Alexandre da Silva Henrique[1]
Com o advento da reforma trabalhista, Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, houve o acréscimo na CLT do Capítulo III-A que trata do processo de jurisdição voluntária regulamentando a homologação do acordo extrajudicial.
Os artigos 855-B, 855-C e 855-D dispõe acerca dos requisitos para o processo de homologação, senão vejamos:
Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.
§ 1º As partes não poderão ser representadas por advogado comum.
§ 2º Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.
Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6º do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8º art. 477 desta Consolidação.
Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.
Neste sentido a legislação diz que o processo terá início com petição conjunta, onde as partes devem estar patrocinadas por advogados distintos, podendo o trabalhador estar assistido pelo Sindicato da categoria.
Ademais prevê o artigo 855-C que a disposição deste capítulo não prejudica o prazo do pagamento das verbas rescisórias previsto no artigo 477, §6º da CLT, tampouco multa do artigo 477, §8º da CLT.
Veja que o legislador nada disse quais os direitos que poderiam ser transacionados no acordo extrajudicial, como dispõe, por exemplo, o artigo 190 do CPC, que possibilita o negócio jurídico processual sobre direitos que admitam autocomposição.
Não havendo qualquer disposição neste sentido nos artigos 855-B, 855-C, 855-D, 855-E da CLT, quanto aos direitos que podem ser objeto da transação, pode o juiz deixar de homologar quando houver cláusula que dispõe de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho?
Antes de responder a indagação trago a discussão a decisão proferida pelo Supremo Tribunal no RE 590415 que tratou da hipótese de quitação ampla da relação de emprego nos casos de Plano de demissão voluntário.
Restou consignado na ementa do acórdão que é possível o plano de demissão voluntária estabelecer cláusula de quitação ampla, quando houver vantagens ao trabalhador e que este esteja representado pela entidade sindical, pois neste caso não há assimetria de poder na relação jurídica, tendo em vista que a presença do ente sindical profissional elimina o estado de hipossuficiência.
Ementa: DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano.
2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente.
3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual.
4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida.
5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso.
7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado”.
(RE 590415, Relator (a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-101 DIVULG 28-05-2015 PUBLIC 29-05-2015)
Destaco que no direito do trabalho há o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhista que visa conferir maior equilíbrio na relação entre o empregado e o empregador, como salientar a doutrina na lavra do Eminente Ministro Maurício Godinho Delgado:
“A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-talvez no veículo principal utilizado no Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego”. (DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p.205).
Neste diapasão o Juiz do Trabalho deve observar se estão presentes os requisitos de validade dos negócios jurídicos previstos no artigo 104 do Código Civil, bem como ter a sensibilidade em analisar a previsão de vantagens diferencias para o trabalhador no acordo extrajudicial, e ainda se a manifestação de vontade é livre de vícios, psicológicos e econômicos, a fim de que possa estabelecer o equilíbrio de forças na relação existente entre empregado e empregador, resultando na homologação acordo com cláusula de quitação total, como decidiu o STF no caso da quitação ampla em PDV.
Sendo assim havendo motivo plausível para não ocorrer a homologação o Juiz do Trabalho poderá deixar de homologar o acordo conforme hoje está descrito no enunciado da Súmula 418 do Tribunal Superior do Trabalho, dado o caráter publicista do processo.
Em um dos precedentes da Súmula 418, PROC. Nº TST-ROMS-396/2001-000-17-00.1 o Eminente Ministro Relator Ives Gandra Martins Filho assinalou:
Sendo assim, o juiz tem a prerrogativa de verificar a proposta de acordo, analisando se não se trata de situação em que o trabalhador está a se submeter a acordo lesivo a seus interesses, por encontrar-se em condições psicológicas e econômicas que o impedem de manifestar livremente sua vontade.
Portanto entendo que o Juiz deve analisar a cada caso concreto e verificar se presentes todos os requisitos de vantajosidade e manifestação de vontade livre do empregado a fim de homologar acordo extrajudicial de quitação total da relação de emprego.
[1] Formado em Direito pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Pós-graduado em Direito Material do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, Pós-graduado em Educação em Ambiente Virtual de Aprendizagem e Pós-graduando em Direito Processual Civil. Procurador Concursado do Município de São Caetano do Sul. Advogado atuante na área do Direito do Trabalho e Direito Civil. Tutor Universitário.