
Um dos pontos mais críticos e financeiramente sensíveis de toda a Reforma Tributária acaba de ganhar contornos operacionais extremamente preocupantes com a apresentação do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024.
O Título IV deste novo projeto detalha o procedimento que as empresas deverão seguir para reaver os trilhões de reais em saldos credores de ICMS acumulados ao longo de décadas. O mecanismo proposto, longe de ser um simples trâmite burocrático, cria um enorme e imediato risco operacional que pode comprometer o fluxo de caixa e o próprio balanço patrimonial das companhias.
O cerne do problema está no procedimento de homologação. O PLP 108/2024 exige que o contribuinte, detentor dos créditos, solicite formalmente a homologação desses saldos ao seu respectivo Estado ou Distrito Federal. O ponto nevrálgico da regra é que o ente federativo terá um prazo de 24 meses (dois anos) para analisar, validar ou rejeitar esses valores. É aqui que reside o temor do que o mercado já apelidou de “calote federativo”. A preocupação é legítima: os Estados, que já estão em uma posição de perda de protagonismo arrecadatório com o fim do ICMS, terão a capacidade administrativa – ou, mais importante, a vontade política – para homologar trilhões de reais em créditos acumulados?
Essa homologação pode se transformar em uma poderosa ferramenta de barganha política e fiscal. Os Estados podem simplesmente “sentar em cima” dos processos, criar entraves burocráticos ou iniciar fiscalizações complexas, cujo prazo de análise pode ser prorrogado. Embora o PLP 108/2024 preveja uma homologação tácita caso o prazo de 24 meses não seja cumprido, o mesmo projeto, em seu artigo 147, § 4º, retira a força dessa garantia ao afirmar que a homologação tácita “não impede a apuração e o lançamento de valores” posteriores. Isso significa que, mesmo após a homologação automática, a segurança jurídica do contribuinte é frágil, e o crédito pode ser questionado a qualquer momento dentro do prazo decadencial.
Em meu livro, “Reforma Tributária: Lei Complementar nº 214/2025 Comentada”, eu já havia abordado no Capítulo 16 a complexidade desses saldos acumulados. A regra constitucional parecia clara: os saldos seriam compensados ao longo de 240 parcelas (20 anos), conforme detalhado no Art. 150 do PLP 108/2024. As empresas, portanto, registraram esses valores como um ativo a receber.
Agora, o PLP 108/2024, ao criar esse complexo e demorado procedimento de homologação prévia, adiciona uma barreira de incerteza que transforma um ativo líquido e certo em um ativo “ilíquido” e “incerto”. O que deveria ser um direito de crédito garantido, a ser pago em 20 anos com correção pelo IPCA, corre o risco de se transformar em um passivo gigantesco, perdido em disputas administrativas estaduais.
O procedimento, que deveria ser meramente operacional, pode se tornar o maior e mais oneroso custo de transição da reforma para todo o setor produtivo brasileiro.
Sugestão de Leitura:

Reforma Tributária – Lei Complementar nº 214/2025 Comentada
Renaldo R. Júnior
Análise prática da Reforma Tributária: IBS, CBS, Imposto Seletivo, EC 132/2023 e LC 214/2025. Riscos, novos tributos, transição fiscal e compliance empresarial.
