Fernando Augusto De Vita Borges de Sales
Advogado inscrito na OAB/SP; Mestre em direitos difusos e coletivos (2008); Pós-graduado em Direito Civil (1998), Direito do Trabalho (2003), e Direito do Consumidor (2005); Professor universitário e em vários cursos de pós-graduação e preparatórios para concursos e exame de ordem; Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB/SP; Autor de várias obras na área jurídica.

Introdução.
Cães e gatos são animais domésticos por excelência e que, na sua maioria, estão nas casas dos brasileiros, muitas vezes tratados como entes familiares. Basta ver que o comércio denominado de “pet shop” está entre o que mais cresce no país.
Informação retirada do site do Senado Federal diz que o Brasil tem a 3ª maior população de animais de estimação do mundo, com algo em torno de 150 a 160 milhões. Desses, os cães são a maioria, com cerca de 60 milhões, e os gatos, por volta de 30 milhões.
Esses dados justificam o tratamento diferenciado dado pela legislação em relação a cães e gatos, e que vai ser o objeto desse nosso pequeno ensaio que, longe de querer esgotar o assunto, em a preensão apenas de ajudar o debate.
I. O meio ambiente, os seres humanos e os animais – uma visão antropocêntrica.
Os animais, em geral, fazem parte da fauna, incluída no conceito de meio ambiente natural, que é aquele constituído pelo espaço terrestre, o ar, a água, a flora, a fauna, ou seja, pela interação dos seres vivos, onde se dá correlação recíproca entre as espécies e a relação destas com o ambiente físico que ocupam. A questão dos animais, assim, está ligada diretamente com o Direito Ambiental.
A fauna é conjunto de animais de uma determinada região e com base nesse conceito, iremos identificar dois tipos:
i) fauna silvestre, que é o conjunto de animais que vivem livres na natureza, tendo seu habitat natural nas matas, florestas, rios e mares; e
ii) fauna doméstica, que é composta pelos animais que vivem em cativeiro, no meio ambiente humano.
A proteção da fauna, no plano constitucional, é atribuída aos poderes públicos constituídos com a circunstância particular de que são vedadas as práticas que submetam os animais à crueldade (CF, art. 225, § 1°, VII).
Quem me conhece, especialmente dos bancos acadêmicos, sabe da posição de que não existe direitos dos animais. O que existe, no nosso ordenamento jurídico, é uma proteção legal dos animais. Sei que não é, hoje, uma posição muito simpática de se advogar. O assunto desperta paixões que, invariavelmente, cega os debatedores. Mas deixa eu explicar melhor essa visão antropocêntrica do meio ambiente.
O antropocentrismo é a parte da filosofia que considera o homem como centro do universo. A visão antropocêntrica do direito ambiental é aquela que coloca o ser humano como destinatário do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O meio ambiente deve ser protegido e preservado como modo de proteger e preservar a própria vida humana. Baseado nisso, temos que o destinatário de uma Lei Ambiental é sempre a pessoa humana, cuja dignidade é fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal.
Assim, quando o artigo 225 da Constituição Federal afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, é evidente que está se referindo à vida da pessoa humana.
É que os destinatários do direito ambiental são os mesmos destinatários da norma constitucional, apoiado nos princípios fundamentais que regem o ordenamento jurídico, ou seja, os brasileiros e estrangeiros residentes no País.
O direito ao meio ambiente, destarte, é voltado para a satisfação das necessidades humanas, tendo o homem como centro das atenções, utilizando-se dos bens ambientais para ter uma sadia qualidade de vida.
Por isso mesmo que na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (ECO-92) aprovou-se o princípio n. 1 que dispõe que “os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”.
O ser humano é o único animal racional que habita o planeta. A ele, pois, cabe, racionalmente, a preservação de todas as demais espécies de vida. A proteção ao meio ambiente é a proteção à vida em todas as suas formas, objetivando, com isso, a sadia qualidade de vida da pessoa humana.
Desta forma, mesmo quando a Constituição Federal impõe ao Poder Público, no inciso VII do parágrafo 1º do art. 225, a obrigação de “proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”, ela faz isso em benefício da pessoa humana, sem que isso implique no deslocamento da visão antropocêntrica.
Destarte, a importância de se ter leis ambientais que protegem os animais, os vegetais, os fungos, bem como regulamentam a biotecnologia é proteger a própria pessoa humana e a dignidade de sua existência, o que reforça a visão antropocêntrica do direito ambiental.
São os seres humanos os destinatários da norma ambiental – como, de resto, é o destinatário de toda as leis feitas no País – que é formulada exatamente para favorecer a sua sadia qualidade de vida. Não se protege plantas e animais em si mesmo por serem titulares de direitos subjetivos, que não o são, mas sim em razão de valores éticos que informa o convívio humano.
Nós, seres humanos, não podemos dispor dos recursos naturais como bem entendermos, senão para a manutenção da vida humana. Esse é o objetivo do legislador constituinte, por exemplo, ao vedar práticas que submetam os animais à crueldade, sem que haja, por isso, um deslocamento da visão antropocêntrica do direito ambiental.
Respeito, no entanto, quem pensa diferente.
II. Proteção legal de cães e gatos.
Conquanto a CF/1988 proíba qualquer prática que implique em tratamento cruel com animais (art. 225, § 1°, VII), indistintamente, a legislação infraconstitucional vai reconhecer uma proteção especial para os pet´s, em especial para cães e gatos, como veremos a seguir:
II.1. Cadastro.
Nessa toada, a Lei n. 15.046, de 17 de dezembro de 2024, autorizou a criação do Cadastro Nacional de Animais Domésticos, pelaUnião, com descentralização de seu acesso aos demais entes federados.
No caso de a União optar pela criação do Cadastro Nacional de Animais Domésticos, deverá ser observado o seguinte:
i. os animais serão cadastrados nos Municípios e no Distrito Federal, e os cadastros serão fiscalizados e centralizados pelos Estados e pela União, respectivamente;
ii. a União fornecerá aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o modelo comum do Cadastro a ser adotado;
iii. o Cadastro será disponibilizado para acesso público pela rede mundial de computadores;
iv. o Cadastro conterá, no mínimo:
iv.a) o número da carteira de identidade e do Cadastro de Pessoas Físicas da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do proprietário do animal;
iv.b) o endereço do proprietário;
iv.c) o endereço onde o animal é mantido e sua procedência;
iv.d) o nome popular da espécie, a raça, o sexo, a idade real ou presumida do animal, as vacinas aplicadas e as doenças contraídas ou em tratamento;
iv.e) o uso de chip pelo animal que o identifique como cadastrado;
v. o proprietário informará, para registro no Cadastro, a venda, a doação ou a ocorrência de morte do animal, apontada a sua causa.
As informações fornecidas ao Cadastro Nacional de Animais Domésticos são de responsabilidade do declarante, que incorrerá em sanções penais e administrativas, sem prejuízo de outras previstas na legislação, quando total ou parcialmente falsas, enganosas ou omissas.
II.2. Maus-tratos.
Especificamente para a proteção de cães e gatos, a Lei n. 14.064, de 29 de setembro de 2020, chamada de Lei Sansão, alterou a Lei n. 9.605, 1998 (Lei de Crimes Ambientais), para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato, acrescentando o § 1º-A ao art. 32 daquela lei:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.
Posteriormente, a Lei n. 15.150, de 16 de junho de 2025, alterou o art. 32 da Lei de Crimes Ambientais, para, acrescentando-lhe o § 1º-B, proibir a realização de tatuagens e a colocação de piercings em cães e gatos, com fins estéticos:
§ 1º-B. Incorre nas mesmas penas quem realiza ou permite a realização de tatuagens e a colocação de piercings em cães e gatos, com fins estéticos.
Assim, quem infringir a lei, seja permitindo, seja realizando o ato em questão, poderá ser apenado com detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.
II.3. Uso científico de animais.
II.3.1. A Lei n. 11.794, de 2008.
Uma questão para lá de controversa diz respeito ao uso científico de animais, nas suas mais variadas possibilidades, e isso sempre despertou as mais acaloradas discussões.
Para aplacar a celeuma e regular a situação, a Lei n. 11.794, de 2008, estabeleceu procedimentos para o uso científico de animais, prevendo critérios para a criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo o território nacional (art. 1º, caput), aplicando-a, conforme art. 2º, aos animais das espécies classificadas como:
i. filo Chordata: animais que possuem, como características exclusivas, ao menos na fase embrionária, a presença de notocorda, fendas branquiais na faringe e tubo nervoso dorsal único (art. 3º, I): são representados por alguns invertebrados aquáticos e todos os vertebrados: peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
ii. subfilo Vertebrata: animais cordados que têm, como características exclusivas, um encéfalo grande encerrado numa caixa craniana e uma coluna vertebral (art. 3º, II): compreende os peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
A lei em questão não faz distinção entre os animais que visa proteger, mas inclui, por toda evidência, os cães e gatos. Assim, embora não específica para os pet´s – que são o objeto desse ensaio – a eles se aplica totalmente.
Para efeitos legais, consideram-se como atividades de pesquisa científica todas aquelas relacionadas com ciência básica, ciência aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos, imunobiológicos, instrumentos, ou quaisquer outros testados em animais, conforme definido em regulamento próprio (art. 1º, § 2o).
Mas não são consideradas como atividades de pesquisa as práticas zootécnicas relacionadas à agropecuária (art. 1º, § 3o).
É permitida a utilização de animais em atividades educacionais, mas deve-se destacar, com base no art. 1º, § 1o, que ela fica restrita a:
i. estabelecimentos de ensino superior;
ii. estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica.
As atividades de criação, ensino e pesquisa científica com animais devem ser licenciadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (art. 11).
Mas, pelo art. 12, a criação ou a utilização de animais para pesquisa ficam restritas, exclusivamente, às instituições credenciadas no Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA, órgão a que compete:
i. formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica;
ii. credenciar instituições para criação ou utilização de animais em ensino e pesquisa científica;
iii. monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa;
iv. estabelecer e rever, periodicamente, as normas para uso e cuidados com animais para ensino e pesquisa, em consonância com as convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário;
v. estabelecer e rever, periodicamente, normas técnicas para instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animal, bem como sobre as condições de trabalho em tais instalações;
vi. estabelecer e rever, periodicamente, normas para credenciamento de instituições que criem ou utilizem animais para ensino e pesquisa;
vii. manter cadastro atualizado dos procedimentos de ensino e pesquisa realizados ou em andamento no País, assim como dos pesquisadores, a partir de informações remetidas pelas Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUAs, de que trata o art. 8o da Lei;
viii. apreciar e decidir recursos interpostos contra decisões das CEUAs;
ix. elaborar e submeter ao Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, para aprovação, o seu regimento interno;
x. assessorar o Poder Executivo a respeito das atividades de ensino e pesquisa tratadas na Lei.
Qualquer instituição legalmente estabelecida em território nacional que crie ou utilize animais para ensino e pesquisa deverá requerer credenciamento no CONCEA, para uso de animais, desde que, previamente, crie a Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUA.
A criação prévia do CEUA é condição indispensável para o credenciamento das instituições com atividades de ensino ou pesquisa com animais.
A critério da instituição e mediante autorização do CONCEA, é admitida a criação de mais de uma CEUA por instituição. Nesse caso, cada CEUA definirá os laboratórios de experimentação animal, biotérios e centros de criação sob seu controle.
As CEUAs são integradas por:
i. médicos veterinários e biólogos;
ii. docentes e pesquisadores na área específica;
iii. 1 (um) representante de sociedades protetoras de animais legalmente estabelecidas no País, na forma do Regulamento.
Compete às CEUAs:
i. cumprir e fazer cumprir, no âmbito de suas atribuições, o disposto nesta Lei e nas demais normas aplicáveis à utilização de animais para ensino e pesquisa, especialmente nas resoluções do CONCEA;
ii. examinar previamente os procedimentos de ensino e pesquisa a serem realizados na instituição à qual esteja vinculada, para determinar sua compatibilidade com a legislação aplicável;
iii. manter cadastro atualizado dos procedimentos de ensino e pesquisa realizados, ou em andamento, na instituição, enviando cópia ao CONCEA;
iv. manter cadastro dos pesquisadores que realizem procedimentos de ensino e pesquisa, enviando cópia ao CONCEA;
v. expedir, no âmbito de suas atribuições, certificados que se fizerem necessários perante órgãos de financiamento de pesquisa, periódicos científicos ou outros;
vi. notificar imediatamente ao CONCEA e às autoridades sanitárias a ocorrência de qualquer acidente com os animais nas instituições credenciadas, fornecendo informações que permitam ações saneadoras.
Constatado qualquer procedimento em descumprimento às disposições desta Lei na execução de atividade de ensino e pesquisa, a respectiva CEUA determinará, sob pena de acarretará sanções à instituição na omissão, a paralisação de sua execução, até que a irregularidade seja sanada, sem prejuízo da aplicação de outras sanções cabíveis.
Das decisões proferidas pelas CEUAs cabe recurso, sem efeito suspensivo, ao CONCEA.
Os membros das CEUAs estão obrigados a resguardar o segredo industrial, sob pena de responsabilidade, e responderão pelos prejuízos que, por dolo, causarem às pesquisas em andamento.
II.3.2. Experimentos.
Em qualquer situação, um animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos dos experimentos que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado quando, antes, durante e após o experimento, receber cuidados especiais, conforme estabelecido pelo CONCEA, conforme determina o art. 14.
Para efeitos legais, experimentos são procedimentos efetuados em animais vivos, visando à elucidação de fenônemos fisiológicos ou patológicos, mediante técnicas específicas e preestabelecidas (art. 3º, II).
Todavia, pelo parágrafo único daquele art. 3º, não se considera experimento:
i. a profilaxia e o tratamento veterinário do animal que deles necessite;
ii. o anilhamento, a tatuagem, a marcação ou a aplicação de outro método com finalidade de identificação do animal, desde que cause apenas dor ou aflição momentânea ou dano passageiro; e
iii. as intervenções não-experimentais relacionadas às práticas agropecuárias.
Impõe o § 4o do art. 14 que o número de animais a serem utilizados para a execução de um projeto e o tempo de duração de cada experimento será o mínimo indispensável para produzir o resultado conclusivo, poupando-se, ao máximo, o animal de sofrimento. Além disso, pelo § 8o do mesmo art. 14, é expressamente proibida a reutilização do mesmo animal depois de alcançado o objetivo principal do projeto de pesquisa.
Na realização de trabalhos de criação e experimentação de animais em sistemas fechados, deverão ser consideradas as condições e normas de segurança recomendadas pelos organismos internacionais aos quais o Brasil se vincula, como determina o § 10 daquele art. 14.
II.3.3. Experimentos que envolvem dor e/ou angústia.
Há situações em que o experimento pode causar ao animal dor ou angústia. Infelizmente, isso é uma realidade. Conquanto tal experimento seja importante e não possa deixar de ser realizado, deve ser minimizada a dor à qual o animal está sujeito.
Por conta disso, todo e qualquer experimento cujo objetivo seja o estudo dos processos relacionados à dor e à angústia exigem autorização específica da CEUA, em obediência a normas estabelecidas pelo CONCEA (art. 14, § 6o).
Assim também, experimentos que possam causar dor ou angústia deverão ser desenvolvidos sob sedação, analgesia ou anestesia adequadas (art. 14, § 5o), sendo expressamente proibido o uso de bloqueadores neuromusculares ou de relaxantes musculares em substituição a substâncias sedativas, analgésicas ou anestésicas (art. 14, § 7o).
O CONCEA, levando em conta a relação entre o nível de sofrimento para o animal e os resultados práticos que se esperam obter, poderá, conforme autorizado pelo art. 15, restringir ou proibir experimentos que importem em elevado grau de agressão.
II.3.4. Eutanásia.
Eutanásia, a palavra, tem origem grega e significa “boa morte” ou “morte sem dor”, derivando das palavras “eu” (bom/boa) e “thanatos” (morte). É a prática de provocar a morte de um indivíduo, por um procedimento médico, com o objetivo de aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou terminal, ou seja, é o ato intencional de proporcionar, a uma pessoa ou animal, uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa.
No caso específico de animais, pelo art. 14, § 1o, eles somente poderão ser submetidos a eutanásia sob estrita obediência às prescrições pertinentes a cada espécie, conforme as diretrizes do Ministério da Ciência e Tecnologia, sempre que, encerrado o experimento ou em qualquer de suas fases, for tecnicamente recomendado aquele procedimento ou quando ocorrer intenso sofrimento.
A eutanásia em animais deve levar em conta a morte por meios humanitários, assim considerada, pelo art. 3º, IV, a morte de um animal em condições que envolvam, segundo as espécies, um mínimo de sofrimento físico ou mental.
Pelo § 2o do art. 14, em caráter excepcional, quando os animais utilizados em experiências ou demonstrações não forem submetidos a eutanásia, poderão sair do biotério após a intervenção, ouvida a respectiva CEUA quanto aos critérios vigentes de segurança, desde que destinados a pessoas idôneas ou entidades protetoras de animais devidamente legalizadas, que por eles queiram responsabilizar-se.
II.3.5. Uso de animais em experimentos de ensino.
O uso de animais para fins de experimentos de ensino não está proibido. Pelo contrário, ele é muito importante, especialmente para formar alunos da área da saúde, seja humana ou animal.
Tanto a dissecação de animais – que é a prática de cortar um animal vivo para estudar sua anatomia e fisiologia – quanto a vivissecção – que é a mesma prática, só que em animais vivos – constituem uma prática essencial no ensino de medicina, veterinária e biologia, pois permite a observação direta de estruturas internas que não seriam visíveis de outra forma. Mas apesar da importância, não estão imunes a críticas, razão pela qual a Lei vai estabelecer algumas regras:
A primeira, prevista no § 3o do art. 14, dispõe que, sempre que possível, as práticas de ensino deverão ser fotografadas, filmadas ou gravadas, de forma a permitir sua reprodução para ilustração de práticas futuras, evitando-se a repetição desnecessária de procedimentos didáticos com animais.
A segunda, vem no § 9o do mesmo art. 14, de que, em programa de ensino, sempre que forem empregados procedimentos traumáticos, vários procedimentos poderão ser realizados num mesmo animal, desde que todos sejam executados durante a vigência de um único anestésico e que o animal seja sacrificado antes de recobrar a consciência.
Além disso, como já vimos acima, é vedada a reutilização do mesmo animal depois de alcançado o objetivo principal do projeto de pesquisa.
Pelo art. 16, todo projeto de pesquisa científica ou atividade de ensino deverá ser supervisionado por profissional de nível superior, graduado ou pós-graduado na área biomédica, vinculado a entidade de ensino ou pesquisa credenciada pelo CONCEA.
II.3.6. Proibição de uso de animais em testes de produtos de higiene pessoal.
Um grande problema – inclusive do ponto de vista ético – sempre envolveu o uso de animais em testes de produtos de higiene pessoal. Tais testes eram realizados em animais, para verificar como esses produtos poderiam reagir em humanos.
Esses testes usam animais que compartilham alguma similaridade com a genética humana, principalmente roedores como ratos, esquilos, chinchilas, hamsters e porquinhos da índia, e outros animais com coelhos, porcos, ovelhas, macacos e outros, incluindo cães e gatos.
Tais animais, denominados de cobaias, são submetidos ao uso tópico ou interno de substâncias ainda em fase de estudo, ou seja, aquelas cujos efeitos colaterais ainda não são conhecidos. Eles são expostos a doses maciças dessas substâncias com o fito de observar o nível de tolerância a cada composto, bem como a interação entre diferentes químicos.
A consequência desses testes, para os animais utilizados, é que, a maior parte deles, vai ficar com sequelas decorrentes da exposição às substâncias, perdendo a vida precocemente em relação à expectativa de vida da espécie.
Por conta disso, a sociedade civil se mobilizou para acabar com esses testes, evitando a crueldade cometida contra os animais. Esse movimento foi chamado de Cruelty-Free.
No Brasil, seguindo essa mobilização, o CONCEA editou a Resolução nº 58, de 23.02.2023, pela qual, no seu ar 1º, proibia o uso de animais nesse tipo de teste:
Art. 1º Fica proibido no País o uso de animais vertebrados, exceto seres humanos, em pesquisa científica e no desenvolvimento e controle da qualidade de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes que utilizem em suas formulações ingredientes ou compostos com segurança e eficácia já comprovadas cientificamente.
E, agora, a Lei n. 15.183, de 30 de julho de 2025, alterando a Lei n. 11.794, de 2008, passou a proibir expressamente aquela prática, com a inclusão, nela, de diversos dispositivos, como veremos.
A começar pela inclusão, no art. 3º, do inciso V, que define produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, como sendo “preparações constituídas por ingredientes naturais ou sintéticos, de uso externo nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, com o objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, de perfumá-los, de alterar sua aparência, de protegê-los, de mantê-los em bom estado ou de corrigir odores corporais, excetuados formulações e ingredientes destinados a repelir insetos“.
Depois, a proibição vem contida, principalmente, nos novos §§ 11 e 12, incluídos no ar 14, pelos quais, respectivamente, “é vedada a utilização de animais vertebrados vivos em testes de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, inclusive nos testes que visem a averiguar seu perigo, sua eficácia ou sua segurança“, e “é vedada a utilização de animais vertebrados vivos em testes de ingredientes para compor exclusivamente produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, inclusive nos testes que visem a averiguar seu perigo, sua eficácia ou sua segurança“.
Além disso, pelo novel § 13, fica proibida, também, a utilização dos dados provenientes de testes em animais feitos após a data de 30 de julho de 2025 (data da entrada em vigor do referido parágrafo). Tais dados não poderão ser utilizados para autorizar a comercialização de produtos de higiene pessoal, cosméticos ou perfumes ou de seus ingredientes, exceto nos casos em que forem obtidos para cumprir regulamentação não cosmética nacional ou estrangeira, caso em que, pelo § 14, as empresas interessadas na fabricação ou na comercialização do produto deverão fornecer, quando solicitadas pelas autoridades competentes, evidências documentais do propósito não cosmético do teste.
O fabricante que fizer uso de dados conforme o disposto no § 13, acima mencionado, ou seja, produto cuja segurança foi estabelecida pelo uso de novos dados de testes com animais após 30 de julho de 2025, não poderá incluir no rótulo ou no invólucro do produto a menção, logotipo ou selo “não testado em animais”, “livre de crueldade” ou outras expressões similares. § 15.
Pelo art. 2º da Lei n. 15.183, de 2025, as autoridades sanitárias competentes terão o prazo máximo de 2 (dois) anos a partir da sua publicação (30 de julho de 2025) para adotar medidas que implementem o disposto nos novos §§ 13 a 17 do art. 14 da Lei nº 11.794, de 2008, a fim de:
i. assegurar o rápido reconhecimento dos métodos alternativos e adotar um plano estratégico para garantir a disseminação desses métodos em todo o território nacional;
ii. estabelecer medidas de fiscalização da utilização de dados obtidos de testes em animais realizados após a entrada em vigor desta Lei para fins de avaliação de segurança e de registro de cosméticos, bem como publicar relatórios bienais com detalhamento do número de vezes que evidências documentais foram solicitadas às empresas e o número de vezes que as empresas usaram esses dados;
iii. garantir que produtos cosméticos com rótulos ou invólucros com a menção, logotipo ou selo “não testado em animais”, “livre de crueldade” ou outras expressões similares sejam regulamentados e respeitem o disposto na nova Lei.
No entanto, por força do novel § 18, havendo circunstâncias excepcionais em que surjam graves preocupações no que diz respeito à segurança de um ingrediente cosmético, as proibições constantes dos §§ 11, 12, e 13, acima dispostos, poderão ser derrogadas pelo CONCEA, desde que satisfeitas simultaneamente as seguintes condições:
i. tratar-se de ingrediente amplamente utilizado no mercado e que não possa ser substituído por outro capaz de desempenhar função semelhante;
ii. detectar-se problema específico de saúde humana relacionado ao ingrediente;
iii. inexistir método alternativo hábil a satisfazer as exigências de testagem.
Convém destacar que, pelo § 16, está permitida a comercialização de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, bem como de seus ingredientes, que tenham sido testados em animais antes da data de entrada em vigor da Lei nº 15.183, de 2025.
E, conforme dispõe a Lei no 6.360, de 1976, que dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e Outros Produtos, no seu art. 27, com a redação dada pela Lei nº 15.183, de 2025, o registro dos cosméticos, dos produtos destinados à higiene pessoal, dos perfumes e demais, de finalidade congênere, dependerá da satisfação das seguintes exigências:
i. enquadrar-se na relação de substâncias declaradas inócuas, elaborada pelo órgão competente do Ministério da Saúde e publicada no “Diário Oficial” da União, a qual conterá as especificações pertinentes a cada categoria bem como às drogas, aos insumos, às matérias-primas, aos corantes, aos solventes e aos demais permitidos em sua fabricação;
ii. não se enquadrando na relação referida no inciso anterior, terem reconhecida a inocuidade das respectivas fórmulas, em pareceres conclusivos, emitidos pelos órgãos competentes, de análise e técnico, do Ministério da Saúde; e
iii. cumprir as regras relativas à testagem em animais estabelecidas na Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008.
II.3.7. Penalidades.
As penalidades por infração à normas da Lei n. 11.794, de 2008, estão previstas nos arts. 17 e 18.
Conforme disposição do art. 17, as instituições que executem atividades ora referidas estão sujeitas, em caso de transgressão às suas disposições e ao seu regulamento, às penalidades administrativas de:
i. advertência;
ii. multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 20.000,00 (vinte mil reais);
iii. interdição temporária → a interdição por prazo superior a 30 (trinta) dias somente poderá ser determinada em ato do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, ouvido o CONCEA (parágrafo único).
iv. suspensão de financiamentos provenientes de fontes oficiais de crédito e fomento científico;
v. interdição definitiva.
Pelo art. 18, qualquer pessoa que execute de forma indevida atividades ora reguladas ou que participe de procedimentos não autorizados pelo CONCEA será passível das seguintes penalidades administrativas:
i. advertência;
ii. multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 5.000,00 (cinco mil reais);
iii. suspensão temporária;
iv. interdição definitiva para o exercício da atividade ora regulada.
As penalidades ora previstas, tanto nas hipóteses do art. 17 quanto do art. 18, serão aplicadas de acordo com a gravidade da infração, os danos que dela provierem, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do infrator (art. 19), e serão aplicadas pelo CONCEA, sem prejuízo de correspondente responsabilidade penal (art. 20).
A fiscalização das atividades reguladas por esta Lei fica a cargo dos órgãos dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, da Educação, da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, nas respectivas áreas de competência (art. 21).
Bibliografia.
SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Direito ambiental empresarial. Leme: JH Mizuno. 2ª ed. 2023.