A condenação do Deputado Federal Daniel Silveira pelo STF e a concessão de indulto individual pelo Presidente da República

prisão com cela aberta
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RESUMO. O presente texto tem por escopo precípuo analisar o instituto da graça previsto no Direito Penal como causa extintiva da punibilidade

Palavras-chave. Direito; penal; graça; extinção da punibilidade.

INTRODUÇÃO

Nos últimos dias o assunto principal no meio jurídico e nas redes sociais tem sido a condenação do Deputado Federal Daniel Silveira pelo Supremo Tribunal Federal e a concessão da graça do condenado pelo Presidente da República.  Assim, sem viés ideológico o presente texto visa analisar o instituto da graça, pouco usado no sistema jurídico brasileiro.

É importante salientar que o poder de punir pertence ao Estado em razão de sua soberania, exercido legítima e civilizadamente através de um processo ético e devido, em face de quem tenha praticado um fato criminoso. Evidentemente, que a condenação deve passar por um processo devido de acordo com as normas constitucionais e processuais em vigor.

Em alguns casos, o próprio Estado pode renunciar o seu poder de punir, por diversas questões, por exemplo, a morte do agente, ou por outros motivos de política criminal, ocorrendo a extinção da punibilidade. As causas extintivas da punibilidade, em geral, atingem apenas o jus puniendi, permanecendo o crime em sua integridade, com todos os seus demais efeitos.

As causas extintivas da punibilidade estão previstas no artigo 107 do Código Penal, a saber:  

I – pela morte do agente;

II – pela anistia, graça ou indulto;

III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV – pela prescrição, decadência ou perempção;

V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI – pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

VII – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

A doutrina mais abalizada entende que o rol acima é meramente exemplificativo, pois existem outras causas fora desse rol, previstas no próprio Código Penal, em sua parte geral ou especial e em leis esparsas.

Assim, no artigo 82 que define o instituto do sursis, que prevê expirado o prazo sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a pena privativa de liberdade. De igual forma, no livramento condicional, se até o seu término o livramento não é revogado, considera-se extinta a pena privativa de liberdade.

Na parte especial do Código Penal, existe a possibilidade previsto para o peculato culposo, artigo 312, § 3º, segundo o qual no caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

É possível encontrar também algumas causas extintivas da punibilidade em leis especiais, como na Lei nº 9.099, de 95, que prevê o instituto da suspensão condicional do processo, em seu artigo 89, § 5º, in verbis:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

Outrossim, outra causa extintiva da punibilidade muito utilizada no Brasil, é a prevista na Lei 9.249,de 95, que tem previsão da extinção da punibilidade para os crime contra a ordem econômica e financeira da Lei 8.139, de 90 e na Lei 4.729, de 65, onde o artigo 34 prevê que extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Considerando o tema central deste ensaio, restringir-se-á tão somente em três causas extintiva de punibilidade, a anistia, a graça e o indulto, todas previstas, no artigo 107 inciso II, do Código Penal, institutos distintos, mas todos previstos como causas extintivas da punibilidade.

De plano é com definir que anistia é ato legislativo em que o Estado renuncia ao direito de punir, ou como bem ensina Aureliano Leal, é o esquecimento jurídico de uma ou muitas infrações penais.

A anistia é atribuição do Congresso Nacional, a teor do artigo 48, inciso VIII, da Constituição da República de 1988, com a sanção do Presidente da República, sendo concedida por meio de leis, com efeito retroativo. “Opera ex tunc, isto é, para o passado, apagando o crime, extinguindo a punibilidade e demais consequências de natureza penal” (Damásio E, de Jesus, Direito Penal, p. 603, 1989).

Importante ressaltar que a Lei dos Crimes Hediondos, Lei nº 8.072/90 exclui a possiblidade de extinção da punibilidade por anistia nos crimes hediondos e equiparados, art. 2º. Inciso I, in verbis:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:             

I – anistia, graça e indulto;

Por sua vez, os institutos do indulto e da graça são também causas de extinção da punibilidade previstas no artigo 107, II, do CP. Alberto Silva Franco e outros, em sua Obra Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, página 620, arremata:

O induto e a graça no sentido estrito são providências de ordem administrativas, deixado a relativo poder discricionário do Presidente da República, para extinguir ou comutar penas. O indulto é medida de ordem geral, e a graça de ordem individual, embora, na prática, os dois vocábulos se empreguem indistintamente para indicar ambas as formas de indulgência soberana. Atingem os efeitos executórios penais da condenação, permanecendo íntegros os efeitos civis da sentença condenatória. Entre os efeitos executório-penais que a graça e o indulto fazem desaparecer estão as medidas de segurança e as penas acessórias (José Frederico Marques, Tratado, vol. 3/425 e 426). Na Constituição atual, a competência do Presidente da República está prevista no artigo 84, XII.

Sobre a graça, como causa de extinção da punibilidade, o professor NUCCI ensina com autoridade, trata-se de uma clemência destinada a uma pessoa determinada, não dizendo a fatos criminosos. A Lei de Execução Penal passou a chamá-la, corretamente, de indulto individual (arts. 188 a 193), embora a Constituição Federal tenha entrado em contradição a esse respeito. No art. 5º, XLIII, utiliza o termo graça e no artigo 84, XII, refere-se tão somente a indulto. Portanto, diante dessa flagrante indefinição, o melhor a fazer é aceitar as duas denominações: graça ou indulto individual. Tratando de um perdão concedido pelo Presidente da República, dentro de sua avaliação discricionária, não sujeita a qualquer recurso, deve ser usada com parcimônia.[1]

Com autoridade, ANDREUCCI traz conceito e limites da graça. Assim, o citado professor assevera que “a graça é sempre individual, ou seja, concedida a um sujeito determinado, e, deve, nos termos do art. 188 da Lei de Execução Penal, ser solicitada por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa. Graça é sinônimo de indulto individual.[2]

Em relação a concessão ao indulto Individual concedido discricionariamente pelo Presidente da República ao Deputado Federal Daniel Silveira, publicado no Diário Oficial da União, Edição: 75-D, Seção: 1 – Extra D, em Atos do Poder Executivo, Decreto de 21 de abril de 2022, torna-se relevante a citação do instrumento legal, a saber:

DECRETO DE 21 DE ABRIL DE 2022. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso XII, da Constituição, tendo em vista o disposto no art. 734 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e Considerando que a prerrogativa presidencial para a concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável; Considerando que a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações; Considerando que a concessão de indulto individual é medida constitucional discricionária excepcional destinada à manutenção do mecanismo tradicional de freios e contrapesos na tripartição de poderes; Considerando que a concessão de indulto individual decorre de juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis; Considerando que ao Presidente da República foi confiada democraticamente a missão de zelar pelo interesse público; e Considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão; D E C R E T A: Art. 1º Fica concedida graça constitucional a Daniel Lucio da Silveira, Deputado Federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de abril de 2022, no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes previstos: I – no inciso IV do caput do art. 23, combinado com o art. 18 da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983; e II – no art. 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Art. 2º A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Art. 3º A graça inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos. Brasília, 21 de abril de 2022; 201º da Independência e 134º da República. Jair Messias Bolsonaro. Presidente da República Federativa do Brasil

REFLEXÕES FINAIS

Conforme se percebe o Deputado Federal Daniel Silveira foi condenado no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes previstos: I – no inciso IV do caput do art. 23, combinado com o art. 18 da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983; e II – no art. 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Os crimes a que se referem os dispositivos em epígrafe são incitamento a crimes, artigo 23, inciso IV, c/c artigo 18 da Lei nº 7.170, de 83, consistente em tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados e coação no curso do processo, art. 344 do Código Penal, consistente em usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

De bom alvitre lembrar que a Lei nº 7.170, de 83, que definia os crimes contra a Segurança Nacional foi revogada recentemente pela Lei nº 14.197, de 2021, que criou o Título XII, no Código Penal, se referindo AOS CRIMES CONTRA O ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Muito embora tenham sido revogados os tipos penais tratados no artigo 18 c/c artigo 23, inciso IV, Lei nº 7.170, de 83, a nova lei 14.197, de 2021 também disciplinou os casos em apreço, o antigo artigo 18 passou a ser agora 359-L, DOS CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, traduzido em tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, definindo aquilo que se chama crime de atentado. Especificamente, sobre o crime de incitação, a nova lei não tratou textualmente, mas o próprio Código Penal tem definição no artigo 286, crimes contra paz pública.

A doutrina costuma chamar esse fenômeno jurídico de princípio da continuidade normativo-típica, considerando que os fatos continuam sendo narrados como tipo penal, embora com nomes jurídicos diferentes ou até mesmo recebendo tratamento em textos diferentes.

Para a concessão do benefício discricionário do indulto individual ao Deputado Federal Daniel Silveira, o Presidente da República utilizou-se de alguns importantes fundamentos jurídicos da proteção da liberdade em forma de considerando, primeiro afirmando que a prerrogativa presidencial para a concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável. Num segundo momento, argumentou que a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações. Disse que a concessão de indulto individual é medida constitucional discricionária excepcional destinada à manutenção do mecanismo tradicional de freios e contrapesos na tripartição de poderes e que a concessão de indulto individual decorre de juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis. Reafirmou que ao Presidente da República foi confiada democraticamente a missão de zelar pelo interesse público e por derradeiro que a sociedade se encontra em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão.

De fato, a condenação de um parlamento cuja atuação pode ser rotulada de bom ou ruim, sem ingresso no mérito, no mínimo causa profunda estranheza. Primeiro uma condenação de quase 09 anos de prisão por possível crime contra a segurança nacional, ordem política e social pode ser terrivelmente excessiva, considerando que a liberdade de expressão e pensamento além de direito fundamental, também tem previsão em documentos de organismos internacionais que o Brasil depositou adesão como o Pacto de São José da Costa Rica, por meio do Decreto 678, de 92.

Assim, em seu artigo 13 a Convenção Interamericana de Direitos Humanos garante a liberdade de pensamento e de expressão, consignando que toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. E que não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.

É claro que em hipótese alguma o exercício do direito de liberdade de pensamento e expressão pode estar sujeito à censura prévia, mas decerto a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

É tempo de estancar do Brasil a hemorragia da indústria do ódio e o fuzilamento de reputações de pessoas honradas, em especial por autores covardes que se homiziam detrás de computadores. É tempo de abolir as agressões, os vilipêndios, as diatribes levados a efeito por aloprados virtuais, as contumélias de flechas contaminadas, extremistas ideológicos que vivem a procura de confusões de toda ordem.

O que o Brasil precisa de fato é respirar liberdade com respeito e com pureza na sua essência. Saber respeitar limites, respeitar opiniões divergentes, saber que não existem liberdades absolutas, que os direitos fundamentais se destinam a assegurar o pleno desenvolvimento do povo, em sua plenitude, não perder de vista que o Estado Democrático é destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsia.

Por derradeiro, fazer eco gritando muito alto para que o Brasil escute e aprenda de verdade que os valores ligados à liberdade de pensamento e expressão nascem dos direitos à 1ª dimensão, urgente necessidade de uma Nação, exalar pelo poros dilatados o néctar da liberdade solidária, coletiva, não olvidar que a democracia deve ser o fiel retrato de uma sociedade que anseia por liberdades, não se esquecendo que Tancredo Neves já ensinava acerca dos valores advindos da liberdade, segundo o qual, o primeiro compromisso de Minas Gerais é com a liberdade e certamente fica mais evidente que o grande berço da liberdade ocorreu na cidade mineira de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, onde o seu fundador Teófilo Benedito Otoni nos ensinou nas trincheiras em Santa Luzia a luta pelos ideais republicanos e claramente em sentido adverso se pode asseverar que atitudes boçais e truculentas conduzem uma sociedade à trincheira das atrocidades.

Por isso, é mister fazer nascer novamente personalidades com o colorido de estadistas que conduzem multidões rumo ao desiderato do amor, da solidariedade, que respirem o tempo todo espírito de fraternidade, que nos mostrem uma direção correta, caminhos seguros, pois o mundo se cansa facilmente de juristas políticos, fundamentalistas, partidários que enxergam a vermelhidão do descaso, que se filiam às ideologias macabras, que desdenham da sociedade, que contribuem para a destruição dos valores morais e dos bons princípios éticos, e finalmente, é urgente o nascimento de gente de confiança, de índole boa, porque o país está cansado de ser mandado por pessoas enferrujadas, loucos de todo o gênero, corruptos de vocação.

REFERÊNCIAS

ANDREUCCI. Ricardo Antônio. Manuel de Direito Penal. Editora Saraiva. 4ª edição. 2008. Página 143.

FRANCO. Alberto Silva. Código Penal e sua Interpretação Constitucional. 4ª edição. Revista dos Tribunais. 2002

NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. 2002.


[1] NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. 2002.

[2] ANDREUCCI. Ricardo Antônio. Manuel de Direito Penal. Editora Saraiva. 4ª edição. 2008. Página 143.

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