“Só é possível ensinar uma criança a amar, amando-a.”
(Johann Wolfgang von Goethe, escritor, cientista e filósofo alemão.)
No direito à convivência familiar das crianças e adolescentes se extraí dessa experiência memórias para um acervo futuro, histórias e exemplos para a formação pessoal e desenvolvimento da personalidade humana.
Tem espeque Constitucional no artigo 225 e no artigo 19 do Estatuto da Criança e Adolescente, sendo mais um direito da criança/adolescente do que demais familiares, em vista a necessidade do desenvolvimento social e do lugar que ocupa no seio familiar.
No livro Criando Meninas, de Gisela Preuschoff (Ed. Fundamento, pág. 96, ano 2003), a autora citando a adolescência, aduz que “as meninas precisam, nessa fase, mais do que em outras, de pais fortes. Segundo os especialistas não estamos falando de pais que conseguem impor as suas vontades às filhas: pais fortes são aqueles que têm convicções pelas quais as filhas possam se nortear”.
Com esteio na literatura acima citada, ao nosso sentir, as considerações valem para todos os adolescentes, já que, na conturbada fase podem surgir transtornos relacionados à alimentação, drogas e depressão.
Por isso a importância de um convívio familiar sadio e orientador desde a primeira infância até demais fases, com vistas ao bem estar e equalização dos sentidos de vida do ser humano.
Aliás esse é o alicerce Constitucional: a dignidade da pessoa humana (art. 1º. III).
Contudo, o convívio não é um direito absoluto e pode em algumas hipóteses sofrer limitações ou até mesmo ser suprimido, dada a necessária proteção integral aos direitos do infante ou adolescente, notadamente quando traz riscos à incolumidade física, moral, espiritual ou psicológica.
Nesse diapasão, Carlos Roberto Gonçalves (pág. 319, livro Direito Civil Brasileiro 6 – Direito de Família) bem ressalta, quando informa que:
“O direito de visita, com efeito, na medida em que se invoca a sua natureza puramente afetiva, “não tem caráter definitivo, devendo ser modificado sempre que as circunstâncias o aconselharem; e também não é absoluto, pois, por humana que se apresente a solução de nunca privar o pai ou a mãe do direito de ver seus filhos, situações se podem configurar em que o exercício do direito de visita venha a ser fonte de prejuízos – principalmente no aspecto moral –, sendo certo que todos os problemas devem ser solucionados à luz do princípio de que é o interesse dos menores o que deve prevalecer”
E sobre esse aspecto, devem ser consideradas as condições psicológicas e emocionais daquele que procura conviver com as crianças ou adolescentes, já que, em tese, deveriam servir de referência para essa formação.
Não é à toa que existem equipes multidisciplinares nos Juízos de família, que buscam desenvolver estudos psicossociais familiares, atualmente norteando-se até mesmo com técnicas de constelação familiar, com vistas a descortinar e detectar distúrbios que possam afetar o convívio sadio, em razão do melhor interesse da criança e adolescente e a necessária proteção integral.
Contudo, as breves linhas do presente artigo, apenas se debruçam sobre a (im)possibilidade, ou possibilidade reduzida do convívio das crianças/adolescentes com parentes que portam o transtorno de personalidade narcisista.
Trazendo um pouco do tema à guisa de conhecimento:
O “Transtorno de personalidade narcisista (TPN), é um transtorno de personalidade catalogado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV. caracterizada por sentimentos exagerados de autoimportância, uma necessidade excessiva de admiração, e uma falta de compreensão dos sentimentos dos outros. As pessoas afetadas muitas vezes passam muito tempo pensando em alcançar poder ou sucesso ou sobre sua aparência. Eles, muitas vezes, se aproveitam das pessoas a seu redor. O comportamento normalmente começa na idade adulta, e ocorre em uma variedade de situações.
A causa do transtorno da personalidade narcisista é desconhecida. O diagnóstico é feito por um profissional de saúde entrevistando a pessoa em questão. A condição precisa ser diferenciada de Mania e Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa.
A terapia é muitas vezes difícil, pois as pessoas com o distúrbio, frequentemente, não consideram ter um problema. Acredita-se que cerca de 1% das pessoas sejam afetadas em algum momento de sua vida. Parece ocorrer mais frequentemente em homens que mulheres, e afeta mais jovens que as pessoas mais velhas. A personalidade foi descrita pela primeira vez em 1925, por Robert Waelder, enquanto o nome atual da condição entrou em uso em 1968.”
(fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_narcisista) pesquisado em 10/01/2021, às 09:04h.
Nesse cenário, o narcisista, pessoa a qual cria um mundo mental paralelo ao real, em que a literatura denomina “narcolândia”, no qual só ele possui a razão, tendo o egocentrismo como bandeira e modus operandi nas relações sociais que trava com as demais pessoas.
De outro lado, suas vítimas denominadas empatas, são as pessoas por ele abusadas, conduzidas psicologicamente, num emaranhado mental que nem podem se dar conta sem a ajuda da literatura especializada ou por terapeutas especializados.
O empata é uma pessoa com a capacidade de sentir emoções, de se inserir no lugar dos outros, de modo a se sensibilizar com os sofrimentos alheios, tendo a habilidade de tratar as pessoas com extrema dignidade. O narcisista detecta um empata nas relações sociais como um tubarão detecta sangue a quilômetros de distância em alto mar.
O narcisista não dispõe de empatia, é pessoa desprovida que sentimentos que procura desenfreadamente explorar, espoliar, manipular, predar outras pessoas, chegando ao extremo de triangular informações falsas ou distorcidas contra a vítima perante terceiros, e ao final, ainda obter uma “imagem ilibada” socialmente, pondo em dúvidas ou maculando todo um contexto de vida de alguém, para fazer-se de pseudo vítima daqueles quem atacou.
Tais fatos são comuns socialmente, e em casos de família ainda mais, mormente quando essa triangulação versa sobre atos de alienação parental como projeção equivocada e distorcida na mente do infante ou adolescente da imagem de um parente, falsas acusações de agressão, incentivos ao desregramento de vida da criança para criar um ambiente em que “tudo pode” visando desconstituir a autoridade dos pais ou mesmo desrespeitar e atacar o guardião ou convivente, enfim, em matéria de transtorno narcisista tudo pode acontecer, já que, julgam-se superiores às demais pessoas no seu mundo fantasioso.
Há um típico comportamento narcisista em que, querendo violar a paz da vítima, o narcisista adota prática omissiva no convívio familiar, ou seja, simplesmente desaparece, dá um “gelo” programado por longos períodos, as vezes até mesmo por anos, privando a criança ou adolescente do convívio familiar. E de repente, reaparece sem qualquer aviso e retoma o diálogo como se nada houvesse ocorrido, trazendo até mesmo dúvidas à mente da vítima, que chega a questionar as próprias convicções, o que se denomina gaslightning.
Sobre a definição:
“Gaslighting ou gas-lighting é uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade.[2] Casos de gaslighting podem variar da simples negação por parte do agressor de que incidentes abusivos anteriores já ocorreram, até a realização de eventos bizarros pelo abusador com a intenção de desorientar a vítima.” (fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gaslighting).
Contudo, existem situações piores, em que pelas projeções dos males causados por narcisistas se perpetuam crimes contra a infância, que pode ser marcada por abusos físicos, sexuais, além do psicoterrorismo, ou seja, danos que não podem ser desfeitos ou compensados na vida, afetando o bem estar físico, emocional, espiritual, criando gatilhos emocionais negativos, quais dificultarão o desenvolvimento psicológico do indivíduo e sua interação social futura.
Nesse prisma, pode-se ainda afirmar que ao se tratar mal uma criança, ela não deixa de amar os pais, porém, em contrapartida, deixa de se amar e aos poucos abandona sua autoestima em construção, fragilizando sua alma e submetendo-se à aceitação de abusos, dada a gravidade dos impactos psicológicos.
Sempre que possível pessoas narcisistas predispõem de uma rede de pessoas que são seus “olhos” sociais, as quais lhes servem para dar suprimentos de informações das vítimas/empatas, sendo utilizada com frequência também para distorções da imagem do parente/convivente que pretende hostilizar.
É muito comum que cada passo seja acompanhado em redes sociais, quando das vezes em que o narcisista busca afiliar-se dos amigos da vítima, para ampliar contatos para os já mencionados suprimentos de informações ou implantar de distorções da imagem social daquele que pretende vitimizar.
O transtorno da personalidade narcisista apresenta traços de psicopatia, e na busca de causar danos à criança/adolescente, guardião ou o outro convivente, pode se valer de expedientes dos mais sinistros e gradativos “tons de cinza”.
No Brasil ainda é um tabu se questionar o amor de mãe/pai ou mesmo de avós/avôs, mas nem sempre tudo é como aparenta ser, e nem sempre quem gerou ou tem vínculo sanguíneo está apto ao bem estar físico, emocional e espiritual de uma criança.
Centenas de lares disfuncionais existem e em muitos deles quem mais deveria proteger e cuidar são algozes dos vulneráveis.
Na dicção de Virgínia Coser, em seu ebook intitulado Quando sua maior inimiga é sua mãe, a autora cita que: “os transtornos de personalidade (também chamados de perturbações da personalidade) se caracterizam por padrões de interação interpessoais tão desviantes da normalidade que o desempenho do indivíduo, tanto na área profissional como em sua vida privada, podem ficar comprometidos.”
Ainda citando a autora acima, “não há medicação para tratar narcisistas. Eles não são doentes mentais: são perversos, maquiavélicos e somente a terapia poderia ser utilizada como forma de tratamento. Acontece que narcisistas se enxergam perfeitos, não se submetendo à psicoterapia, e quando o fazem não dizem a verdade. Enganam a si mesmos e aos terapeutas, em um mundo fantasioso onde seu “eu interior” tem uma parte chamada “Self” que é imperfeita, cruel e fica escondida, e entradoem cena o seu “FalsoSelf”, que comanda suas ações. Nesse “Falso-Self” criado, o nasrcisita é perfeito e sofre com seus “supostos” vilões: seu colega de trabalho, sua filha, sua ex-exposa… Ele será sempre o mocinho da história não só na terapia, mas também na sociedade, uma eterna vítima segundo sua irreal perspectiva”.
Existem ainda situações em que o narcisista que possui mais de um filho, e assim, escolhem sempre os “filhos dourados” e os “bodes expiatórios”, infligindo aos últimos, por meio de transferência psicossomática, seus dramas, traumas, inquietações, vazios de alma, por meio de comparações injustas, tratamentos desiguais, privilégios concedidos a um e negados a outros, enfim, toda a gama de diferenciação que desde a primeira infância podem sofrer.
Os filhos devem ser tratados de forma igual, sem qualquer diferenciação, como preza o artigo 20 do Estatuto da Criança e Adolescente, e isso abrange não só o tratamento material, mas o psicológico e espiritual.
Na primeira infância ficam registradas imagens e exemplos (negativos ou positivos) que podem traçar o destino emocional do indivíduo e certamente qualquer tratamento diferenciado poderá causar essas “tatuagens” emocionais, contribuindo para transtornos psicológicos e comprometimento nas relações sociais futuras.
Retomando o direito de convívio familiar/parental, com já esclarecido no início, não se cuida de um direito absoluto.
E em se tratando de pessoas que portam o transtorno da personalidade narcisista, sugere-se que o direito de convívio deva ser exercido com extremo cuidado, preferencialmente por acompanhamento com outros parentes ou se estabelecido em Juízo, até mesmo com a presença de um (a) psicólogo(a), justamente para se evitar os abusos típicos das projeções narcisistas sobre infantes e adolescentes, que quase sempre desaguam em atos de alienação parental ou mesmo riscos diretos à incolumidade física. Há situações em que, constatada a gravidade deve-se suprimir, ainda que momentaneamente, o direito de visitação, como forma de preservação da criança.
Quando ajuizada demanda de regulamentação de convívio, o bom alvitre impõe o dever de realizar o costumeiro estudo psicossocial, preferencialmente com profissionais especializados ou capacitados a detectar o transtorno da personalidade narcisista, com vistas a verificar a potencialidade dos danos quando do exercício do convívio, a necessidade e possibilidade do contato, o tempo necessário, enfim, aspectos que possam por em segurança e proteção integral as crianças e adolescentes que estarão submetidos.
Entretanto, nem sempre os mais gabaritados profissionais obterão a colheita exata dos elementos do citado transtorno, pois como já mencionado, a ilusão e mentira que os narcisistas criam para si quase sempre convencem as pessoas do entorno.
Com a detecção do transtorno sob análise, por meio das equipes especializadas, estará o Poder Judiciário zelando pelos direitos da criança e adolescentes, e os responsáveis evitando malefícios que poderiam causar danos irreversíveis à vida dos vulneráveis.
Desta forma, após a análise detida das informações, fica evidente que em certos casos de graus mais evoluídos do transtorno da personalidade narcisista nem sequer seria recomendado o exercício da convivência familiar, pois os danos da ausência parental seriam mínimos em comparação com os danos causados por uma convivência!
Cada caso deve ser estudado detidamente, com máxima acuidade, seja para não ser injusto com quem pode estar sendo acusado de portar o citado transtorno, seja para que, uma vez constatado, se dose com sabedoria e prudência o convívio parental.
Para maiores referências sobre o transtorno da personalidade narcisista há diversas obras no mundo literário e canais em redes sociais que aprofundam o assunto.
A psicologia e o direito sempre estarão entrelaçados nas relações sociais, importando numa análise conjunta e aprofundada para melhor percepção da realidade de cada criança, visando tutelar e proteger os vulneráveis.
Excelente artigo!
Eu diria Sensacional!
Estou recomendando a leitura pois trata-se de um tema pouco discutido mas em contra partida muito comum nas vivências e relações interpessoais.
Parabéns à editora e ao blog por darem espaço para essa abordagem!
Agradeço o comentário Sra. Luísa Lemos!
Vosso feedback é importante para nortear o trabalho e aperfeiçoá-lo. Gratidão.
Boa noite, eu sou de Portugal, e desde já muito obrigada pela clareza do artigo. Eu dirijo-me ao autor e responsaveis do blog pedindo ajuda caso possam, aconselhando-me sobre um advogado que tenham conhecimento, porventura, aqui em Portugal, com quem possam já ter articulado, que esteja ciente desta matéria. Muito muito obrigada.
Adorei a matéria. Existe um site que se chama CEPPERT – Centro de Estudos e Psicoterapia para Relações Tóxicas. Tem muito material de graça sobre narcisismo, e eles sugerem vários tipos de psicoterapia também, especialmente para quem está passando por isso. O endereço é http://www.ceppert.com.br.
Parabéns Dr. pelo precioso artigo, tinha um conhecimento muito raso sobre o assunto e, por isso, não tinha a real noção do perigo. Obrigado por compartilhar seu vasto conhecimento.
Excelente artigo! Como é possível afastar o narcisista da criança?
Perfeitooo!!!! Como o judiciário precisa, mais do qye nunca, rever conceitos, estudar um pouco de psicologia tb na área de família! Já vou comprar esse livro!
Parabéns Dr, tem exemplos de processos que foram abertos com solicitação de visita assistida com a alegação que o pai é narcisista e a mãe no final conseguiu proteger o filho? Pois de um modo geral a maioria das equipes do PsicoSocial não estão preparadas para identificar as mentiras contadas pelo Narcisista, e a mãe desesperada durante o processo não consegue provar (uma vez que o Narcisista tem uma capacidade INDESCRITÍVEL de manipular, mentir e criar ilusões que envolvem todos a sua volta).
Esse artigo é uma pérola. Existe um vasto mundo a se desbravar na psicologia e no judiciário sobre esse tema. Porém os narcisistas adoram a profissão de juízes. A luta é árdua. Só quem passa sabe.
Obrigada
Perfeito sua pergunta, reiteiro a mesma pois tenho duvidas quanto a isso tbm