A Bomba-relógio dos Créditos: A Nova Missão dos Tribunais de Contas na Reforma Tributária

Renaldo R. Junior
Advogado. Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Direito Público pela Faculdade LEAGALE. Professor Universitário na UNISEPE Educacional. Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Ilha Comprida. Advogado Tributarista no Escritório Vieira Barbosa & Carneiro Advogados. Autor do livro “Reforma Tributária Comentada”, pela Editora Mizuno.

Em meio às grandes discussões sobre fundos e federalismo, um dos alertas é um problema crônico e muitas vezes invisível ao grande público: a gestão dos créditos tributários. Longe de ser um detalhe técnico, a forma como o Estado lida com os créditos que pertencem aos contribuintes revela uma disfunção profunda no sistema atual. A Reforma Tributária não apenas expõe essa ferida, mas cria uma urgência para que os Tribunais de Contas assumam uma nova e vital missão: fiscalizar a receita com o mesmo rigor com que fiscalizam a despesa.

O primeiro ponto fundamental é desmistificar a natureza do crédito tributário. Em um sistema não cumulativo como o do ICMS (e do futuro IBS/CBS), o crédito não é um favor, um subsídio ou um benefício concedido pelo governo. Ele é, por definição, a devolução de um imposto que já foi pago na etapa anterior da cadeia produtiva. Quando uma empresa se credita, ela está apenas abatendo do imposto que deve pagar o valor que já foi embutido no preço de seus insumos. Negar ou atrasar a devolução desse crédito significa, na prática, forçar a empresa a pagar o imposto duas vezes, transformando um tributo não cumulativo em um imposto “em cascata”, punindo a produção e encarecendo o produto final.

Apesar dessa lógica clara, tornou-se uma prática comum de governos estaduais e da União reter ou dificultar a devolução desses créditos. O motivo é puramente de caixa: ao segurar o dinheiro que pertence às empresas, o Estado cria um “colchão financeiro” artificial, melhorando seus balanços de curto prazo. Essa prática, embora financeiramente conveniente para o gestor público, é uma afronta à segurança jurídica e à boa-fé, criando um ambiente de imprevisibilidade e desconfiança que prejudica todo o ambiente de negócios.

A Reforma Tributária torna essa situação ainda mais crítica. A legislação de transição estabelece uma regra alarmante: os créditos de ICMS acumulados pelas empresas que não forem homologados (reconhecidos oficialmente) pelos estados até o final de 2032 só serão devolvidos ao longo de 240 meses, ou seja, 20 anos.

Isso cria uma verdadeira bomba-relógio. Empresas que possuem bilhões em créditos legítimos correm o risco de ter seu capital de giro confiscado por duas décadas, simplesmente pela ineficiência ou pela má-fé da administração tributária em processar suas devoluções a tempo. É aqui que o papel dos Tribunais de Contas se torna não apenas importante, mas essencial.

Historicamente, os Tribunais de Contas concentraram seus esforços na fiscalização da despesa pública – auditando licitações, obras e a aplicação dos recursos. A gestão da receita, por outro lado, sempre foi vista como uma área de discricionariedade do Poder Executivo. A Reforma Tributária exige uma mudança radical dessa mentalidade.

A nova missão dos Tribunais de Contas é expandir seu escopo para fiscalizar ativamente a gestão da receita, garantindo que o Estado não apenas arrecade de forma eficiente, mas que também cumpra suas obrigações para com o contribuinte. Isso inclui:

  • Auditar os estoques de créditos acumulados: Verificar por que os créditos não estão sendo devolvidos e se há represamento intencional.
  • Fiscalizar os processos de homologação: Garantir que os pedidos de ressarcimento sejam analisados com celeridade e de acordo com a lei, sem entraves burocráticos.
  • Responsabilizar gestores: Apurar e punir os responsáveis por políticas que resultem no empoçamento ilegal de créditos.

Ao assumir essa nova função, os Tribunais de Contas se tornam os guardiões da segurança jurídica e da justiça fiscal. Eles deixam de ser apenas os fiscais do gasto para se tornarem os protetores da cidadania fiscal, garantindo que a relação entre o Estado e o contribuinte seja pautada pela lei e pelo respeito mútuo, e não pela conveniência política do caixa do governo.

Sugestão de Leitura:

Reforma Tributária – Lei Complementar nº 214/2025 Comentada

Renaldo R. Júnior

Análise prática da Reforma Tributária: IBS, CBS, Imposto Seletivo, EC 132/2023 e LC 214/2025. Riscos, novos tributos, transição fiscal e compliance empresarial.

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