RESUMO
Diversos investidores têm buscado empreender em novas modalidades de sociedades a fim de proteger seus patrimônios, dentre elas a sociedade em conta de participação é uma modalidade de sociedade não personificada que tem ganhado destaque. Porém, muitas vezes a máxima civilista encontra barreiras na justiça laboral. O presente artigo tem como escopo analisar doutrinas e jurisprudências atuais sobre o tema com o fito de conhecer a possibilidade do reconhecimento da responsabilidade do sócio oculto para fins trabalhistas.
Palavras-chave: Sociedade em conta de participação. Grupo econômico. Responsabilidade solidária.
Entre os modelos de sociedades existentes no ordenamento jurídico brasileiro, a Sociedade em Conta de Participação (SCP) é um dos temas menos estudados, mas que tem sido alvo de atenção pela sua crescente utilização no meio dos empreendimentos (RAMIRES, 2014).
Com previsão legal nos artigos 991 a 997 do Código Civil de 2002, a sociedade em conta de participação não tem uma forma especial e pode ser provada, por qualquer meio em direito admitido (art. 992, CC). Não tem firma ou denominação social, assim como não tem personalidade jurídica. Logo, não pode agir em juízo (GARBI, 2021).
Esta sociedade caracteriza-se pela existência de um sócio ostensivo age em seu nome e se obriga pessoalmente perante terceiros, bem como por um sócio participante ou oculto, que, distante dos negócios, quase sempre entra somente com o capital.
O Código Civil de 2002 trouxe inovações importantes sobre esse tipo societário, permitindo sua utilização nos mais diversos ramos empresariais, possibilitando assim, “a ampliação de seu uso ante a simplicidade na sua constituição e administração” (GARBI, 2021).
No entanto, apesar de a legislação eximir alguns tipos de sócios de responsabilidades, a legislação trabalhista, no que tange à responsabilidade pelo pagamento dos direitos dos trabalhadores, vem reconhecendo a existência de fraudes ou desvirtuamentos da sociedade, para alcançar a figura do sócio oculto a fim de garantir o pagamento dos créditos trabalhistas, especialmente quando não há contrato social publicado.
Diante disto, o presente estudo pretende analisar os diversos aspectos referentes à sociedade em conta de participação que podem ensejar a possibilidade do reconhecimento da responsabilidade do sócio oculto para fins trabalhistas através da utilização de pesquisa doutrinária e da análise crítica do tema frente à atual Jurisprudência laboral.
A SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO
As Sociedades em Conta de Participação (SCP) “são configurações associativas que existem pelo menos desde o século X, início da Baixa Idade Média”, e que se constituiu, inicialmente pela “existência de um sócio capitalista (sócio participante ou oculto), que confiava capital a um comerciante (sócio ostensivo ou gerente) para a prática das atividades comerciais em seu próprio nome, sem que este divulgasse a existência daquele” (RAMIRES, 2014).
Apesar de antiga, a sociedade em conta de participação tem sido muito utilizada hoje por capitalistas (investidores), que entregam capital a empresários ou sociedades empresárias para o fomento de negócios, partilhando-se os lucros (GARBI, 2021).
Ramires (2014) assim explica sua crescente utilização:
Atualmente, esse tipo societário está disciplinado no Código Civil (CC), Lei no 10.406 de 10 de janeiro de 2002, mais especificamente nos arts. 991 a 996 e 1.162, os quais modernizaram sua disciplina jurídica à realidade das atividades empresariais, deixando de ter como caráter eminentemente operacional a prática de relações comerciais, excluindo, por exemplo, o comando de ao menos um sócio ser comerciante, de sua atuação corresponder a operações de comércio determinadas, e de se comprovar a existência através de provas admitidas nos contratos comerciais.
Assim, o Código Civil passou a permitir que esse tipo societário possua sócio ostensivo, comerciante ou não, que, inclusive, pode ser um empresário individual, uma sociedade empresária ou uma sociedade simples. Além disto, o objeto social passou a não se restringir mais apenas a operações de comércio.
Em síntese, a SCP hoje se caracteriza pela “é a junção de duas ou mais pessoas (físicas ou jurídicas), onde uma delas, o sócio ostensivo, atua como administrador-gerente, e o outro, sócio oculto ou participante, apenas investe seu capital participando dos lucros e perdas” (BORBA, 2014).
Sérgio Capinho (2004) assim esclarece:
A sociedade em conta de participação congrega duas espécies de sócios: o sócio ostensivo e o sócio oculto ou participante. O primeiro é aquele a quem compete explorar, em nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, o objeto definido no contrato de participação. O sócio oculto, geralmente prestador de capital, tem por escopo a participação nos resultados da exploração do objeto, sem, contudo, assumir riscos pelo insucesso do empreendimento junto a terceiros. Os seus riscos são dimensionados e se limitam à prestação pela qual se obrigou junto ao sócio ostensivo, nos termos exclusivos do contrato.
Na visão de Attie (2008) a SPC “não é uma verdadeira sociedade, no sentido mais técnico da expressão, na medida em que não possui personalidade jurídica e, portanto, não contrai obrigações e direitos em nome próprio, mas apenas o faz seu sócio ostensivo, a quem incumbe gerir o negócio como se a conta de participação não existisse aos olhos dos terceiros com quem contrata”.
Já para GARBI (2021), este modelo mais se aproxima de um contrato departicipação do que de uma sociedade pelo qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, “se obrigam a explorar uma ou mais atividades econômicas, tão somente em virtude de suas características, em especial a administração exclusiva pelo sócio ostensivo”.
Entretanto, o artigo 991 do Código Civil de 2002 trouxe expressa previsão legal à SCP enquanto sociedade, mais especificamente como de sociedade não personificada, deixando de forma clara a figura e condição dos participantes:
Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social (BRASIL, 2002).
A jurisprudência, quando chamada a enfrentar a questão reafirma esta assertiva, vide Resp. nº. 168028/SP:
“COMERCIAL. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. RESPONSABILIDADE PARA COM TERCEIROS. SÓCIO OSTENSIVO. Na Sociedade em Conta de Participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata.(…)” (REsp 168.028/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 07.08.2001, DJ 22.10.2001 p. 326).
Da redação acima extrai-se que a responsabilidade perante terceiros é exclusiva do sócio ostensivo, sendo a responsabilidade do sócio oculto apenas perante aquele, nos termos do contrato social assinado entre as partes. Inclusive, neste sentido, o artigo 993 do Código Civil reitera que “o contrato social produz efeito somente entre os sócios, e eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade” (BRASIL, 2002).
Assim, verifica-se que o legislador conferiu expressamente ao sócio participante apenas o papel de fiscalizar a gestão do sócio ostensivo (efetivamente administrador dos bens e direitos), retirando a possibilidade do mesmo tomar parte da administração e nas relações verificadas entre o sócio ostensivo e terceiros, “sob pena de o tornar responsável solidário nas obrigações em que intervenha”, conforme descrito no parágrafo único do artigo 993 do mesmo diploma legal (BRASIL, 2002).
Via de consequências, “o sócio oculto que emprestar o seu know-how ao empreendimento social ou conceder a utilização de privilégios de invenção ou de sinais distintivos”, gerando algum tipo de dependência do sócio ostensivo em relação à sua capacidade empresarial, “se sujeitaria à uma responsabilidade solidária” (CAMPINHO, 2004). Ou seja, quando ocorrer alguma forma de ingerência controle externo do sócio oculto sobre a atividade empresarial do sócio ostensivo, ele poderá também responder perante terceiros.
Além disto, cumpre esclarecer que apesar de ser um modelo de sociedade legal, a SCP não tem um requisito essencial para sua formação, sendo certo que não se exige o registro da sociedade. Ela pode ser conhecida e até levada a registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, mas a publicidade não altera a sua natureza. Mas segundo Garbi (2021), eventual registro do contrato, portanto, não tem qualquer efeito em relação a terceiros, porque a sociedade só vale entre os sócios.
Diante da simplicidade na constituição da SCP, Attie (2008) afirma que:
“Pela ausência de personalidade jurídica, aliada ao fato de não exigir registro de seus atos constitutivos, alguns autores a qualificam como uma sociedade secreta. Vale dizer, terceiros particulares não terão conhecimento da sociedade, a menos que seus sócios a divulguem, o que, a depender da situação em específico e da qualidade do sócio participante, pode ser benéfico ao negócio, sendo que, de qualquer modo, eventual conhecimento do público em geral quanto à sua existência não a desnaturará enquanto SCP.”
Já Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade (2011) defendem, portanto, a regularidade da SCP com seus fundamentos:
“A sociedade em conta de participação é legal, portanto, regular. Não é de sua característica exteriorização da sociedade e dos atos societários. Não é próprio, contudo, denominá-la de oculta, ou secreta, dando o cunho pejorativo. O contrato social pode ser registrado e terceiros ter conhecido a existência da sociedade e da identidade do sócio oculto. Isso não desvirtua a sociedade em conta de participação.”
Ultrapassando estes pontos, é mister destacar que, a teor do artigo 994, “as contribuições dos sócios participantes e ostensivos constituem um patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais” (BRASIL, 2002). As contribuições podem se constituir em qualquer espécie de bens ou direitos, desde que sejam úteis aos negócios da SCP, valendo lembrar que “este patrimônio especial tem efeitos apenas entre os sócios” (BRASIL, 2002).
Porém, “o fato de haver o referido patrimônio especial não implica concluir que a Sociedade em Conta de Participação tenha patrimônio próprio. Ela não o tem, na medida em que não tem sequer personalidade jurídica, razão pela qual não pode ser titular de bens e direitos” (ATTIE, 2008).
Por fim, cumpre ressaltar que “a falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta. Havendo saldo credor para o participante, este deverá o habilitar junto à massa falida. Havendo saldo devedor, a massa falida deverá cobrar o valor a que o sócio ostensivo agora falido fazia jus em face do sócio participante (ATTIE, 2008).
DO GRUPO ECONOMICO NA ESFERA TRABALHSITA
A Lei 13.467, em seu artigo 2º, ampliando o conceito do grupo econômico, estabeleceu que “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego” (BRASIL, 2017).
Maurício Godinho Delgado (2017) assim interpreta a alteração trazida pela Lei 13.467/2017:
“Pelo novo texto do § 2o do art. 2o da CLT, fica claro que o grupo econômico para fins justrabalhistas mostra-se configurado ainda que as relações interempresariais sejam de mera coordenação, ou seja, mesmo guardando cada entidade empresarial a sua autonomia. Nessa medida, o novo texto legal incorporou os argumentos brandidos pelas melhores reflexões doutrinárias e jurisprudenciais, afastando, inequivocamente, a vertente hermenêutica restritiva, que exigia a presença de relação hierárquica, verticalizante, entre as entidades componentes do grupo econômico, sob pena de não considerar caracterizada a figura jurídica especial justrabalhista. Ao invés, o novo texto legal explícita evidente escolha pela vertente interpretativa da simples coordenação interempresarial, que já era firmemente incorporada pela Lei do Trabalho Rural, de 1973 (art. 3o, § 2o, Lei n. 5.889/73) e por parte expressiva da doutrina laboral pátria”.
Vólia Bomfim Cassar (2017) analisando a mudança legislativa traz importante observação: “percebe-se que foi nítida a intenção do legislador (Lei n. 13.467/2017) de excluir as empresas que, embora mantenham relação de cooperação entre si, com objetivos comuns, não tenham atuação conjunta. Portanto, estão excluídos os contratos de parcerias, os de franquia e todos que não apresentarem atuação conjunta”.
Já para Carlota Bertoli Nascimento (2021) “o requisito subjetivo para a existência do grupo é a qualidade de agente econômico, podendo este ser pessoa física, ou jurídica, bastando que possua dinâmica econômica, ou seja, que a atividade dos componentes do grupo tenha fins lucrativos.”
De fato, a ampliação do texto para alcançar tanto os grupos por subordinação quanto os grupos por coordenação tende a facilitar a configuração dos conglomerados, sobretudo em processos trabalhistas, desonerando o credor de provas mais contundentes em busca da empresa-mãe (BATISTA, 2021).
No entanto, o legislador reformista foi além e afirmou ainda que a mera identidade de sócios não caracteriza grupo econômico, “sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes” (BRASIL, 2017).
Porém, na visão de Homero Batista (2021), a depender do rigor com que estes termos sejam tratados, “não deve causar espanto se a jurisprudência se inclinar favoravelmente à aptidão da prova atribuída ao próprio grupo econômico, ou seja, pode ser desenvolvida a tese de presunção relativa de existência do grupo, salvo se os sócios provem a não comunicação entre eles.
Ultrapassando o conceito, o fato é que “o objetivo essencial da legislação trabalhista ao criar o grupo econômico para fins celetistas foi ampliar as possibilidades de garantia do crédito trabalhista, impondo responsabilidade plena por tais créditos às distintas empresas componentes do mesmo grupo econômico” (NASCIMENTO, 2021)
Assim, a CLT pretende que a vinculação formada entre dois ou mais entes que se favoreçam pelo mesmo contrato de trabalho, possa ser imputada a qualquer dos favorecidos (DELGADO, 2011).
Homero Batista (2021) esclarece ainda que a prestação de serviços para um dos componentes do grupo é o bastante para considerar o empregado concorreu para o êxito da agremiação como um todo.
Cumpre aqui ressaltar que, apesar do § 1º do art. 8º da CLT (BRASIL, 2017) mandar aplicar subsidiariamente o Direito Civil ao Direito do Trabalho, a norma celetista trata os créditos trabalhistas com a devida supremacia.
Neste sentido, a norma especial celetista tem por escopo “tentar evitar fraudes, como por exemplo, a criação de sociedades subsidiárias, ou SCP, criadas para a contratação de pessoal sem que os contratos firmados respinguem responsabilidade na empresa principal” (NASCIMENTO, 2021).
Neste sentido, afirma Carlota Bertoli Nascimento (2021) que:
“quando se trata de créditos trabalhistas a máxima legal civilista não prevalece, seja pela existência da lei especial regendo os contratos de emprego firmados por quaisquer tipos societários, seja pela especialidade do crédito em comento que possui natureza alimentar e de direito fundamental social, ou seja, cuja obrigação constitucional não é determinante apenas ao Estado, mas essencialmente à iniciativa privada.”
Por fim, no que toca à relação de trabalho firmada entre o sócio ostensivo e o empregado, “observa-se pela finalidade própria dessa configuração societária, que o aproveitamento da atividade prestada pelo empregado não limitar-se-á àquele sócio, mas a todos os componentes da sociedade, em especial quando o sócio investidor ou participante é outra pessoa jurídica, não se podendo negar a existência do grupo econômico para os fins trabalhistas”, e portanto, a possibilidade de alcance da responsabilidade deste último de forma solidária no pagamento dos créditos trabalhistas (NASCIMENTO, 2021).
ANÁLISE DA JURISPRUDENCIA ATUAL:
A jurisprudência trabalhista ainda é escassa, tendo vista o tema das sociedades em conta de participação não ser muito popular, contudo, o entendimento dos Tribunais Regionais parece caminhar a um mesmo sentido.
O Tribunal Regional da 3ª Região vem demonstrando o entendimento de que havendo atuação conjunta das empresas ou sócios para a busca de interesses em comum, com participação ativa de todos na atividade empresarial e aferição de lucros, restaria suficiente para configurar o conglomerando empresarial no qual todas as partes se beneficiariam financeiramente da mão de obra.
Destaca-se as jurisprudências:
GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONFIGURAÇÃO. O grupo econômico para os fins justrabalhistas é o resultado da vinculação que se forma entre dois ou mais entes favorecidos pelo trabalho do empregado, direta ou indiretamente, por existir entre as empresas laços de direção ou coordenação, o que atrai a responsabilidade solidária pelos créditos devidos, conforme art. 2º, §2º, da CLT. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010339-97.2018.5.03.0092 (RO); Disponibilização: 06/07/2020; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Relator: Weber Leite de Magalhaes Pinto Filho)
Esclarecendo o tema, o Desembargador Weber Leite de Magalhaes Pinto Filho afirma que:
“o grupo econômico para os fins justrabalhistas é o resultado da vinculação que se forma entre dois ou mais entes favorecidos pelo trabalho do empregado, direta ou indiretamente, por existir entre as empresas laços de direção ou coordenação, o que atrai a responsabilidade solidária pelos créditos devidos, conforme art. 2º, §2º, da CLT” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010339-97.2018.5.03.0092 (RO); Disponibilização: 06/07/2020; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Relator: Weber Leite de Magalhaes Pinto Filho)Consultar Andamento
Já a Desembargadora Maristela Iris S. Malheiros, no julgamento do Recurso Ordinário (TRT3 – ROT-0011868-54.2015.5.03.0029) esclareceu que:
“se configura o grupo econômico quando, mesmo sem as formalidades da legislação empresarial, constata-se a presença de elementos de integração entre as empresas, todas participando do mesmo empreendimento, independentemente de haver ou não controle e fiscalização por uma empresa líder, caso em que se está diante de um grupo composto por coordenação, em que as atividades se desenvolvem mediante a colaboração recíproca e o cumprimento das mesmas diretrizes, regendo-se pela unidade de interesses e objetivos” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011868-54.2015.5.03.0029 (RO); Disponibilização: 14/02/2020, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 748; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator: Maristela Iris S.Malheiros)
Para o Desembargador Emerson Jose Alves Lage, “o conceito de grupo econômico reveste-se de relativa informalidade, vez que se destina a ampliar as garantias de satisfação de crédito de natureza alimentar, bastando, para a caracterização do referido instituto, a simples coordenação entre as empresas.” ((TRT da 3.ª Região; PJe: 0001960-93.2013.5.03.0044 (AP); Disponibilização: 06/04/2020; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Emerson Jose Alves Lage)
Ele ainda afirma que:
“A literalidade do referido §2º do artigo 2º da CLT se encontra superada pelas novas variantes surgidas no mercado econômico descentralizado, não sendo mais indispensável à sua caracterização a existência de empresa controladora ou fiscalizadora”. Assim, aduz que para caracterização de grupo econômico e o consequente reconhecimento da responsabilidade solidária entre as partes, “é prescindível a prova de existência de relação de dominação entre as empresas integrantes do grupo, ou do exercício de direção ou controle de uma sobre as demais, bastando apenas uma união de interesses para a execução de um empreendimento comum” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0001960-93.2013.5.03.0044 (AP); Disponibilização: 06/04/2020; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Emerson Jose Alves Lage).
Este entendimento estende-se também ao Tribunal Regional da 2ª Região, onde há julgados no sentido de que “a responsabilização dos sócios ocultos somente se admite quando demonstrada a participação destes na gerência do negócio, ou a fraude na constituição da sociedade” (TRT-2 00016669820145020443 SP, Relator: REGINA APARECIDA DUARTE, 16ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 20/10/2017).
Além disso, quando foi analisado especificamente os empreendimentos que têm por objeto a incorporação imobiliária, o Desembargador Sérgio Oliveira de Alencar considerou que “a figura do sócio oculto, como beneficiária dos serviços prestados na condução da obra, teve participação na relação jurídica de direito material-obrigacional enquanto tomadora dos serviços do reclamante, respondendo assim pelas obrigações trabalhistas inadimplidas” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011010-05.2020.5.03.0043 (ROPS); Disponibilização: 07/06/2021; Órgão Julgador: Oitava Turma; Redator: Sérgio Oliveira de Alencar).
Lado outro, a Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 123322920155150002 em 03/06/2020 com o tema “sociedade em conta de participação”, considerou válidos os artigos civilistas, afastando a responsabilidade solidária do sócio oculto quando não há indícios de fraudes ou desvirtuamento da sociedade nos seguintes termos:
“De acordo com os arts. 991 e 992 do Código Civil, na sociedade em conta de participação, apenas o sócio ostensivo tem responsabilidade por obrigações assumidas perante terceiros. A ausência de responsabilidade do sócio oculto é a essência deste tipo societário. Não havendo registro no acórdão regional de fraude ou desvirtuamento da sociedade, a aplicação dos mencionados dispositivos afasta a responsabilidade dos sócios ocultos perante o trabalhador (terceiro àquela sociedade)” (TST – ARR: 123322920155150002, Data de Julgamento: 03/06/2020, Data de Publicação: DEJT 08/06/2020)
Portanto, diante do estudo das jurisprudências analisadas, percebe-se que quando há qualquer ingerência do sócio oculto nos negócios da SCP, desvirtuando o diploma civilista, ou seja, fraudando de alguma forma a sua participação meramente investidora, haverá reconhecimento de grupo econômico, e, consequentemente, responsabilização solidária na esfera trabalhista.
Além destas vertentes, há de se ressaltar ainda o reconhecimento do vínculo de emprego quando a SCP é formada apenas para mascarar uma relação de emprego entre as partes, e assim, fraudar a legislação trabalhista. Neste sentido, o Desembargador Luiz Otavio Linhares Renault no julgamento do Recurso Ordinário 0010876-54.2018.5.03.0105 assim explanou:
“Desde 1946, a Declaração da Filadélfia estabelece que o trabalho não é uma mercadoria. E a razão para dizer isso é ainda mais antiga. Remonta a Immanuel Kant, que identificou a dignidade como o valor atribuído aos homens, à semelhança do que ocorre com as coisas, que possuem um preço. Dessa forma, há muito a filosofia e a ciência jurídica consolidaram o entendimento pelo qual a dignidade da pessoa humana é um direito da personalidade, inalienável e indisponível. Com efeito, a dignidade da pessoa humana é o fundamento de todas as democracias modernas, inclusive a brasileira (art. 1º, III/CF). Sob essa perspectiva, pode-se afirmar que, se há algo desatualizado não é o Direito do Trabalho nem a Justiça Especializada. Interièurement et sous la peau, o que realmente ocorre é a prática de atos que visam à violação de normas de proteção ao trabalhador, que, por força de lei, são nulos de pleno direito (art. 9º/CLT). Dessa forma, com espeque no princípio da primazia da realidade, cabe a esta Justiça analisar se há a presença dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT. Releva salientar que empregado é a pessoa física que não faz o que quer e, sob essa ótica, não se pode negar que haja uma transferência de parte do seu livre arbítrio em troca de salário. Empregado é quem faz o que lhe é determinado por quem comanda a prestação de serviços, conforme prescreve o art. 3º/CLT. Autônomo, ao revés, é aquele que dita as suas próprias normas. Tem a liberdade de trabalhar, pouco ou muito, e até de não trabalhar. Faz o que quer, como quer e quando quer, respeitando, obviamente, os contratos que livremente celebra” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010876-54.2018.5.03.0105 (RO); Disponibilização: 02/12/2020; Órgão Julgador: Primeira Turma; Redator: Luiz Otavio Linhares Renault)
Ou seja, na busca da verdade real prevalece o princípio da primazia da realidade sobre a forma para a caracterização de vínculo empregatício. Logo, se na relação entre as partes estiver presente de forma concomitante os requisitos do artigo 2º da Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT) (pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica), restaria caracterizado a fraude societária e, consequentemente, o vínculo trabalhista entre as partes.
CONCLUSÃO
Em que pese este modelo de sociedade não personificada ter se mostrado uma alternativa empresarial cada vez mais utilizada entre investidores e empresários dos mais diversos ramos, os ditames civilistas não podem ser desvirtuados, sob pena de deturpar a sua finalidade.
Percebe-se que deve haver o necessário o discernimento e atenção por parte do sócio oculto frente ao seu real papel na negociação e seus limites a fim de não incorrer às responsabilidades que lhe impõe a legislação juslaboral.
O dever de fiscalizar é inerente à sua condição de investidor, logo, ele deve exigir ética e transparência por parte do sócio ostensivo, zelando pela constituição de uma sociedade idônea, com políticas de compliance para que seu investimento se cubra com a devida proteção.
Porém, se o sócio oculto se utilizar desta modalidade societária para apenas proteger o seu patrimônio poderá ser um alvo de fácil desconstrução perante os regramentos jus laborais, que prezam pela primazia da realidade sobre a forma e a satisfação do crédito de natureza alimentar.
Ressalta-se aqui que, mesmo sem um contrato firmado entre as partes, a SCP pode ser provada por todos os meios de prova de direito admitidas, mas, no mesmo sentido é a prova da sua desconstituição. Logo, o que prevalece é a verdade real no caso concreto.
Assim, se uma SCP se servir para transvestir um grupo econômico ou um conglomerado empresarial, a máxima legal civilista não prevalece sobre a lei específica na busca pelos créditos trabalhistas.
Diante de toda análise, uma SCP pode ser um ótimo instrumento para a realização de negócios com rapidez e agilidade ante as suas características, sem implicar em comprometimento do patrimônio do sócio investidor, desde que observados os regramentos jus laborais à risca, para que não seja ignorado os termos da não responsabilização do sócio oculto previsto pela lei civil.
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