Não se desconhece que a pandemia por COVID-19 trouxe grandes mudanças no mundo jurídico com a criação de novas metodologias a fim de manter o funcionamento da Justiça.
Também é certo que algumas técnicas aperfeiçoadas durante a pandemia serão utilizadas mesmo após o seu término como, por exemplo, a oitiva da testemunha por meio de vídeo conferência que, embora permitida pelo artigo 453, §1º do CPC/15, era pouco explorada na Justiça do Trabalho.
Mas, essa altura quando já decorridos dois anos da pandemia e a reabertura das atividades presenciais em quase todos os Tribunais Regionais, nos perguntamos se o rito processual estabelecido no artigo 335 do CPC quanto à apresentação de contestação será de fato incorporado ao processo do trabalho?
Pois bem.
O artigo 847 da CLT prevê expressamente que a contestação deve ser apresentada em audiência, ou até a sua data quando se tratar de processo eletrônico.
Portanto, já de plano se verifica a impossibilidade de se aplicar o artigo 15 do CPC que estabelece que: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.
Isto porque, a aplicação supletiva visa a complementação de uma norma. Já a aplicação subsidiária objetiva preencher uma lacuna existente na norma.
E na hipótese em questão não se tem nem uma lacuna e, tampouco, a necessidade de se complementar um dispositivo diante da tamanha clareza do artigo 847 da CLT quanto ao rito para apresentação da contestação.
Entretanto, o ATO Nº 11/GCGJT de 23 de abril de 2020 regulamentou os prazos processuais relativos a atos processuais que demandam atividades presenciais na Justiça do Trabalho facultando, por meio do artigo 6º, aos juízes de primeira instância a utilização do artigo 335 do CPC ao processo do trabalho. Confira-se
“Preservada a possibilidade de as partes requererem a qualquer tempo, em conjunto (art. 190 do CPC), a realização de audiência conciliatória, fica facultado aos juízes de primeiro grau a utilização do rito processual estabelecido no artigo 335 do CPC quanto à apresentação de defesa, inclusive sob pena de revelia, respeitado o início da contagem do prazo em 4 de maio de 2020.
§1º. Na hipótese do caput, deverá o(a) magistrado(a) possibilitar vista à parte autora dos documentos apresentados com a(s) defesa(s), e assinalar prazo para que as partes especifiquem as provas que pretendem produzir, sua pertinência e finalidade, para então proferir julgamento conforme o estado do processo ou decisão de saneamento e, se necessário, audiência de instrução”.
A redação do artigo 11 do referido ato dispõe:
“Artigo 11º- O presente Ato entra em vigor na data de sua publicação, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, podendo ser revisto a qualquer tempo, caso sejam alteradas substancialmente as condições extraordinárias da pandemia que lhe deram origem”.
Em 19 de novembro de 2020, o Ato nº 19/GCGJT prorrogou por prazo indeterminado, e sem solução de continuidade o Ato nº 11/GCGJT, de 23 de abril de 2020, restando, portanto, revogada a limitação temporal prevista no artigo 11 do Ato nº 11/ GCGJT.
Contudo, a aplicação do artigo 335 do CPC sempre foi incompatível com o processo do trabalho diante do disposto do artigo 847 da CLT, sendo certo de que o ato Nº 11/GCGJT de 23 de abril de 2020 trouxe uma solução apenas para uma excepcionalidade vivida num momento de incertezas diante do início da Pandemia por Covid19, o que – ao menos ao meu ver – já não se justifica mais diante: (a) da costumaria audiência por meio da utilização da plataforma ZOOM; (b) do retorno das atividades presenciais da maioria dos Tribunais Regionais; (c) o avanço da vacinação por todo o País.
Aliás, é bom se ter em mente que nos termos do artigo 2º, §1º da LICC apenas “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
Portanto, o artigo 847 da CLT permanece vigente e eficaz mesmo com o Ato Nº 11/GCGJT de 23 de abril de 2020, pela pura e simples razão de que ato não revoga dispositivo legal.
Assim, respondendo à pergunta do título do presente artigo, a pandemia não trouxe o fim do procedimento previsto no artigo 847 da CLT sendo certo de que, hoje, o correto é a designação de audiência ainda que virtual para apresentação de contestação nos exatos termos do artigo 847 da CLT, sendo plenamente passível de nulidade a adoção de procedimento diverso.