A desconstituição de acordo homologado na Justiça do Trabalho

Homens, ambos de camisa social de manga longa, se cumprimentam

A conciliação entre as partes litigantes é princípio-regra no Direito do Trabalho, que deve ser incentivada pelos juízes e Tribunais do Trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê expressamente no artigo 764 e § 3°, da CLT, que: “os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do trabalho serão sempre sujeitos à conciliação”, sendo “lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório”.

Ressalta-se que, conforme entendimento consagrado do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST), não há preclusão para a iniciativa de conciliação das partes litigantes, podendo ocorrer na fase de conhecimento ou até na fase de execução.

Na fase de conhecimento, no início da audiência, o juiz proporá a conciliação entre as partes, sendo reiterada ao final da audiência, na forma prevista nos artigos 846 e 850, da CLT.

O mestre Maurício Godinho Delgado[1] apresenta o conceito da conciliação trabalhista:

“(…) ato judicial, mediante o qual as partes litigantes, sob interveniência da autoridade jurisdicional, ajustam solução transacionada sobre matéria objeto de processo judicial. Embora próxima às figuras da transação e da mediação, delas se distingue em três níveis: no plano subjetivo, em virtude da interveniência de um terceiro e diferenciado sujeito, a autoridade judicial; no plano formal, em virtude de realizar-se no corpo de um processo judicial, podendo extinguir parcial ou integralmente; no plano de seu conteúdo, em virtude de poder a conciliação abarcar parcelas trabalhistas não transacionáveis na esfera estritamente privada.”

Insta salientar-se que, a Lei nº 13.467/2017, a “reforma trabalhista”, introduziu à CLT, os artigos 855-B/E, dispondo sobre a homologação de acordo extrajudicial.

Importante disposição consta no artigo 855-E, da CLT, pela qual “a petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados”. Sendo que “o prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo”.

Essa norma enfatiza o caráter conciliatório e o alcance do acordo homologado, pois confere validade tão somente aos direitos especificados no acordo que, com a concordância das partes, foi homologado na Justiça do Trabalho.

A questão a ser analisada é a possibilidade de desconstituir o acordo homologado na Justiça do Trabalho.

Ora, o acordo homologado na Justiça do Trabalho, faz coisa julgada, sendo, portanto, irrecorrível, conforme previsão expressa do artigo 831, da CLT e do entendimento consagrado na Súmula 100, V, TST.

Dessa forma, sendo irrecorrível a decisão de homologação do acordo realizado entre as partes na Justiça do Trabalho, a única medida processual cabível é a ação rescisória, prevista no artigo 966 e seguintes, do Código de Processo Civil.

A ação rescisória possui hipóteses específicas de cabimento, apenas manejável em casos de nulidade processual, por vício grave de consentimento das partes ou por violação às normas legais.

O Colendo TST firmou entendimento sobre o cabimento apenas de ação rescisória para desconstituir o acordo homologado na Justiça do Trabalho, conforme Súmula 259.

Assim é, porque a conciliação entre as partes é a regra para a solução do conflito, pois aqueles que estão envolvidos na situação fática possuem melhor visão para o consenso, do que um terceiro distante do caso em discussão, que é o Poder Judiciário.

Nesse contexto, se as partes puderam discutir os termos do acordo, a partir de concessões recíprocas, encontrando o meio-termo entre os interesses em conflito, e anuindo ao acordo pactuado e homologado judicialmente, não podem após a obrigatoriedade dos termos acordados, resolverem agir de forma contraditória, violando o princípio da boa-fé objetiva que rege todas as relações jurídicas, seja entre particulares, ou até com o próprio Estado.

O poder de negociar os termos do acordo foi concedido as partes por Lei, que privilegia a solução consensual que coloca fim ao litígio, consagrando a boa-fé objetiva, a autonomia da vontade e a segurança jurídica.

Os conflitos não podem perdurar ad eternum, esse é o objetivo da coisa julgada, da vedação pelo ordenamento jurídico à abertura da via recursal, o que realiza o fim da jurisdição, qual seja, a pacificação dos conflitos em sociedade.

Por isso, o acordo homologado na Justiça do Trabalho, não é passível de recurso, só sendo possível desconstituir o mesmo, via ação rescisória, com a comprovação de vícios graves na relação processual já consolidada.

Nesse diapasão, a Jurisprudência da Colenda Corte Trabalhista (TST), in verbis.

“RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 2015. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE COM FUNDAMENTO NO ART. 966, III, DO CPC. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO POR AUSÊNCIA DE PROVA. RECURSO ORDINÁRIO FUNDAMENTADO NA ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.

1. Trata-se de ação rescisória voltada à desconstituição de acordo homologado judicialmente, que a autora alega ter sido resultado de lide simulada e conluio entre o réu e os advogados com o fim de fraudar a lei e frustrar o recebimento de direitos trabalhistas devidos a seu falecido esposo.

2. O Tribunal Regional julgou improcedente a pretensão desconstitutiva ao fundamento de que a autora não se desincumbiu do ônus da prova do vício de consentimento.

3. Razões de recurso ordinário em que a autora alega cerceamento de defesa, pugnando pela nulidade do acórdão do Tribunal Regional, ao argumento de que foi encerrada a instrução processual, mediante protestos, sem que fosse procedida a oitiva de suas testemunhas.

4. Os autos, no entanto, revelam que, pelo despacho da pág. 288, as partes foram intimadas para informar o interesse na produção de provas, oportunidade em que apenas o réu manifestou-se.

5. A manifestação da autora, somente por ocasião das razões finais, ratificando os termos da inicial, após deixar transcorrer in albis o prazo para indicar as provas que pretendia produzir em agasalho à tese de vício de consentimento, não justifica a transferência do seu encargo processual ao órgão jurisdicional respectivo, a pretexto de cerceamento de defesa. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TST – RO: 57773120175150000, Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 21/05/2019, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 24/05/2019)”.

“RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO RÉU. INVERSÃO DA ORDEM DE JULGAMENTO. QUESTÃO PREJUDICIAL. DECADÊNCIA. PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO DE ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE PETIÇÃO. RECURSO INCABÍVEL. NÃO POSTERGAÇÃO DO INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. AUSÊNCIA DE DÚVIDA RAZOÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 100, III, IV E V, DO TST.

Nos termos do art. 495 do CPC/1973, “O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão”. Entretanto, este Tribunal Superior, no item III da Súmula n.º 100, estabeleceu uma exceção ao início da contagem do prazo decadencial da Ação Rescisória, por entender que, salvo no caso de dúvida razoável, tanto o Recurso intempestivo quanto o Recurso incabível não estariam aptos a postergar o marco inicial do prazo decadencial da rescisória. In casu, o autor postula a rescisão de sentença homologatória de acordo, na qual se conferiu quitação aos pleitos formulados na Reclamação Trabalhista.

Diante do disposto no art. 831, parágrafo único, da CLT e na Súmula n.º 259 do TST, tem-se que a decisão homologatória de acordo é irrecorrível, salvo em relação às contribuições devidas à Previdência Social, podendo apenas ser questionada pela via da ação rescisória. Assim, não sendo controvertida a questão quanto ao não cabimento de recurso contra a aludida decisão, tem-se que o Agravo de Petição interposto é manifestamente incabível, não tendo, portanto, o condão de postergar o início da contagem do prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória.

Assim, considerando que o trânsito em julgado ocorre na data de que homologado o acordo (Súmula n.º 100, V, do TST), o que, no caso, ocorreu em 30/11/2010, tem-se que a Ação Rescisória ajuizada apenas em 13/3/2017, é decadente, pois decorrido, em muito, o prazo de dois anos, previsto no art. 495 do CPC/1973. Recurso Ordinário da autora e apelo ordinário adesivo do réu conhecidos.

Provido o Recurso Ordinário adesivo do réu para, declarando a decadência do direito de manejar a Ação Rescisória, extinguir o feito, com resolução do mérito, nos termos dos arts. 296, IV, e 495 do CPC/1973. Prejudicada a apreciação do mérito do Recurso Ordinário da autora. (TST – RO: 203931720175040000, Relator: Luiz José Dezena da Silva, Data de Julgamento: 22/10/2019, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 25/10/2019)”.

“RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO FUNDADO NO ART. 485, III, DO CPC/1973. COLUSÃO ENTRE AS PARTES. CONFIGURAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DA RECLAMANTE DE MÃE E EX-ESPOSA DOS SÓCIOS DA EMPRESA RECLAMADA. PROVA INDICIÁRIA. VALIDADE. Tratando-se de pedido de desconstituição fundado na existência de colusão entre as partes com a finalidade de frustrar aplicação da lei e prejudicar terceiros, doutrina e jurisprudência são uníssonas em reconhecer que a prova indiciária constitui elemento de convicção apto a surpreender tal vício. É que os atores envolvidos nessa trama, agindo com unidade de desígnios, criam situação de aparente legalidade para ocultar a real intenção buscada com o embuste.

Assim, como ninguém passa recibo de fraude, sobre ela não se pode exigir prova inconcussa. No caso, ficaram assentadas as seguintes circunstâncias: a) a reclamante, ora recorrente, é mãe e ex-esposa dos sócios da empresa reclamada; b) apesar de controvertida a existência do vínculo empregatício, a empresa reclamada formalizou acordo no montante de R$ 20.000,00, com previsão de multa de 100%, em caso do seu descumprimento; c) o montante acordado – R$ 20.000,00 – correspondia a quase metade do valor postulado na Reclamação Trabalhista – R$ 36.824,21; d) à época em que formalizado o acordo, a empresa reclamada estava sendo acionada por imenso contingente de trabalhadores e pelo MPT em ações coletivas, evidenciando, assim, uma situação de inidoneidade financeira; e) diante do descumprimento do acordo, houve o requerimento de retenção de créditos da reclamada SCORE junto à Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, valores esses que já eram objeto de pedido de retenção em Ação Civil Pública, demonstrando a nítida pretensão de obstar o pagamento aos demais empregados da empresa reclamada em prol do favorecimento de apenas uma trabalhadora, que, diga-se novamente, era mãe e ex-esposa dos sócios da empresa.

Tais fatos constituem veementes indícios aptos a convencer o julgador de que os réus, ao entabularem o acordo no processo matriz, tinham o escopo de fraudar a lei e prejudicar terceiros, estando, portanto, devidamente configurada a hipótese de rescindibilidade prevista no art. 485, III, do CPC/1973. Recurso Ordinário conhecido e não provido. (TST – RO: 48004220095070000, Relator: Luiz José Dezena da Silva, Data de Julgamento: 11/02/2020, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 14/02/2020)”

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR QUE ANULOU ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. ILEGALIDADE CONFIGURADA. POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE APENAS POR MEIO DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N.º S 100, V, E 259 DO TST. SEGURANÇA CONCEDIDA.

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado contra ato que declarou a nulidade do acordo homologado judicialmente e reabriu a instrução processual no processo matriz. Diante do disposto no art. 831, parágrafo único, da CLT e nas Súmulas n. os 100 e 259 do TST, tem-se que a decisão homologatória de acordo é irrecorrível, salvo em relação às contribuições devidas à Previdência Social, podendo apenas ser questionada pela via da ação rescisória.

Assim, deve ser reconhecida a manifesta ilegalidade do ato praticado pela autoridade coatora, visto que em descompasso com o ordenamento jurídico e a jurisprudência sedimentada nesta Corte. Ademais, cabe assinalar que o vício invocado pela autoridade coatora para declarar a nulidade do acordo homologado judicialmente – ausência de outorga de poderes à preposta e à advogada da parte reclamada -, por se tratar de questão processual capaz de invalidar a decisão judicial homologatória do acordo é passível de questionamento na Ação Rescisória, conforme a Súmula n.º 412 desta Corte, o que reforça a ilegalidade do ato questionado no presente mandamus.

Recurso Ordinário conhecido e provido. (TST – RO: 72817720145150000, Relator: Luiz José Dezena da Silva, Data de Julgamento: 09/06/2020, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 12/06/2020)”.

Assim, verifica-se dos precedentes recentes do TST que a desconstituição do acordo homologado na Justiça do Trabalho apenas será passível de ação rescisória, com a comprovação de vício do consentimento das partes ou vícios processuais aptos a ensejar a nulidade da decisão, comprovados nos autos, em virtude da segurança jurídica pacificadora de conflitos sociais.


[1] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017, p. 1654.

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