Do Direito à negativa à vacinação do empregado e o direito coletivo ao meio ambiente do trabalho seguro

Homem  e mulher trabalham em lanchonete utilizando máscaras

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o choque principiológico entre o direito de recusa à vacinação contra o COVID-19, pelo empregado, com o dever do empregador em manter o meio ambiente de trabalho seguro.

I – INTRODUÇÃO

O ano de 2020 foi marcado pela declaração mundial de situação de pandemia em decorrência do novo coronavírus (COVID-19). A gravidade da pandemia acabou por levar o Estado Brasileiro a declarar o estado de calamidade pública.

A síndrome respiratória causada pelo novo coronavírus acabou por causar o colapso do sistema de saúde de muitos Estados acarretando a declaração de lockdown em diversas cidades brasileiras, bem como levando os Governos Federal, Estadual e Municipal a editar diversas normas de restrição de circulação e cuidados, muitas delas destinadas ao controle da pandemia no ambiente de trabalho.

Já em 2021, com o desenvolvimento da vacina contra o novo coronavírus, muitas pessoas fizeram a opção por não se vacinar, no entanto, muitas empresas têm exigido de seus colaboradores a vacinação.

Nesta situação temos a colisão de direitos individuais do empregado e coletivos, sendo necessária a ponderada análise do caso para, então, verificar a viabilidade ou não da recusa do empregado à vacinação ou à possibilidade de obrigatoriedade da vacinação, sob pena de penalidades impostas ao empregado podendo ensejar, inclusive, a dispensa por justa causa.

II – DA COLISÃO DE PRINCÍPIOS JURÍDICOS – DIREITO INDIVIDUAL DO EMPREGADO E O DEVER DO EMPREGADOR EM MANTER UM AMBIENTE DE TRABALHO SEGURO

Apesar do Estado de calamidade pública e da grave crise de saúde pública que a pandemia do novo coronavírus trouxe ao país, não foi editada norma que obrigasse os cidadãos a adotarem ao programa de vacinação.

Referida ausência , acalourada por discursos lançados nos meios eletrônicos, acabam por incentivar uma parcela da população a não aderir à vacinação sob o principal argumento de não serem obrigados a fazê-lo, por ausência de previsão legal, se amparando nos ditames do artigo 5º, inciso II da Constituição da República, vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (DO BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA.)

Nesta linha de raciocínio, os adeptos desta tese destacam que, na ausência de norma que autorize a punição do empregado, o empregador não pode aplicar qualquer tipo de penalidade pelo fato deste não se vacinar, uma vez que acabaria por ensejar uma forma de coerção indireta para que o empregado, por medo de perder o emprego, se vacine.

Em posição diametralmente oposta, a interpretação que leva à conclusão de autorizar o emrpegador a aplicar penalidade ao empregado que não se vacinar temos a obrigatoriedade do empregador em manter um meio ambiente de trabalho seguro.

Nos termos do artigo 225 da Constituição da República, todos tem direito ao meio ambiente equilibrado, vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

O conceito de meio ambiente do trabalho encontra-se inserido naquele citado no artigo 225, conforme é possível extrair do artigo 200, inciso VIII do texto constitucional:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Nas palavras do ilustre doutrinador João Humberto Cesário, em seu livro Técnica Processual e Tutela Coletiva de Interesses Ambientais Trabalhistas, o conceito de meio ambiente do trabalho não deve se dissociar daquele mais amplo, uma vez que no prisma laboral, a temática ganha apenas novos contornos e, por vezes, mais dramáticos:

Aqui , antes de tudo, recomenda-se deixar claro que o meio ambiente do trabalho não deve jamais se dissociar da noção mais ampla de meio ambiente.

Vale dizer que os grandes problemas ambientais, ao revés do que se imaginou por muito tempo, não se resolvem magicamente nas portas das fábricas.

Muito ao contrário, a temática ambiental apenas ganha novos e não raro mais  dramáticos contornos no âmbito laboral […]. CESÁRIO, JOÃO HUMBERTO, Técnica Processual e Tutela Coletiva de Interesses Ambientais Trabalhistas, págs. 138 e 139.

A legislação trabalhista traz como obirgação do empregador ou tomador de serviços o dever de zelar pela saúde e segurança de todos os seus empregados, como se extrai das normais que tratam sobre acidente de trabalho, adequação do local de trabalho e equipamentos, ergonomia, insalubridade/periculosidade, constituição de CIPA, enfim, exemplos não faltam para demonstrar a preocupação do legislador em manter o empregado em condições de trabalho seguras, tanto por aspectos individuais, quanto por questões transversas como as consequencias sociais que o ambiente de trabalho inadequado pode trazer como, por exemplo acidentes de trabalho, onerando a previdência, reduzindo a capacidade laborativa do empregado, dentre outros.

No caso específico da possibilidade de imputar penalidade aos empregados que não se vacinarem temos que o Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento proferido nas ADI’s 6.586 e 6.587, fixando a tese a seguir:

(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e

i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes,

(ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes,

(iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas,

(iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e

(v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente;

(II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.

Considerando  as nuances argumentativas trazidas até o momento, bem como a decisão retro proferida pelo Supremo Tribunal Federal, consideramos ser possível a aplicação de penalidade ao empregado que se recusa a vacinar-se. Isso porque, nos termos do artigo 157, inciso II da CLT, é dever das empresas adotar as medidas que lhe sejam impostas pelo poder público. No caso em epígrafe, o dever imposto é a manutenção do meio ambiente de trabalho seguro e cooperação das empresas privadas na contenção da proliferação do novo coronavírus:

Art. 157 – Cabe às empresas:

III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;

Merece destaque o fato de o legislador ordinário ter mantido a previsão legal da possibildiade da contaminação no ambinte de trabalho por COVID-19 ser considerada como doença ocupacional, situação que impõe às empresas uma atuação ativa em face ao combate do vírus uma vez que, eventual omissão empresaria poderia vir a acarretar a configuração de doença ocupacional.

A Consolidação das Leis do Trabalho dispõe, ainda, que é dever do empregado cooperar com o empregador na implementação das medidas previstas na CLT, considerando ato faltoso a não utilização de EPI’s ou a ausência de cooperação, vejamos:

Art. 158 – Cabe aos empregados:

Il – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.

Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:

  1. à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior; 
  2. ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.  

Por todo o exposto, em que pese haver, de fato, o direito de oposição do empregado, nos parece que esse direito de oposição não impede a adoção de medidas indiretas para que o empregado realize a vacinação, nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal. Referida conclusão decorre do fato do direito de a recusa ser um direito fundamento individual do empregado enquanto, o direito ao Meio Ambiente do Trabalho Seguro é um direito coletivo transindividual, sendo que todos que estão nele inseridos possuem o dever de cooperação para que o objetivo final de segurança seja alcançado, sendo decorrência dessa lógica transindividual as possibilidades de penalidade previstas na Consolidação das Leis do Trabalho.

Temos, portanto, que nos parece mais adequada a restrição ao direito de oposição, aceitando formas indiretas de pressão para adesão à vacinação em favor da defesa de um princípio coletivo transindividual que, no final, o próprio indíviduo que possue o direito de negativa à vacinação, também está inserido na ordem de obrigados à criação e manutenção de um ambiente de trabalho seguro.

III – CONCLUSÃO

Tendo em vista os pontos e contrapontos trazidos sobre o tema, conclui-se que, apesar do empregado possuir o direito de recusa à vacinação, ele também é destinatário final da obrigação de criação e manutenção de um ambiente de trabalho seguro razão pela qual nos parece possível a atuação coercitiva indireta do empregador para convencer o empregado a se vacinar, havendo nesse caso uma prevalência do direito coletivo transindividual de todos os empregados e cidadãos ao meio ambiente equilibrado e meio ambiente de trabalho seguro.

IV – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

  1. CESÁRIO, JOÃO HUMBERTO, Técnica Processual e Tutela Coletiva de Interesses Ambientais Trabalhistas, págs. 138 e 139
  2. Do Brasil, Constituição da República Federativa.
  3. Do Trabalho, Consolidação das Leis.

Supremo Tribunal Federal (http://portal.stf.jus

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Voltar ao topo