As associações são pessoas jurídicas, de direito privado[1] sem finalidade lucrativa[2], relevantes para a defesa dos interesses de seus associados, dentro das finalidades esculpidas no instrumento de sua instituição. Em nome próprio ou alheio, não raro acionam o Poder Judiciário para resguardar e garantir direitos de uma determinada coletividade.
Tamanha relevância ganhou espaço, inclusive, nos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, com diversos dispositivos no art. 5º da Lei maior[3]. Não se pode olvidar, também, que as ações coletivas, abarcando grande quantidade de pessoas, associados, auxilia para o menor número de demandas para o sobrecarregado Poder Judiciário.
Em um único processo, de natureza coletiva, pode-se solucionar controvérsia jurídica para milhares de pessoas.
Feito esse introito, cabe indagar: qual o alcance das decisões judiciais em ações propostas por associações?
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese: “a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento”[4].
Assim, ao propor ação coletiva sob o rito ordinário, a associação está a defender apenas os filiados de determinada jurisdição do órgão julgador, afiliados até o ingresso da demanda. Filiados posteriores à demanda ou fora da jurisdição do julgador, segundo o Pretório Excelso, não estão abarcados pela decisão proferida. Para tal ingresso, faz-se necessário colher autorização expressa de cada associado ou, ainda, mediante assembleia geral designada para esse fim, com aprovação por maioria simples dos filiados[5].
Com efeito, o Ministro Relator exarou o seguinte entendimento “diversamente da regência alusiva a sindicato, observados os artigos 5º, inciso LXX, e 8º, inciso III, da Lei Maior, no que se verifica verdadeiro caso de substituição processual, o artigo 5º, inciso XXI, nela contido, concernente às associações, encerra situação de representação processual a exigir, para efeito da atuação judicial da entidade, autorização expressa e específica dos membros, os associados, presente situação próxima à de outorga de mandato, não fosse a possibilidade de concessão da referida anuência em assembleia geral”.
Nessa linha, por se tratar de hipótese de representação processual, de direito alheio a da associação, é cabível delimitar os filiados que serão contemplados com eventual decisão que lhes é favorável.
Ficou, assim, mantida a redação e constitucionalidade do artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997:
Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.
Situação diversa é quando a associação propõe mandado de segurança coletivo. Aqui, segundo entendimento perfilhado pela segunda turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ – estar-se-á diante de substituição processual, com a associação atuando em nome próprio.
E, assim sendo, “a decisão em mandado de segurança coletivo impetrado por associação beneficia todos os associados, sendo irrelevante a filiação ter ocorrido após a sua impetração”[6].
Ficou assentado no STJ o entendimento que o mandado de segurança coletivo é “hipótese de substituição processual, por meio da qual o impetrante, no caso a associação, atua em nome próprio defendendo direito alheio pertencente aos associados ou parte deles, sendo desnecessária para a impetração do mandamus apresentação de autorização dos substituídos ou mesmo lista nominal”.
Veja a ementa da decisão em comento:
2. A jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça mandado de segurança coletivo configura hipótese de substituição processual, por meio da qual o impetrante, no caso a associação, atua em nome próprio defendendo direito alheio, pertencente aos associados ou parte deles, sendo desnecessária para a impetração do mandamus apresentação de autorização dos substituídos ou mesmo lista nominal. Por tal razão, os efeitos da decisão proferida em mandado de segurança coletivo beneficia todos os associados, ou parte deles cuja situação jurídica seja idêntica àquela tratada no decisum, sendo irrelevante se a filiação ocorreu após a impetração do writ.
3. Inaplicável ao presente caso a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 612.043/PR (Tema nº 499), pois trata exclusivamente das ações coletivas ajuizadas sob o rito ordinário por associação quando atua como representante processual dos associados, segundo a regra prevista no art. art. 5º, XXI, da Constituição Federal, hipótese em que se faz necessária para a propositura da ação coletiva a apresentação de procuração específica dos associados, ou concedida pela Assembleia Geral convocada para este fim, bem como lista nominal dos associados representados, nos termos do art. 2º-A, parágrafo único, da Lei nº 9.494/97. In casu, o processo originário é um mandado de segurança coletivo impetrado por associação, hipótese de substituição processual (art. 5º, LXX, da Constituição Federal), situação diversa da tratada no RE nº 612.043/PR (representação processual).
De fato, existe uma distinção em ambas as ações. Enquanto que na ação coletiva de rito ordinário o art. 5º, XXI, da CF[7] explicita a necessidade de prévia autorização para a associação deter legitimidade processual, o art. 5º, LXX, da CF já confere legitimidade, tal como o faz para os sindicatos, para a impetração do mandado de segurança coletivo.
Vê-se, pois, a distinção do alcance da decisão judicial a depender do tipo de ação: enquanto que na primeira observa-se uma situação de representação processual, limitada no tempo e espaço jurisdicional, na segunda está-se diante de uma substituição processual, mais ampla, abarcando inclusive filiados após a propositura da demanda.
Dessarte, pode-se concluir que o alcance das decisões judiciais em ações propostas por associações depende de como esta se encontra legitimada no processo, se como representante ou substituta processual. De acordo com a jurisprudência supra, em ações coletivas de rito ordinário a associação é uma representante processual, atuando em nome de terceiros, enquanto que em mandados de segurança coletivos ela é uma substituta processual, atuando em nome próprio.
[1] Art. 44 do Código Civil: “São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações”.
[2] Art. 53 do Código Civil: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos”.
[3] Art. 5º da Constituição Federal (CF): “XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. (…) LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: (…) b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados”.
[4] STF. RE 612.043/PR, sob o regime de repercussão geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio (Tema 499).
[5] STF. Ação originária nº 152/RS, relator Ministro Carlos Velloso.
[6] STJ. AgInt no REsp 1.841.604-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 22/04/2020, DJe 27/04/2020. (Informativo STJ n. 0670).
[7] Art. 5º, XXI, da CF: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.