Um tema fundamental a ser analisado, em sede de Recuperação Judicial, é a possibilidade de ajuizamento e prosseguimento de execuções individuais em face de coobrigados da empresa recuperanda e, em especial, se estes são seus sócios.
A partir do momento do deferimento do processamento da Recuperação Judicial ocorre um período de 180 dias, prorrogável, em algumas hipóteses, em que as execuções individuais ficam suspensas (stay period).
Ressalta-se que, o direito creditório fica apenas com a exigibilidade suspensa, estando assegurado o direito material.
Tal período ocorre para que o devedor possa apresentar um Plano de Recuperação Judicial viável economicamente, que atenda os interesses da empresa e dos credores.
Nesse contexto, suspendem-se as execuções individuais, a fim de impedir o esvaziamento do patrimônio da empresa, para garantir o seu soerguimento e o pagamento dos credores de forma equânime.
Pois, caso um ou alguns credores pudessem obter constrições sobre bens da empresa recuperanda e, por conseguinte, obter a satisfação integral de seus créditos, muito provavelmente, os demais credores não obteriam a mesma satisfação e a empresa poderia não dispor de outros bens aptos a dar continuidade à atividade empresarial, levando à bancarrota.
Cabe lembrar que, a Recuperação Judicial é meio para o soerguimento da atividade econômica em prol da sociedade, pois a falência de empresas acarreta uma cascata de eventos sociais danosos, não só ao empresário, mas, principalmente, aos trabalhadores que perderão seus empregos, suas famílias e a toda comunidade envolvida e dependente daquela atividade econômica.
E não é apenas um texto “bonito” previsto pelo Legislador, pois quem conhece a realidade de empresas em Recuperação Judicial pode afirmar o real impacto social que causa uma falência.
Portanto, o interesse da sociedade é manter a atividade econômica, que sustenta a região, o mercado no qual atua, bem como, os empregos que também geram renda para a comunidade.
Ocorre que, na prática, as empresas que pedem Recuperação Judicial pretendem pagar suas dívidas com deságio de quase 100% e em parcelas por vários anos, o que equivale a quase “não pagar” seus credores. Eis a realidade, ao menos de grandes grupos econômicos que estão em Recuperação Judicial neste momento.
Nessa situação, os credores ficam anos aguardando o suposto pagamento.
Todavia, existem créditos que possuem garantias concedidas por terceiros – que não a empresa – que não se submetem ao período de suspensão das execuções individuais e nem aos demais efeitos da Recuperação Judicial.
Assim, a princípio, a Recuperação Judicial do principal devedor não impede a execução contra terceiros devedores solidários ou coobrigados, por garantia cambial, real ou fidejussória.
Dessa forma, a previsão expressa do artigo 49, § 1º, da Lei nº 11.101/2005 (LFRE): “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”.
No mesmo sentido o entendimento sumulado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 581, STJ: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”
O plano de Recuperação Judicial acarreta a novação das obrigações, mas, em regra, as garantias cambiais, reais ou fidejussórias são mantidas, possibilitando a execução contra os terceiros garantidores.
Porém, existem pontos a serem considerados, já que, muitas vezes, os terceiros são os sócios da empresa recuperanda.
Insta salientar-se que, o Juízo da Recuperação Judicial é o único competente para decidir sobre a extensão dos efeitos da Recuperação Judicial, tal como, o período de suspensão das execuções individuais, aos sócios da empresa.
Dessa forma, é possível a execução de sócio que prestou garantia à dívida como pessoa física, mesmo que a empresa devedora principal esteja em Recuperação Judicial, mas há a possibilidade de o Juízo da Recuperação Judicial estender os efeitos desta ao sócio, o que leva, entre outros, a aplicação da suspensão da execução.
No caso do sócio com responsabilidade ilimitada e solidária com a empresa em Recuperação Judicial, seus efeitos serão estendidos a este. Ou seja, haverá a submissão do patrimônio do sócio pessoa física à Recuperação Judicial, o que impede sua execução individual.
Tal efeito ocorre porque todos os bens da empresa e de sócios solidários em Recuperação Judicial estão sujeitos ao pagamento dos créditos objeto da Recuperação Judicial.
Outro aspecto é que a aprovação do Plano de Recuperação Judicial é imposta a todos os credores, mesmo que inertes. Mas, as garantias só podem ser afastadas, em regra, com a autorização expressa dos credores.
Ou seja, o credor titular de garantias reais, cambiais ou fidejussórias prestadas por terceiros deve estar atento para não renunciar a suas garantias, para ajuizar e/ou prosseguir com a execução em face do terceiro sócio da empresa recuperanda, caso não obtenha a satisfação de seu crédito e, claro, caso não ocorra a extensão dos efeitos da Recuperação Judicial ao terceiro, se sócio da empresa.
Contudo, outro ponto é que se houver a aprovação na Assembleia de Credores para a supressão das garantias, haverá a vinculação de todos os credores, mesmo aos que não compareceram, se abstiveram de votar, ou não se posicionaram de forma contrária à disposição, conforme precedentes recentes do Superior Tribunal de Justiça.
Isso porque, a Lei estabelece como critério de votação, o majoritário, por classe e valor do crédito. Assim, havendo aprovação na Assembleia Geral de Credores da supressão das garantias, a disposição é válida para todos os credores.
Destarte, há a possibilidade de ajuizamento e prosseguimento das execuções contra terceiros, mesmo que sócios da empresa recuperanda, desde que não se trate de sócio com responsabilidade ilimitada e solidária com a recuperanda, devendo o credor titular da garantia participar ativamente da Assembleia de Credores, a fim de impedir a supressão da garantia.