Domingo, dia 15 de agosto de 1909, na casa de número 214, Estrada Real de Santa Cruz, Piedade, Rio de Janeiro, um homem transtornado na posse de uma arma de fogo, tragado pelo orgulho ferido- e pela cobrança social de se revidar à altura a honra ultrajada de marido traído– se dirige até a casa do amante de sua mulher, disposto a matar ou morrer.
O homem ultrajado é um dos maiores escritores da história do Brasil: Euclides da Cunha, imortalizado pela obra “ Os Sertões”; o amante, Dilermando de Assis; a esposa de Euclides, Ana Emília Ribeiro.
O que aconteceu já e de todos conhecido: Euclides atira em Dilermando, por duas vezes; o irmão de Dilermando, Dinorah, também é atingido por disparos efetuados por Euclides, na nuca, e se torna, então, paraplégico (justamente ele que era um atleta profissional!)
Finalmente, Dilermando reage, em legítima defesa, e mata Euclides.
Levado a julgamento em duas oportunidades, Dilermando é absolvido em ambas, por se ter agido em legítima defesa.
A indagação que poucos se fazem, no entanto, é a seguinte: e se fosse o contrário?
Se Euclides tivesse conseguido matar Dilermando?
Euclides seria acusado de homicídio e levado a julgamento pelo Tribunal do Júri.
O grande escritor não poderia alegar legítima defesa- afinal ele, armado, foi até a casa de seu desafeto para matá-lo. Mas poderia alegar legítima defesa da honra, sustentando a tese de que era imperioso lavar em sangue sua honra de marido enganado; muito provavelmente, seria absolvido pelo Júri.
Alguém diria que uma absolvição como essa- ao arrepio da lei- só seria possível no Brasil de 1909!
Ledo engano.
Há ainda absolvições por legítima defesa da honra proferidas pelo Tribunal do Júri do país, e podem se tornar mais recorrentes, afinal o Supremo Tribunal Federal (1ª T. HC 178.777, Rel. Min. Marco Aurélio) já decidiu que essas absolvições- mesmo que injustas- não podem ser cassadas, porque os veredictos populares são soberanos.