Limitação dos valores dos pedidos na Justiça do Trabalho

Homem gritando de raiva ao telefone

A reforma da CLT, mediante a publicação da Lei N° 13.467, de 13 de Julho de 2017, acarretou profundas alterações no Direito do Trabalho, com reflexos de natureza processual e, sobretudo, substancial às partes e procuradores.

Entre os vários dispositivos que sofreram alteração, está o § 1º do Artigo 840 da CLT, que estabelece o seguinte:

§ 1o  Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. (g.n.)

Efetivamente, tal dispositivo tem gerado grande celeuma jurídica no que tange a sua aplicação, dividindo-se basicamente em duas correntes: uma que defende que os pedidos apresentados na inicial limitam o pleito do Autor e, outra, que entende que a exposição dos valores na inicial não passaria de mera indicação por aproximação dos valorestido como devidos.

Em síntese, os que defendem a estrita limitação dos pedidos alegam que tal observância é obrigatória e vinculadora do magistrado nos termos do § 1º do Artigo 840 da CLT,  sob pena decisão ultra petita, ou seja, flagrantemente violadora ao art. 492 do CPC.

Já, os que defendem o contrário, sustentam que não se mostra razoável a liquidação dos pedidos em sede de inicial, isto é, antes da instrução do feito e da efetiva produção de provas, porquanto tal medida estaria a extrapolar a própria “vontade da lei” (“mens legis”), além de dificultar o acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF).

Defendemos que, numa ação trabalhista, onde se busca o reconhecimento de direitos trabalhistas, verbas que guardam natureza alimentar, não se mostra razoável a limitação dos pedidos de  acordo com os valores indicados na inicial, sob pena de violação à lei (§ 1º do Art. 840 da CLT) que não fala em liquidação, mas apenas em indicação de valores, e, ainda, a preceito de ordem constitucional (Art. 5º. XXXV, CF).

Contudo, outros fatores devem ser levados em conta na interpretação do Artigo 840, § 1º da CLT, a saber:

Primeiro, ter havido expressa ressalva do autor que a indicação dos valores decorre de mera estimativa, devendo, ao final, o quantum devido ser apurado por cálculos de liquidação, atentando-se para os comandos decisórios e as provas carreadas aos autos. Melhor ilustrando, havendo cartões de ponto tido como fidedignos, evidente que a efetiva apuração das horas extras deve-se dar com base em tais documentos, sob pena de violação ao princípio da verdade real.

Aliás, neste sentido, confira abaixo os seguintes julgados do C. TST:

Ementa: VALOR DE CADA PARCELA. LIQUIDAÇÃO. LIMITAÇÃO. JULGAMENTO ULTRA PETITA.  A decisão regional, ao concluir que, no rito ordinário, a indicação do valor atinente a cada um dos pedidos na exordial não implica liquidação pelo reclamante, por tratar-se de mera estimativa, sendo os montantes resultantes da condenação passíveis de posterior adequação na fase de liquidação da sentença, não importa em decisão ultra petita. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST – AIRR 10606-52.2017.5.03.0012 – 8ª Turma – Rel. Min. Dora Maria da Costa – Julgamento: 14/11/2018 – DEJT: 19/11/2018).

Ementa: LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES DOS PEDIDOS INICIAIS. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. Não obstante o Regional tenha externado entendimento que, em tese, afronta os artigos 141 e 492 do CPC/15 e diverge da jurisprudência desta Corte, no sentido de que a inobservância dos valores líquidos indicados na petição inicial configuram julgamento ultra petita, no caso dos autos, a mera leitura da exordial revela que o reclamante não formulou pedidos líquidos .

Ao contrário do que faz crer a reclamada, à fl. 8 da petição inicial, o reclamante ressalta que os valores pleiteados deverão ser apurados em liquidação de sentença, não havendo, na hipótese em exame, fixação de montante isolado a cada um dos pedidos. Desse modo, não se há falar em violação dos dispositivos invocados (artigos 5º , incisos II , XXXV , LIV e LV , da CF/88, 141 e 492 do CPC/15 ), muito menos em divergência jurisprudencial. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR 11050-47.2014.5.15.0080 – 5ª Turma – Rel. Min. Breno Medeiros – Julgamento: 22/08/2018 –  DEJT 31/08/2018).

Ainda, nesta mesma toada, destaca-se abaixo os seguintes julgados do E. TRT da 3ª Região:

“RECLAMAÇÃO TRABALHISTA SUJEITA AO RITO ORDINÁRIO. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES ATRIBUÍDOS AOS PEDIDOS NA PETIÇÃO INICIAL. INVIABILIDADE. Com o advento da Lei nº 13.467/2017, foi acrescentado no art. 840, § 1º, da CLT, como requisito da reclamação trabalhista, a formulação de pedido certo, determinado e com indicação de seu valor, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito.

No entanto, os valores dos pedidos indicados na petição inicial devem apresentar apenas uma estimativa aproximada do conteúdo pecuniário da pretensão, porquanto tem como objetivo principal definir o rito processual a ser seguido, não havendo falar em limitação estrita aos respectivos valores em eventual liquidação. Aplica-se, por analogia, o entendimento consubstanciado na Tese Jurídica Prevalecente nº 16 deste Tribunal Regional.” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010694-34.2018.5.03.0181 (RO); Disponibilização: 10/12/2018; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator: Sebastião Geraldo de Oliveira).

Ementa: LIMITAÇÃO DOS PEDIDOS. RITO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. Nos termos do art. 840, §§ 1ºe 3º da CLT, com a redação conferida pela Lei nº 13.467/2017, na exordial, o pedido deve ser certo, determinado e com indicação de seu valor, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito. Contudo, o valor atribuído à causa indica uma estimativa do “quantum debeatur”, tendo como finalidade apenas de definir o rito processual a ser seguido. Assim, os valores nominais atribuídos a cada parcela constante do rol de pedidos não serve para delimitar o valor da condenação. Aplica-se, por analogia, a Tese Jurídica Prevalecente nº 16 do TRT da 3ª Região, ficando este Juiz Relator vencido diante do entendimento majoritário desta Eg. Turma. (TRT-3ª Região – RO 0011146-94.2018.5.03.0035 – 6ª Turma – Relator Helder Vasconcelos Guimarães – Publicação: 22/08/2019).

Segundoporque  a lei não fala em liquidação, mas apenas de indicação de valores na inicial (Art. 840, § 1º, da CLT), descabendo, portanto, a limitação dos pedidos, o que, na prática, acabaria por acarretar flagrante contrariedade aos princípios que devem orientar a aplicação do direito do trabalho (Primazia da Realidade, Irrenunciabilidade de direitos; condição mais benéfica etc.).

Terceiro,  porque,  havendo  documentos para se apurar o correto valor devido(cartões e holerites), seria ilógico e injusto limitar-se tal liquidação a mera indicação dos valores atribuídos na inicial, o que poderia, inclusive, acarretar o enriquecimento ilícito da empresa Ré à custa do trabalho do obreiro (Artigos 884 e 886 do CCB).

Quarto, porque, impossível falar-se em liquidação antes da prolação de decisão transitada em julgado. Daí, a correta interpretação do § 1º do Artigo 840 da CLT, onde se lê, “indicação dos valores” e não liquidação dos pedidos.

Quinto, porque, consonante entendimento consagrado na doutrina pátria, não há espaço para liquidação anterior à fase de conhecimento, o que conduziria a uma análise prematura e fictícia dos critérios de apuração, que somente seriam devidos em caso de uma sentença condenatória.

Sobre o tema, destaca-se abaixo a abalizada opinião do Desembargador Jorge Luiz Souto Maior:

“A inovação trazida na Lei n. 13.467/17 fica por conta da exigência de que o pedido deva “ser certo, determinado e com indicação de seu valor”.

Isso, no entanto, não representa uma alteração substancial, pois a precisão e a determinação do pedido dizem respeito à sua própria essência e a indicação do valor, como está expresso no dispositivo legal referido, não passa de uma indicação, ou seja, não se trata de uma liquidação, vez que essa só decorre da condenação.

O texto  legal  faz referência expressa a “indicação do seu valor” (do pedido), o  que  deve  ser     tomado,    literalmente,  como   uma   indicação e não como  uma  certeza,  a  qual  só  se  obterá com os limites fixados no julgamento e após a necessária liquidação.

Importantíssimo verificar que o próprio legislador (da Lei 13.467/17) deixa claro que a definição do valor efetivamente devido será feita com a liquidação da sentença. Vide, a propósito, o teor do art. 791-A, que estabelece que os honorários advocatícios devidos ao advogado do reclamante serão calculados sobre “o valor que resultar da liquidação da sentença”.

O valor do pedido, indicado na inicial, ademais, é, meramente, a expressão econômica que se considera advir do pedido (daí a expressão “indicação”), sendo que mesmo essa indicação não poderá ser exigida quando for impossível (ou bastante difícil, dada a complexidade dos cálculos trabalhistas que muitas vezes se apresentam) fazê-lo no momento da propositura da ação, considerando-se, como deve ser, que em muitas situações isso não é possível.

Mesmo o CPC tem regra neste sentido (§ 1º do art. 324, CPC).

Por conta de tudo isso, em nenhuma hipótese o valor apresentado delimita  a  condenação  porque  o  juiz  julga  o pedido, na perspectiva de uma correspondência entre o fato e o direito. 

Concretamente, o juiz aplica o direito ao fato, embora vinculando-se à delimitação de pedido, que, como se sabe, é a decorrência jurídica lógica do fato aduzido.

Então, se o direito aplicado ao caso concreto gerar um resultado econômico superior ao valor indicado na inicial, a devida prestação jurisdicional,  que é uma obrigação constitucional, deverá considerar o valor efetivamente devido, que será apurado em liquidação de sentença, valendo lembrar que os direitos trabalhistas, em sua grande maioria, cuidam de questões de ordem pública, sob o império, inclusive, do princípio da irrenunciabilidade.

Havendo condenação, o que prevalece, portanto, é o valor que se extrai da liquidação da sentença e não o valor apresentado para o pedido, que é, como se viu, meramente indicativo.”

(https://www.jorgesoutomaior.com/blog/peticao-inicial-trabalhista-desnecessidade-de-liquidacao-dos-pedidos –  (15/04/2018).

Logo, inviável que se estabeleça uma liquidação prévia, sem que tal fato não implique numa verdadeira afronta aos princípios basilares que devem orientar a aplicação das normas trabalhistas e do direito processual em vigor.

Malgrado as limitações impostas pela nova lei, ao autor cumpre efetuar a indicação dos valores dos seus pedidos, com base em estimativas sobre o período contratual e nos horários de trabalho informados pelo obreiro. Pois, tal indicação não pode ser aleatória e arbitrária, mesmo sendo impossível chegar-se a exatidão sobre o quantum devido. Até, porque, muitos desses pedidos dependem exclusivamente do entendimento que emanará de cada decisão judicial (valoração das provas e eventual interpretação do sistema de compensação adotado).

Daí, porque, a liquidação dos pedidos somente deve ser efetuada após decisão transitada em julgado, mediante a juntada dos cálculos de liquidação, observando-se os documentos juntados aos autos (cartões de ponto, holerites, acordos de compensação, etc.), bem como os comandos judiciais emanados da decisão judicial definitiva.

Tal procedimento é indispensável para que não ocorra o enriquecimento ilícito de quaisquer das partes. Pois, por exemplo, soaria por demais ilógico o pagamento a menor de horas extras caso os Cálculos de Liquidação viessem a apurar valor a maior nos cartões de ponto do que aqueles indicados na inicial. Afinal, qual é o objetivo do processo senão a realização da Justiça?

Destarte,  a liquidação do feito não pode ficar circunscrita aos valores indicados na inicial, acarretando discutível aplicação da lei, podendo causar grave injustiça, inclusive, sob o beneplácito da lei e do próprio poder jurisdicional.

Por isso, havendo cartões de ponto, a apuração das horas extras e suas repercussões deve ocorrer com base em tais documentos. Afinal, neste caso, não se pode perder de vista os basilares princípios que devem nortear a aplicação do direito do trabalho e que, visam, sobretudo, proporcionar segurança jurídica às partes mediante a justa e equânime aplicação da lei, a saber: a) Princípio da Proteção; b) Da Aplicação da Norma Mais Favorável; c) Do In dubio pro operário; d) Da Condição mais Benéfica; e) Da Irrenunciabilidade de Direitos; f) Da Primazia da Realidade; g) Da Inalterabilidade Contratual Lesiva.

Ademais, não se pode olvidar que nosso estado democrático de direito tem por fundamentos, entre outros, “a dignidade da pessoa humana” e os “valores sociais do trabalho” (Artigo 1º, III e IV, da CF).

De modo que, havendo condições de aferir-se por meio de documentos o real valor devido nos autos, evidente que, neste caso, deve-se se lançar mão da liquidação por cálculos, sob pena de inverter-se a lógica do processo e fazer-se deste o fim e não apenas o um meio para se chegar à Justiça.

Por fim, verifica-se inexistir violação aos artigos 141 e 460 do CPC, haja vista que a interpretação do § 1º do Artigo 840 da CLT deve ser efetuada à luz dos princípios da primazia da realidade e da irrenunciabilidade de direitos. De modo que, os artigos 141 e 460 do CPC não podem se sobrepor a preceitos de ordem constitucional (Art. 5º, XXXV, e Art. 1º, III e IV, CF).

Em síntese, a correta interpretação do § 1º do Artigo 840 da CLT não aponta para a delimitação dos pedidos elencados na inicial, mas apenas para a indicação dos valores por estimativa, os quais somente serão definitivamente conhecidos após a prestação da efetiva atividade jurisdicional, seguida dos cálculos de liquidação.

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