A extinção da justiça do trabalho – o acesso à justiça em Capelleti e Garth – o caso do TRT 16ª região

Tribunal de Justiça visto de baixo
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Há aproximadamente 12 anos (em 2011) a Justiça do Trabalho no Maranhão sofreu uma profunda, esperada e alentadora transformação. Naquela época, embora o TRT da 16ª Região já somasse 21 anos de existência (criado em 1989) e a primeira vara do trabalho criada no Estado do Maranhão já estivesse em operação há 83 anos (a 1ª VT de São Luís nasceu em maio de 1939), a Justiça do Trabalho ainda não havia chegado a todos os municípios do Maranhão.

De fato, em uma parte significativa dos municípios maranhenses a jurisdição trabalhista era prestada de forma delegada por Juízes de Direito. A despeito de serem profissionais dedicados, comprometidos e prestassem um bom serviço, não era uma situação ideal. Parece evidente que a jurisdição especial deve ser prestada por juízes especializados, pela justiça especializada, muito mais afeita à doutrina e jurisprudência construídas por décadas com base nas regras e princípios próprios da jurisdição trabalhista.

Mesmo tratando-se de um elogiável avanço, apesar de tardio, o modelo criado naquela ocasião ainda não era o ideal, na medida em que não houve a criação e instalação de novas varas do trabalho para atenderem aos municípios até ali desassistidos. Em verdade, duas varas do trabalho foram criadas naquele ano de 2011, a 7ª VT de São Luís e a 2ª VT de Imperatriz, mas sem alcançar os municípios sem cobertura.

A solução adotada, então, foi ampliar a jurisdição das varas já existentes, deixando as sedes das unidades judiciárias excessivamente distantes de muitas cidades sob sua jurisdição. Para se ter como exemplo, a cidade de Carutapera, sob jurisdição da Vara Pinheiro, fica a 231km de distância do fórum, cerca de 3h40min de viagem.

Pois bem.

Neste momento, em fevereiro de 2022, estamos na iminência de ser aprovada junto ao TRT da 16ª Região uma proposta de resolução que simplesmente extingue as Varas do Trabalho de três municípios do Maranhão, sediadas nas cidades de Pedreiras, Timon e Açailândia, transferindo-as para outras localidades que já dispõe de pelo menos uma vara do trabalho instaladas, com a conseqüente ampliação da jurisdição das Varas de Bacabal, Imperatriz, Presidente Dutra, Barra do Corda e Caxias, que assumiriam as cidades antes cobertas pelas varas extintas, o que representa um retrocesso nunca antes observado.

Na prática, a proposta importa em recuarmos 12 anos no tempo, para a época em que a Justiça do Trabalho do Maranhão não chegava a todos os municípios do estado. De fato, passados pouco mais de doze anos da medida que tentou levar a justiça do trabalho para todos os pontos do estado, vem agora uma nova tentativa de fazer exatamente o contrário, de afastar novamente a Justiça do Trabalho dos jurisdicionados. Evidentemente, e isto veremos a seguir, não se trata apenas de uma distância física, trata-se de uma violação perversa do direito básico de acesso à justiça.

De fato, em clássica e magnífica obra denominada Acesso à Justiça, Mauro Capelleti e Bryant Garth enfatizam que o acesso efetivo à justiça trata-se de um direito social básico, sendo que “a efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’ – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos” (CAPPELLETTI, 1988, p. 15).

Partindo desta premissa, os autores passam as elencar os obstáculos de acesso à justiça com a correspondente solução possível para minimizá-los. O primeiro obstáculo é exatamente os custos de acesso ao judiciário, que pressionam os economicamente mais fracos a abandonarem suas causas, ou a aceitarem acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.

Em outras palavras, os custos para estar em juízo, as despesas processuais de toda ordem, endo e exo-processuais, as dificuldades naturais e aquelas criadas pelo sistema de justiça, diminuem as possibilidades das partes economicamente vulneráveis, o que representa uma verdadeira denegação do direito de acesso à justiça. Dessa forma, tratando-se de uma barreira poderosa de acesso ao judiciário e, a menos que o litigante em potencial esteja certo de vencer, o que, segundo Capelleti, é fato extremamente raro, dadas as normais incertezas do processo (lembrem-se, não existe risco zero em processo judicial), a tendência é que o potencial reclamante desista antes mesmo de tentar.

Pois é esta exatamente a situação pretendida pela Resolução proposta para a reestruturação do judiciário trabalhista maranhense. Pretende-se criar uma nova barreira de acesso para os potenciais litigantes atendidos pela Varas de Timon, Açailândia e Pedreiras, aumentado-se a distância do fórum e criando-se novos custos financeiros, dentre outros que não cabem neste breve texto.

Entendo como absolutamente evidente que extinguir as unidades judiciárias nas cidades de Timon, Açailândia, e Pedreiras, que atendem a uma população de centenas de milhares de  habitantes, transferindo para outras unidades mais distantes, cria uma obstáculo quase intransponível para boa parte dos jurisdicionados. Não se iludam. No Brasil a Justiça do Trabalho é uma justiça para desempregados.

Então, é no mínimo cruel obrigar um trabalhador desempregado a desembolsar um dinheiro que não tem para custear uma viagem que não pode para uma cidade há 100km, 200km, 300km de distância, para propor ação e comparecer à audiência na sede judiciário, tendo que arcar com as despesas para levar as suas testemunhas, eventualmente pagar hospedagem, alimentação, sem qualquer garantia de que será ressarcido disto, pois não existe nenhuma certeza de êxito em processo judicial.

Portanto, em pleno 2022, na contramão de toda a construção teórica acerca do acesso à justiça, o Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão, de forma antidemocrática, sem ouvir as partes atingidas, sem debater com a sociedade, de forma unilateral, pretende aumentar as barreiras de acesso à justiça, com o simples argumento de que as varas em questão não atingiram um limite mínimo de casos novos durante o último triênio. Vejam que o período de apuração do triênio foi entre 2019/2021, ou seja, no auge da pandemia de SARS-COVID19, quando qualquer apuração neste sentido estaria contaminada (sem trocadilho)  pela tragédia sanitária.

Ressalto que a Resolução nº 296, do CSJT, art. 27, que tem servido de justificativa para a medida, assegura três soluções para resolver a questão de baixa movimentação: redistribuir a jurisdição (ampliando os municípios atendidos pela Vara), mover a vara, ou justificar a manutenção da vara onde está mediante elementos de ordem social, política, econômica, ou orçamentária.

Neste caso, a justificativa é muito clara. Houve queda na movimentação processual em razão da pandemia de SARS-COVID19. Além disso, a apuração da produtividade das varas também foi feita passados apenas 2 anos da reforma trabalhista promovida pela Lei  nº 13.467/2017, instrumento que, como se sabe, também serviu para criar obstáculos de acesso à justiça (custas e honorários de advogado e periciais pelos reclamantes).

É natural e esperado que doravante, com odecreto de inconstitucionalidade do art. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT, pelo STF, as demandas encontrem finalmente um patamar de normalidade quanto ao volume. Assim, ainda com apoio em Capelleti, a tendência é que, vencida uma barreira de acesso à justiça, o número de demandas volte a crescer. Portanto, extinguir as varas naquelas localidades, a mais danosa das medidas, pode perfeitamente ser evitada. Deve ser evitada.

Como dito acima, acesso à justiça trata-se de um direito social básico, fundamental. Poder Judiciário não é supermercado, que pode fechar se não tiver clientes suficientes.

De fato, num estado rico como o Maranhão, mas com altíssima concentração de renda que torna a maioria da população muito pobre, com altíssimo índice de descumprimento da legislação trabalhista, campeão no fornecimento de mão-obra escrava, nos leva a concluir que a baixa movimentação processual está relacionada com as dificuldades de acesso à justiça (pandemia de SARS-COVID19, Lei nº 13.467/2017, dentre outras), e não com a falta de potenciais demandas.

O que um Tribunal consciente, comprometido com a sociedade e com os princípios fundamentais previstos na Constituição Federal deve à comunidade é a adoção de medidas que facilitem o acesso ao judiciário trabalhista, que identifique os motivos pela baixa movimentação, avaliar os impactos da SARS-COVID19 e da reforma promovida pela Lei nº 13.467/2017 na movimentação processual, aguardar o período de maturação do decreto de inconstitucionalidade do art.  790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT, pelo STF, enfim, que retire as barreiras de acesso e cumpra com o seu papel social.

De outro modo, é necessário parafrasear o professor Silvio Luiz de Almeida, para concluir que não adianta estudar tanto, não adianta décadas de produção científica, anos de lutas sociais, não adianta a pobreza a miséria, não adianta nada, se tudo o que vale é a pura vontade.

Por fim, como certa vez disse um professor, justiça que não se preserva merece mesmo acabar.

Referências

ALMEIDA, Silvio Luis de. https://twitter.com/silviolual/status/1313494115049525249

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, Conselho Superior da Justiça do Trabalho e Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. RESOLUÇÃO CSJT Nº 296, DE 25 DE JUNHO DE 2021.  Dispõe sobre a padronização da estrutura organizacional e de pessoal e sobre a distribuição da força de trabalho nos órgãos da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus e dá outras providências. Disponível em: http://tst.jus.br/web/guest/calendario-do-tst/-/document_library/3Ezv/view_file/27457728

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 5766.  Disponível em: http://tst.jus.br/web/guest/calendario-do-tst/-/document_library/3Ezv/view_file/27457728

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