Araújo, José Renato Rodrigues1.
Gera, Vanessa Alves2.
RESUMO: O presente artigo analisa o controle judicial dos atos administrativos vinculados e discricionários que impactam a formulação e execução de políticas públicas no Brasil. Discute-se o papel do Poder Judiciário na implementação de direitos fundamentais, ponderando a necessidade de equilíbrio entre a legalidade, a discricionariedade administrativa e a legitimidade democrática. O estudo combina abordagem doutrinária e jurisprudencial. Para tanto, houve abordagem científica e jurisprudencial do tema em análise. Objetiva-se avaliar o controle judicial dos atos administrativos ligados à execução de políticas públicas, identificando seus limites jurídicos, éticos e filosóficos dentro do Estado Democrático de Direito. Adotou-se na pesquisa o método dedutivo, com o uso de procedimentos metodológicos de revisão bibliográfica e análise de jurisprudências dos tribunais superiores.
Palavras-chave: Controle judicial; Ato administrativo; Políticas Públicas; Discricionariedade; Estado Democrático de Direito.

Resultados e discussões.
Inicialmente, considera-se “ato administrativo” uma manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, exercido sob o regime jurídico de direito público, com a finalidade de produzir efeitos jurídicos que sempre devem ser de interesse público. Neste sentido, Alan Vargas da Cunha e Marcelo Benetele Ferreira assim o definem: “Nota-se que o ato administrativo decorre de uma vontade unilateral do Estado tendente a produzir efeitos jurídicos nos estreitos limites da legalidade” (CUNHA & FERREIRA, 2024, p. 1113).
Ainda, em considerações preliminares, importante distinção deve ser realizada entre atos administrativos vinculados ou discricionários. Os primeiros exigem que o administrador público observe estritamente os requisitos e condições da lei, sem qualquer liberdade de escolha, devendo praticá-lo na forma prevista em lei (princípio da legalidade administrativa). Os atos administrativos discricionários, por sua vez, concedem ao gestor público um relativo grau de liberdade para decidir, dentro dos limites legais, sobre aspectos como a conveniência e oportunidade para a prática de determinado ato, oportunizando àquele a avaliação de qual seja a melhor opção para o caso concreto.
É de conhecimento geral que todos os atos praticados, sejam públicos ou privados, estão sujeitos ao controle de legalidade e constitucionalidade pelo Poder Judiciário, contudo, sendo-lhe vedado analisar o mérito do ato administrativo, em regra, pois este deve respeitar os limites impostos pela Constituição Federal em atenção ao princípio da separação dos poderes e ao pacto federativo. Nesta seara que se criou o “princípio da inafastabilidade do controle judicial”, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o qual determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O mesmo foi incorporado ao Código de Processo Civil vigente, em seu art. 3º.
Como dito, os atos praticados por gestores públicos podem/devem ser reapreciados pelo Poder Judiciário, quando provocado, em caso de manifesta ilegalidade ou inconstitucionalidade daqueles. Trata-se do poder-dever do mesmo, com fundamento no “sistema de freios e contrapesos” ou “checks and balances”, o qual é um instrumento constitucional de controle mútuo entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cujo desiderato é o de evitar a concentração de poder e prevenir abusos institucionais, ressalvando-se, mais uma vez, os casos de “mérito administrativo”.
Os Tribunais Superiores tem decidido que o controle judicial deve se limitar ao exame da legalidade do ato impugnado, sem adentrar-se ao mérito administrativo. No entanto, em casos excepcionais, quando há abuso de poder ou desvio de finalidade, admite-se a intervenção judicial para atos administrativos, sobretudo os discricionários, ou seja, a discricionariedade não pode ser considerada ilimitada, razão pela qual se deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, como assim já se concluiu:
Desse modo, o ato administrativo discricionário sujeita-se à sindicabilidade jurisdicional de sua juridicidade e não há invasão do mérito administrativo, que diz com razões de conveniência e oportunidade, quando existir a verificação judicial dos aspectos de legalidade do ato praticado pela Administração Pública (CUNHA & FERREIRA, 2024, p. 1121).
Destaca-se, ainda, a teoria dos motivos determinantes, a qual tem como fundamento o princípio da transparência, da moralidade administrativa e o da verdade real em que todos os gestores públicos devem ter como norte de sua atuação pública. Em síntese, a referida teoria obriga o gestor público, ao proferir determinada decisão administrativa, que o respectivo motivo/fundamentação exposta para tanto seja verdadeiro, sob pena de fulminar a validade jurídica do ato respectivo, ainda que a decisão seja discricionária.
Soma-se à teoria dos motivos determinantes o fenômeno da constitucionalização do direito administrativo (o que tem ocorrido em outros ramos do direito, tais como o cível e o processual, por exemplos), o qual possui grande relevância nos tribunais em seu controle judicial dos atos administrativos impugnados/controvertidos, nos quais os mesmos são analisados não apenas à luz da legalidade estrita, mas em conjunto/harmonia com todos os demais valores e princípios constitucionais, explícitos ou não. Desta forma, o controle judicial:
O controle judicial se expande, pois já não se adstringe à mera legalidade stricto sensu, abrangendo todo o direito (controle de juridicidade, de legalidade lato sensu). Portanto, o “Estado Legal” é sucedido pelo Estado de Direito, revalorizando-se o conteúdo material da lei, ou seja, o seu aspecto axiológico, ético, justo, que havia sido menosprezado pelo juspositivismo mais radical. A ideia de vinculação negativa à lei (“a Administração pode fazer tudo o que não é proibido pela lei”), típica do liberalismo, é substituída pela noção de vinculação positiva à lei (“a Administração só pode fazer o que é permitido pela lei”) e a discricionariedade já não é vista como poder político, como no Estado de Polícia, senão como poder jurídico, balizado pelo Direito. O controle judicial já não é meramente formal, porquanto leva em consideração os aspectos materiais de justiça e ética positivados nos princípios constitucionais, explícitos e implícitos. É bem de ver que o controle judicial dos atos discricionários se expande não só pela positivação de novos princípios e valores constitucionais, senão também pela releitura dos princípios e valores constitucionais já positivados. (FERNANDES, 2014, p. 148)
Vários são os exemplos de políticas públicas que costumam, no dia a dia forense, serem judicializadas. Dentre elas se destacam as políticas públicas de saúde, educação e demais prestações de serviços públicos em geral, diretamente ou sob concessão/permissão/delegação da Administração Pública. Várias são as notícias, ainda, que dão conta de que o Estado Brasileiro não só é o maior empregador do Brasil, mas também como o maior litigante.
A dificuldade consiste, em especial, no fato de que as necessidades são infinitas e os recursos são escassos. Neste ponto, foram desenvolvidas as teses da reserva do possível e do mínimo existencial, ambas bastante exploradas no Poder Judiciário nos processos em que políticas públicas são exigidas.
Considerações finais
Ante ao exposto, verifica-se que a possibilidade de “reavaliação” dos atos administrativos praticados pela Administração Pública possuem grande relevância em um Estado Democrático de Direito, tendo em vista que boa parte deles se referem às políticas públicas adotadas pelos entes federativos, para fins de se coibir eventuais abusos ou fraudes, bem como para se manter o equilíbrio do pacto federativo nacional, sem que isso caracterize ativismo judicial ou ofensa ao princípio da separação dos poderes, o que, contudo, deve se dar com parcimônia por todos os agentes públicos envolvidos.
Considerando, portanto, a infinidade de necessidades de políticas públicas que exigem atenção e implementação do Estado, ora direitos de segunda geração constitucional, bem como, em sua maioria, se tratarem de atos discricionários da Administração Pública, o desafio para traçar as linhas de possibilidade de intervenção judicial em políticas públicas é gigantesco, em especial nos dias atuais de agravamento das relações públicas institucionais, notadamente entre o STF e demais poderes da república, em âmbito nacional.
Logo, é de suma importância que a análise do caso concreto não se atenha simplesmente na literalidade da lei (em seu sentido estrito), mas também em conjunto com todas as demais normas do nosso ordenamento jurídico, especialmente as normas de cunho constitucional, seus princípios e regras explícitos ou não.
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- Mestrando em direito pela Faculdade de Direito de Franca (2025); Graduado pela Faculdade de Direito de Franca (2004); Especialista em Gestão Empresarial pela Unesp – Franca (2008); Especialista em Processo Civil pela EPM – Escola Paulista da Magistratura (2018); Procurador Legislativo na Câmara Municipal de Orlândia/SP; http://lattes.cnpq.br/4782756614657486; email: jrenatoadv@gmail.com ↩︎
- Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – PPGD da Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduada em Gestão de Tributos e Direito Tributário pela USP – Piracicaba. http://lattes.cnpq.br/5318727242700246 ↩︎
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