No dia 23 de novembro de 2021, foi publicada a Lei 14.245/2021, que promoveu alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal, e na Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais). A lei tem por finalidade, conforme o seu artigo 1º, coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e das testemunhas, e denominou-se como sendo a “Lei Mariana Ferrer”.
Mariana Ferrer é uma influenciadora digital que constava como vítima em um processo que apurava o crime de estupro, na cidade de Florianópolis. A oitiva de Mariana em audiência foi disponibilizada ao grande público, e gerou comoção pelo tratamento dispensado pelo advogado do então acusado à ofendida, considerado como indigno e humilhante.
Em razão da grande repercussão gerada pelos fatos, foi aprovada a Lei Mariana Ferrer, que tem por objetivo evitar novos atos que sejam atentatórios à honra e a dignidade de vítimas, especialmente as de crimes contra a dignidade sexual.
Iremos nos ater unicamente à alteração da instrução do plenário de Júri, que passou a ter a seguinte redação:
Art. 474-A. Durante a instrução em plenário, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz presidente garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:
- a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;
- a utilização de linguagem, de informação ou material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.
A Lei positivou a obrigação de que as partes sejam educadas e respeitosas quando da inquirição de vítima e testemunhas, o que não é exatamente uma novidade. O artigo 201, § 6º, estipula, desde 2008, que: “O juiz tomará as providências necessárias á preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação”.
Percebe-se que, se houve abusos no passado, em razão do tratamento descortês ou desumano a alguma oitiva de vítima em audiência, eventual exagero não foi reprimido, pelo juiz, com eficácia, quando ocorrido, não por falta de lei que assegurasse o direito das vítimas, mas por falta de aplicação da lei então já existente.
Quanto ao rito do Júri, é claro que as partes devem respeitar a dignidade da vítima e das testemunhas, e cabe ao juiz presidente velar por essa postura, mas não ao ponto de se comprometer a busca da verdade dos fatos que permearam o crime, e que podem ser essenciais à produção de provas- pela acusação e pela defesa: afinal, não é raro que vítimas e testemunhas envolvidas em um crime doloso contra a vida não desejem que venham à tona fatos que possam macular sua respeitabilidade social, mas que são importantes ao pleno esclarecimento dos juízes naturais da causa, que são os jurados.
Em suma, respeitem-se vítimas e testemunhas, mas não nos esqueçamos do direito de as partes produzirem provas, e dos jurados conhecerem, em todas as suas facetas, a causa.