Renaldo R. Junior1

No momento em que o Brasil celebra o fim de sua crônica e autodestrutiva guerra fiscal interna, o cenário global se transforma drasticamente, projetando o país em uma arena de competição muito mais violenta e com regras totalmente diferentes. A grande ironia, apontada com lucidez pela professora Misabel Derzi, é que, ao arrumarmos a nossa casa, descobrimos que a vizinhança entrou em guerra. A batalha não é mais entre estados por uma fábrica, mas entre nações por setores inteiros da economia, e o Brasil precisa, urgentemente, se preparar para este novo conflito.
Por décadas, o Brasil foi palco de uma disputa fratricida. Estados concediam benefícios fiscais de forma agressiva para atrair empresas, numa corrida que corroía a base tributária de todos, gerava imensa insegurança jurídica e criava um emaranhado de legislações que travava o desenvolvimento. A Reforma Tributária, ao unificar as regras e centralizar a arrecadação, foi concebida como o armistício definitivo para essa longa batalha interna. O objetivo era criar, pela primeira vez, um mercado verdadeiramente nacional, onde a competitividade seria definida pela eficiência, e não por favores fiscais.
A conquista dessa paz interna é, sem dúvida, um avanço histórico. Contudo, ela ocorre em um momento de profunda mudança no paradigma da economia global, onde as nações mais poderosas reescrevem as regras do jogo em seu próprio favor.
A nova guerra fiscal internacional é muito mais sofisticada e perigosa do que a que travávamos internamente. Ela não se limita a impor tarifas de importação mais altas, como os “tarifaços” do presidente norte-americano Donald Trump. Essa é apenas uma face da estratégia. A outra, mais poderosa, é a redução drástica de impostos internos, como o imposto de renda sobre as empresas.
A combinação é explosiva: ao mesmo tempo em que se fecham para produtos estrangeiros, esses países se tornam paraísos fiscais para a produção. A mensagem para as grandes corporações globais é clara: “Não exportem para nós. Venham produzir aqui”. Este é um projeto deliberado de atração de capital, empregos e tecnologia, drenando a capacidade produtiva do resto do mundo.
Para o Brasil, a ameaça é existencial. Empresas brasileiras de classe mundial, como Embraer, Gerdau e ArcelorMittal, já manifestaram a possibilidade de expandir suas operações nos Estados Unidos para aproveitar essas condições. O risco não é mais apenas perder uma venda para um concorrente estrangeiro, mas perder a própria empresa para um território estrangeiro.
Nesse novo cenário, as velhas ferramentas de política industrial e de comércio exterior se tornam insuficientes. Não adianta apenas criar incentivos para a exportação, pois a guerra não é sobre o preço do produto final, mas sobre o custo de toda a cadeia produtiva.
A ironia é que, ao federalizar e constitucionalizar os incentivos fiscais para criar ordem interna, a Reforma Tributária pode ter nos deixado com menos flexibilidade para responder a essa agressiva competição externa. O desafio agora é muito maior: como manter a indústria nacional competitiva e atrativa para investimentos?
A resposta exige uma visão estratégica que vá além da tributação. O Brasil precisa de um verdadeiro fundo de desenvolvimento nacional, como sugerido no debate, focado em fortalecer as bases de nossa competitividade. Isso significa investir massivamente em infraestrutura para reduzir o “Custo Brasil”, em educação e tecnologia para qualificar nossa mão de obra, e em um ambiente de negócios que ofereça estabilidade e previsibilidade.
A paz interna foi conquistada, mas a guerra agora é outra. E para vencê-la, não bastará ter um sistema tributário simplificado. Será preciso ter um projeto de nação.
- Advogado. Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Direito Público pela Faculdade LEAGALE. Professor Universitário na UNISEPE Educacional. Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Ilha Comprida. Advogado Tributarista no Escritório Vieira Barbosa & Carneiro Advogados. Autor do livro “Reforma Tributária Comentada”, pela Editora Mizuno. ↩︎
Dica de Livro:

Reforma Tributária – Lei Complementar nº 214/2025 Comentada
Renaldo R. Júnior
Análise prática da Reforma Tributária: IBS, CBS, Imposto Seletivo, EC 132/2023 e LC 214/2025. Riscos, novos tributos, transição fiscal e compliance empresarial.