a proteção à vida e à saúde do trabalhador, nada impede que ele seja dispensado do trabalho, sem justa causa ou por justa causa. E, com isso, muitos trabalhadores, empregados, podem se ver na situação de desespero de manterem seus empregos apesar de leis e ou decisões judiciais determinarem que devem ficar afastados do trabalho presencial.

A curiosidade do caso concreto em análise, julgado pelo TRT da 14ª Região, é o fato de que os trabalhadores bancários não possuíam condições mínimas para evitar contágio do coronavírus, tendo sido necessário haver uma decisão judicial para determinar o fornecimento de máscaras, álcool em gel 70%, sabonetes, papel toalha, para promover meios de prevenção contra o coronavírus. E, por isso, não se justifica conferir efeito suspensivo à sentença que determinou que essas medidas fossem implementadas diante do risco e da letalidade da doença Covid-19.

Certo é que a disseminação do coronavírus, Sars-Cov-2, na forma de uma pandemia, se apresenta como um fenômeno que continuamente está promovendo mudanças de paradigmas, provocando adaptações políticas, sociais, econômicas e jurídicas[8]. E, por isso, ainda veremos inovações legislativas, judiciais e políticas até que se chegue a um consenso sobre que medidas devem ser tomadas para assegurar de forma eficaz a proteção à vida e à saúde dos trabalhadores, e também dos empregadores, preservando-se, também, a atividade empresarial, para que o país não entre em um colapso econômico com altas taxas de desemprego, miserabilidade social, e fechamentos de estabelecimentos comerciais.


[1] DELGADO, Maurício Godinho. Os princípios na estrutura do Direito. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 75, n. 3, p. 17-34, jul/set, 2009, p. 18.

[2] DELGADO, Maurício Godinho, op. cit., p. 19-20.

[3] DE CASTRO, Federico. Derecho Civil de España. 2 ed. Madrid, 1949 apud PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios do direito do trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTR, 1978, p 18.

[4] DELGADO, Maurício Godinho, op. cit., p. 19 et. seq.

[5] DE CASTRO, Federico. Derecho Civil de España. 2 ed. Madrid, 1949 apud PLÁ RODRIGUEZ, Américo, op. cit., loc. cit.

[6] DELGADO, Maurício Godinho, op. cit. p. 21-24.

[7] CURIA, Felippe Martins Brasiliense de Souza. A proteção especial dispensada à empregada gestante e ao nascituro pelo risco de contágio do coronavírus: aplicabilidade prática da Lei Federal nº 14.151/2021 à luz do princípio da proteção, da dignidade da pessoa humana, e as possíveis consequências jurídicas. In: Revista SÍNTESE Trabalhista e Previdenciária, Ano XXXII, Nº 385, Julho 2021, p. 25-26.

[8] CURIA, Felippe Martins Brasiliense de Souza, op. cit., p. 24.

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