A NOVA CONSULTA SUI GENERIS DA JUSTIÇA ELEITORAL

1. Da função consultiva da Justiça Eleitoral

A função consultiva é uma das atribuições mais peculiares da Justiça Eleitoral e encontra amparo nos arts. 23, XII, e 30, VIII, do Código Eleitoral. Por meio dela, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) se manifestam, sem caráter jurisdicional, sobre questões apresentadas em tese, isto é, de forma abstrata e impessoal.

1.1. Requisitos da consulta

a) Legitimidade ativa: restrita à autoridade federal ou a órgão nacional de partido político, no caso do TSE, e à autoridade pública ou diretório estadual, no âmbito dos TREs.
b)Objeto: não pode versar sobre caso concreto.
c) Momento: não pode ser formulada após o início do processo eleitoral. O TSE já decidiu:

“Iniciado o processo eleitoral, não se conhece de consulta, porquanto seu objeto poderá ser apreciado pela Justiça Eleitoral, em caso concreto.” (Ac. de 26.8.2014, CTA nº 0600320-60, rel. Min. Luciana Lóssio).
d)Efeito: não tem caráter vinculante.
e) Competência: promotores e juízes eleitorais não respondem consultas; estas são dirigidas ao TSE (art. 23, XII, CE) ou ao TRE (art. 30, VIII, CE).

2. Do RDE: Requerimento de Declaração de Elegibilidade

A Lei Complementar nº 219, de 29 de setembro de 2025, instituiu no direito brasileiro o Requerimento de Declaração de Elegibilidade (RDE), acrescentando o § 16 ao art. 11 da Lei nº 9.504/1997, in verbis:

“O pré-candidato que demonstrar dúvida razoável sobre a sua capacidade eleitoral passiva, ou o partido político a que estiver filiado, poderão dirigir à Justiça Eleitoral Requerimento de Declaração de Elegibilidade (RDE) a qualquer tempo, e a postulação poderá ser impugnada em cinco dias por qualquer partido político com órgão de direção em atividade na circunscrição.”

O legislador criou uma modalidade inédita de provocação jurisdicional, uma consulta sui generis, distinta da consulta comum/tradicional.

3. Questões relevantes e problemáticas

A inovação legislativa suscita indagações doutrinárias e processuais:

•  A dúvida relevante pode abranger apenas hipóteses de elegibilidade ou também situações de inelegibilidade e registrabilidade?
• Quem possui legitimidade ativa para propor o requerimento?
• Qual deve ser a causa de pedir e o órgão competente?
• Em qual momentoo requerimento pode ser apresentado?
• Quem pode impugnar e qual o prazo?
• Qual o rito processual aplicável?
•   A decisão terá efeito vinculante ou meramente opinativo?

* O Ministério Público eleitoral opina na consulta sui generis?

*Cabe recurso da consulta?

O presente estudo busca sistematizar essas questões à luz do direito eleitoral e constitucional vigente.

4. Capacidade eleitoral ativa e passiva

A capacidade eleitoral ativa (jus sufragii ou jus singuli) é o direito de votar, assegurado pelo art. 14 da Constituição Federal.

A capacidade eleitoral passiva (jus honorum) é o direito de ser votado, condicionado ao cumprimento das condições de elegibilidade, registrabilidade e à ausência de inelegibilidade.

Logo, a capacidade eleitoral passiva se estrutura em três requisitos:
a) Condições de elegibilidade;
b) Condições de registrabilidade;
c) Ausência de inelegibilidade.

5. Conceitos correlatos

  • Elegibilidade: aptidão jurídica para ser candidato (art. 14, § 3º, CF).
  • Registrabilidade: cumprimento das exigências documentais do art. 11, §1º, da Lei nº 9.504/1997 e Resoluções do TSE.
  • Inelegibilidade: restrição jurídica que impede o exercício da capacidade eleitoral passiva (Lei Complementar nº 64/1990 e CF).

Pensamos que embora a lei denomine o instrumento de RDE, o exame da capacidade eleitoral passiva pode envolver também dúvidas sobre registrabilidade e inelegibilidade. Assim, derivam outras duas variações:

a) RDR: Requerimento de Declaração de Registrabilidade, quando houver dúvida sobre a regularidade documental do pré-candidato.
b) RDAI: Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade, quando houver dúvida quanto à incidência de causas impeditivas.

6. Legitimidade ativa do RDE (Requerimento de Declaração de Elegibilidade), RDE/RDR (Requerimento de Declaração de Registrabilidade), RDAI (Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade):

Podem propor o requerimento o pré-candidato ou o partido político ao qual estiver filiado.

7. Causa de pedir do RDE (Requerimento de Declaração de Elegibilidade), RDE/RDR (Requerimento de Declaração de Registrabilidade), RDAI (Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade)

Deve haver dúvida razoável e objetivamente demonstrável sobre a capacidade eleitoral passiva do interessado.

8. Competência do RDE (Requerimento de Declaração de Elegibilidade), RDE/RDR (Requerimento de Declaração de Registrabilidade), RDAI (Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade)

A competência é da Justiça Eleitoral do local em que o registro será futuramente requerido:

a) Eleições municipais: juiz(a) eleitoral da zona correspondente.
b) Eleições estaduais e federais: Tribunal Regional Eleitoral.
c)     Eleições presidenciais: Tribunal Superior Eleitoral.

9. Prazo e impugnação

  • Momento: o RDE/RDR/ RDAI pode ser apresentado a qualquer tempo, inclusive em ano eleitoral.
  • Impugnação: qualquer partido político com órgão ativo na circunscrição poderá impugnar o requerimento no prazo de cinco dias, contados da publicação.

10. Rito processual sugerido para o RDE/RDR/RDAI

A lei é silente quanto ao procedimento. Por analogia e em respeito ao princípio do contraditório e da publicidade, propõe-se o seguinte rito:

a) Protocolo do requerimento;
b) Publicação do edital;
c) Manifestação do Ministério Público Eleitoral (art. 127, caput, CF);
d) Decisão judicial;
e) Publicação da decisão.

11. Natureza e efeito da decisão no RDE/RDR/RDAI

A decisão que acolher o RDE, RDR ou RDAI deve gerar certidão declaratória, que poderá ser anexada futuramente ao Requerimento de Registro de Candidatura (RRC). Entendo que, ao contrário da consulta comum, tal decisão possui efeito vinculante para o mesmo pleito e circunscrição, impedindo rediscussão da matéria já apreciada.

12. Recursos cabíveis no RDE/RDR/RDAI

Da decisão caberá recurso inominado, no prazo de três dias, conforme art. 265 do Código Eleitoral e art. 96, §8º, da Lei nº 9.504/1997. São legitimados:

  • o pré-candidato sucumbente;
  • partidos políticos da circunscrição;
  • o Ministério Público Eleitoral.

O recurso permite reexame amplo de fato e de direito pela instância superior.

13. Síntese da diferença entre a consulta comum e a nova consulta sui generis

ElementoConsulta comumConsulta sui generis (RDE/RDR/RDAI)
LegitimidadeAutoridades e órgãos partidários nacionais/estaduaisPré-candidato ou partido político
ObjetoQuestão abstrata e impessoalCaso concreto (capacidade eleitoral passiva)
MomentoAntes do período eleitoralA qualquer tempo
EfeitoNão vinculanteVinculante para o pleito específico
CompetênciaTSE/TREJuiz eleitoral, TRE ou TSE, conforme o cargo.

14-Conclusão:

O RDE (Requerimento de Declaração de Elegibilidade), o RDE/RDR (Requerimento de Declaração de Registrabilidade) e o RDAI (Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade), inauguram um novo paradigma na Justiça Eleitoral, funcionando como uma consulta qualificada e vinculante voltada à prevenção de litígios sobre capacidade eleitoral passiva.

É uma inovação que, embora ainda demande consolidação doutrinária e jurisprudencial, reforça a segurança jurídica e a previsibilidade no processo eleitoral brasileiro.


FRANCISCO DIRCEU BARROS

Procurador-Geral de Justiça (2017/2018-2019/2020); Promotor de Justiça Criminal e eleitoral durante 26 anos; Mestre em Direito; Escritor com 72 (setenta e dois) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 15ª edição, Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Manual de Prática Eleitoral, 7ª edição, todos da Editora Mizuno.

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