Renaldo R. Junior
Advogado. Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Direito Público pela Faculdade LEAGALE. Professor Universitário na UNISEPE Educacional. Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Ilha Comprida. Advogado Tributarista no Escritório Vieira Barbosa & Carneiro Advogados. Autor do livro “Reforma Tributária Comentada”, pela Editora Mizuno.

Uma reforma de tamanha magnitude, que redesenha o mapa do poder e a estrutura de arrecadação de um país continental, não poderia ser implementada sem mecanismos de segurança. A transição de um sistema tributário caótico, mas familiar, para um modelo unificado e desconhecido, mexe com interesses econômicos e políticos profundamente arraigados. Para garantir a estabilidade durante a longa transição, mitigar os impactos das profundas mudanças no pacto federativo e assegurar a adesão de todos os atores, a Reforma Tributária foi equipada com um conjunto de “amortecedores” financeiros: quatro fundos estratégicos, desenhados para honrar compromissos do passado, semear o desenvolvimento futuro e proteger as economias regionais mais sensíveis. Eles são a engenharia financeira que torna a complexa transição politicamente viável e economicamente justa.
A maior fonte de resistência à reforma era o destino dos benefícios fiscais de ICMS concedidos por estados no auge da “guerra fiscal”. Muitas empresas fizeram investimentos de longo prazo – construindo fábricas, centros de distribuição e complexos industriais inteiros – baseadas nessas promessas, que foram posteriormente validadas pela Lei Complementar 160, com validade até 2032. Uma extinção abrupta desses incentivos, que eram a base de muitos planos de negócios, geraria uma onda de insegurança jurídica, perdas econômicas e uma enxurrada de litígios contra os estados.
Para resolver esse impasse, foi criado o Fundo de Compensação dos Benefícios Fiscais. Este é um fundo temporário, financiado integralmente pela União, com um propósito claro: compensar as empresas pela perda gradual de seus incentivos fiscais entre 2029 e 2032. O mecanismo funcionará como uma ponte financeira: à medida que o IBS for sendo implementado e as alíquotas do ICMS reduzidas, o fundo pagará às empresas o valor correspondente ao benefício fiscal perdido, desde que comprovem o cumprimento das condições originais. É uma solução pragmática que garante a segurança jurídica, honra os compromissos assumidos pelos estados (mesmo os controversos) e permite que a transição ocorra sem traumas ou quebras de contrato que poderiam paralisar a economia.
Se o Fundo de Compensação olha para o passado, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) olha para o futuro. Este é um fundo permanente e o principal instrumento da reforma para combater as desigualdades regionais, um dos objetivos centrais da Constituição. Com o fim da guerra fiscal, os estados menos desenvolvidos perderam sua principal (e muitas vezes única) ferramenta para atrair investimentos. O FNDR surge como a nova política de desenvolvimento, substituindo a competição fiscal por uma estratégia de investimento coordenado.
Financiado com recursos da União, que aportarão valores crescentes até atingirem R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043, ele distribuirá verbas para os estados aplicarem em projetos estratégicos. A grande mudança conceitual está aqui: a política de desenvolvimento deixa de ser baseada na renúncia de receita (benefícios fiscais, muitas vezes com baixo retorno social) e passa a ser fundamentada no investimento direto e na qualidade dos projetos. A autonomia dos estados, como discutido anteriormente, migra para a capacidade de planejar e executar boas políticas públicas com esses recursos, focando em áreas como infraestrutura logística, inovação tecnológica, saneamento e qualificação profissional. O sucesso do FNDR será o termômetro da capacidade do novo federalismo de, efetivamente, reduzir as disparidades no Brasil, transformando a competição predatória em uma busca por excelência em gestão.
A reforma também reconheceu que certas regiões possuem vulnerabilidades únicas que exigem tratamento especial. É o caso da Zona Franca de Manaus e de outras áreas da Amazônia Legal, cujos modelos de desenvolvimento foram construídos sobre pilares tributários específicos que o novo sistema desmontaria. Para garantir a sustentabilidade econômica e ambiental dessas regiões, foram criados dois fundos específicos:
- Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas: Este fundo é a resposta direta à vulnerabilidade da Zona Franca de Manaus, um polo industrial que gera milhares de empregos e que dependia fortemente de isenções de IPI e de um tratamento diferenciado de ICMS. O fundo visa garantir a competitividade do polo e, crucialmente, fomentar a diversificação econômica para reduzir sua dependência do modelo atual.
- Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá: Com um foco mais amplo, este fundo tem como objetivo fomentar projetos de desenvolvimento alinhados à bioeconomia e à conservação ambiental em uma das regiões mais importantes e sensíveis do planeta. É o reconhecimento de que o desenvolvimento na Amazônia não pode seguir a mesma lógica do resto do país, devendo valorizar a floresta em pé e suas vocações naturais.
Esses fundos demonstram que, apesar da busca por uma regra nacional unificada, a reforma manteve a flexibilidade para tratar as realidades distintas do Brasil. Eles protegem modelos econômicos consolidados, ao mesmo tempo que incentivam uma transição para um desenvolvimento mais sustentável e alinhado às vocações regionais. Juntos, esses quatro fundos formam a espinha dorsal financeira da transição, garantindo que a complexa mudança de um sistema para outro seja feita com previsibilidade, justiça e foco no desenvolvimento equilibrado de todo o país.
Sugestão de Leitura:

Reforma Tributária – Lei Complementar nº 214/2025 Comentada
Renaldo R. Júnior
Análise prática da Reforma Tributária: IBS, CBS, Imposto Seletivo, EC 132/2023 e LC 214/2025. Riscos, novos tributos, transição fiscal e compliance empresarial.
