Breve análise do indeferimento da gratuidade de justiça ao hipossuficiente econômico e do indeferimento do parcelamento de honorários periciais na justiça do trabalho.

Imagem da figura da imagem da Justiça

“Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro em um acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo”.

Estrofe da canção “Oração ao Tempo, composição de Caetano Veloso.”

A Justiça, sob o prisma judicial, é um complexo de atos, que nasce da pretensão deduzida em Juízo até ser concretizada pela sentença/acórdão que definirá o direito sob análise do caso concreto.

Nesse longo percurso, existem fases garantidoras do devido processo legal, em que, ao final, a decisão transitada em julgado transcenderá a mera leitura fria da folha de papel, já que seu escopo será decidir os anseios das vidas envolvidas, a dignidade das partes, o fator humano, mesmo que encampadas sob aparente prisma patrimonial.

Nesse sentir, embora existam os Princípios Constitucionais da Celeridade, Duração Razoável do Processo e Economia Processual, a celeridade nem sempre é a medida mais cartesiana e perfeita da Justiça, vez que, não raro, atropela e alija direitos das partes, sob o pretexto de se alcançar a velocidade estatística dos processos.

No dia a dia processual nos deparamos com situações bem parecidas, em que em nome da celeridade processual o Juízo, ao pretexto da parte estar assistida por advogado particular, indefere não só a gratuidade de justiça, como ainda o direito ao parcelamento dos honorários periciais, determinando a vinda do pagamento na integralidade sob pena de perda da prova.

Embora não tenha o sr. expert que iniciar seu labor antes de ser remunerado, o que é plenamente justo e legítimo, dada a natureza alimentar desta verba, condicionar o direito à prova da parte economicamente vulnerável ao pagamento integral das parcelas restantes dos honorários periciais é algo temeroso, que põe em risco não só o sagrado direito à prova (provocando cerceamento), como desprestigia a condição de hipossuficiente da parte, “atropelando” fundamentos processuais balizados na própria Magna Carta de 1988.

Note-se que, a súmula 463 do C. T.S.T. é firme no sentido de que basta a afirmação de hipossuficiência para gerar a presunção do estado de insuficiência de recursos, isso somado ao critério da remuneração igual ou inferior a  40% do valor do teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, que se enquadra à hipótese do artigo 790, §3º da CLT.

In verbis:

Súmula nº 463 do TST

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1, com alterações decorrentes do CPC de 2015) – Res. 219/2017, DEJT divulgado em 28, 29 e 30.06.2017 – republicada – DEJT divulgado em 12, 13 e 14.07.2017

I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015);

Digno de nota, que o próprio critério matemático do artigo 790, §3º da CLT não é absoluto, pois existem situações em que a parte está desempregada ou é pessoa superendividada por razões contrárias à sua vontade, devendo cada caso ser visto com suas peculiaridades.

Vale ressaltar ainda sob a análise do citado critério, que a gratuidade de justiça pode ser concedida inclusive de ofício pelo Juízo, como se infere da leitura do citado dispositivo legal.

No entanto, não raro, vemos ainda o vetusto fundamento para o indeferimento da gratuidade de justiça com esteio no patrocínio da parte por advogado particular, mesmo sabendo-se que na prática, são muitos patronos que assistem às partes sem nenhum custo inicial, pautando os honorários no êxito final da demanda, ou seja, contratos de risco.

Desta forma, nos parece que o patrocínio por advogado particular já não é óbice à concessão da gratuidade de justiça.

A questão carece de reflexão, pois e se fosse o contrário? Se o mesmo fundamento para o indeferimento fosse alicerce para alijar o direto à reclamada, visto o texto reformador da CLT que possibilitou a gratuidade de justiça à pessoa jurídica? Quantas vezes se vê a reclamada sob o patrocínio sindical?

Vivemos em uma nova era processual em que é necessário abolir vetustos dogmas como esse, em que parte assistida por advogado particular tenha por presunção possuir recursos suficientes para arcar com os ônus processuais.

Cada caso é um caso e carece de ser analisado artesanalmente.

E quando se diz abolir, melhor seria dizer fazer uma releitura à luz da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CRFB/1988), em que a pessoa humana é o epicentro das relações jurídicas tuteláveis pelo Estado, ou seja, o direito é maior que a lei, e por sua vez, a vida e a dignidade humana maiores que o direito.

Não bastasse, o artigo 99, §4º do CPC é nítido nesse particular:

“Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.”

(destacamos)

A ênfase ao direito ao parcelamento dos honorários periciais não é só tema processual trabalhista, mas o artigo 98 do CPC – norma supletiva aplicável – autoriza o parcelamento dos custos do processo em seu §6º:

“§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.”

Observe-se ainda o fato de que é vedado ao Juiz impor o adiantamento dos valores, como se nota do texto do artigo 790-B, §3º da CLT, portanto, qualquer imposição contrária se revela ato de ilegalidade.

O indeferimento ao parcelamento do pagamento dos honorários periciais, somada à condição da penalidade perda da prova, importaria em cerceamento ao direito à produção da prova, ferindo de morte o CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA e DIREITO À PROVA, constitucionalmente protegidos.

Existe ainda o Princípio da Boa Fé objetiva que rege as relações processuais, sendo o norte para qualquer dos seus protagonistas, tudo isso somado a outros dois princípios de grande importância: a vedação à decisão surpresa (art. 10 CPC) e a Cooperação Processual (art. 6º, CPC), o que engloba atos do magistrado.

Imagine-se a seguinte situação hipotética: em determinado processo houve deferimento do parcelamento dos honorários periciais e, após o pagamento de o relevante número de parcelas, o próprio Juízo determina de uma hora para outra, em nome da celeridade processual, que o restante das parcelas seja quitado de uma única vez sob pena de perda da prova.

Com efeito, a referida decisão revelou-se uma decisão surpresa, que contrariaria a legítima expectativa processual já instaurada, ou seja, a parte já vinha pagando um número vultoso de parcelas sob o acolhimento do Juízo, que, de uma hora para outra, agiu contrariamente ao que outrora havia decidido e desestabilizou o direito ao parcelamento, sob a fundamentação da duração razoável do processo, pondo em risco o sagrado direito à produção da prova.

Do princípio da boa-fé objetiva, decorrem os deveres satelitários, sendo um deles o atendimento da legítima expectativa decorrente do direito da parte.

Quando violada essa expectativa por meio de comportamento contrário ao que se vinha praticando, rompe-se a boa-fé processual o que a doutrina denomina de VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM,contrariando a legítima expectativa processual.

 Portanto, à luz das razões explanadas, pelo presente ordenamento jurídico vigente, mesmo que indevidamente indeferida a gratuidade de justiça à parte reclamante – o que poderá ser objeto de recurso em momento oportuno – não há como ser exigido o adiantamento do valor dos honorários periciais, ainda mais sob a imposição da perda da prova, visto às violações principiológicas e legais, cabendo recurso em momento oportuno para anular a sentença e volver o feito à fase probatória com vistas a possibilitar o pagamento das parcelas do ato pericial, em nome do devido processo legal, do contraditório, ampla defesa e do direito à produção da prova.

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