Israel Evangelista da Silva
Advogado em Licitações e professor universitário de Direito Administrativo
Palavras-chave: Direito Administrativo. Licitação. Obra Pública. Concessão. Contrato. Reequilíbrio econômico-financeiro. Licitante.

Quem atua na área do Direito Administrativo não pode confundir as espécies de contratos, pois a confusão entre um contrato de obra (empreitada) e o instrumento contratual de concessão, por exemplo, pode gerar variados prejuízos ao órgão e grandes perdas ao licitante.
A contratação por concessão administrativa de construção hospitalar não é um contrato de obra pública, e por assim ser, a forma de apresentação das propostas, o fluxo de execução do serviço, e principalmente a metodologia de reestabelecimento do equilíbrio financeiro do contrato, devem ser avaliados com brutal diferença.
O primeiro passo da distinção entre um contrato administrativo e um contrato de concessão é entender o que eu sempre falo para meus alunos: a lei tem uma razão de ser. E em primeiro plano, a razão de ser de uma lei deve passar necessariamente por uma previsão da Constituição Federal.
O contrato administrativo encontra previsão no artigo 37, XXI, da Constituição Federal, dispositivo em que o constituinte originário determina que “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”.
Em relação ao contrato de concessão, o dispositivo é outro, e se encontra no título que trata da Ordem Econômica e Financeira. É o artigo 175, da Constituição Federal, que autoriza o regime de concessão ou permissão para a prestação de serviços públicos.
Uma característica comum neste ponto se apresenta: ambos os contratos devem ser precedidos de licitação.
Por serem precedidos de licitação, fica a pergunta: a Lei 14.133/21 se aplica a ambas espécies contratuais, indistintamente?
A resposta exige cautela. Observe que a Lei Geral de Licitações (14.133/21) regulamenta o artigo 37, XXI, da Carta Magna, enquanto que a Lei de Concessões e Permissões (8.987/95) regulamenta o artigo 175, da Constituição. Ambas são leis gerais, e portanto, não se complementariam.
Ocorre que o art. 186, da Lei Geral de Licitações, permite sua aplicação subsidiária nos processos que implementem a concessão, e neste ponto é bom alertar que apenas se aplica esta lei no caso de ausência de norma específica, ou quando a norma principal não é suficiente para regulamentar a questão apresentada.
Mas muito embora ambos atos administrativos negociais possuam prerrogativas extraordinárias próprias da administração pública, como os exemplos da unilateralidade de alteração, equilíbrio econômico-financeiro, etc., a existência de lei geral voltada ao regulamento exclusivo das concessões tem uma segunda e importante razão de ser, que são cláusulas estruturais, sobretudo orçamentárias e financeiras.
As diferenças destas avenças se apresentam desde a forma de avaliação das propostas no certame, passa pelas fontes de financiamento, e chegam até a forma e o modo de execução do projeto.
No contrato de obra, por exemplo, deve o órgão elaborar anteprojeto, o projeto básico e/ou o projeto executivo, onde irá apresentar o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços que o particular irá executar.
E a depender da escolha do administrador e de suas condições, a elaboração do projeto básico e do projeto executivo poderão ser elaborados pelo particular, que é o caso da contratação integrada ou semi-integrada, todavia, é ainda a Administração quem dá as diretrizes no anteprojeto, prevê os orçamentos, e quem aprova os projetos.
No caso da concessão, não cabe ao órgão assim definir, porque é exclusivamente o particular quem irá apresentar o projeto com os custos, encargos, fluxos de execução, ou mesmo a sub-rogação de suas atividades. Há uma delegação para o concessionário, que é quem projeta.
Estes fluxos de execução têm uma importante missão, pois é a partir daí que se estabelecem a forma com que a execução do serviço se protrairá no tempo, o que envolverá nuances que podem onerar o concessionário, projetando-se basicamente em um fluxo de caixa que considera a taxa interna de retorno (TIR).
- Enquanto no contrato de obra pública por empreitada a Administração Pública define o projeto e/ou a forma de execução, na concessão o concessionário apresenta a forma de execução por sua ótica;
- Enquanto no contrato de obra pública por empreitada a Administração Pública pré-define o orçamento e paga o contratado, na concessão o concessionário têm gastos próprios e ganhos proporcionais à performance;
- Enquanto o contrato de obra pública por empreitada elenca os custos a partir de numerosas planilhas, ao concessionário vige a modelagem de receita e a taxa de retorno apresentada em seu plano a partir das condições da Administração.
No tocante ao equilíbrio econômico e financeiro, a premissa também é verdadeira. Para a obra pública por empreitada, a manutenção do equilíbrio está vinculado aos custos dos projetos — aqueles previstos e os supervenientes, extraordinários ou não —, e servem sobretudo para que os custos e índices mantenham a equação original do contrato, sob viés sobretudo econômico, portanto.
Nas concessões, por outro lado, o acento é no equilíbrio precipuamente financeiro, porque trata de investimentos privados, alocados e geridos por agente privado, e cuja remuneração se performa no tempo, envolvendo variáveis de alocação e gestão financeira distintas do contrato administrativo por empreitada.
Não se pretende esgotar o tema neste insípido artigo, mas alertar que a distinção entre as duas espécies contratuais é imprescindível para que o contratado apresente corretamente o seu projeto e tenha maiores chances de êxito em seus pedidos de reequilíbrio, enquanto que a Administração Pública passa a saber a forma e modo de análise do pedido, e tem mais facilidade em motivar sua decisão.1
- SILVA, Israel Evangelista da. “Contrato de obra pública: empreitada ou concessão? É necessário diferenciar”. Editora Mizuno, coluna Direito Administrativo. Disponível em: https://blog.editoramizuno.com.br/contrato-de-obra-publica-empreitada-ou-concessao-e-necessario-diferenciar/. Acesso em: 08 05. 2025.” ↩︎